sábado, 15 de outubro de 2022

Tomé, Filipe e o cristianismo - Convergindo textos religiosos com base no Bem

 

Eu acho interessante a proposta de buscar as semelhanças entre as espiritualidades e o que há em comum entre as religiões. Não para afirmar qual é mais correta, mas sim para buscar o que é bom para todos. Obviamente isto pode parecer utópico, subjetivo demais, delirante e/ou impossível, mas para evitar tentativas de controle sobre comunidade e movimentos de cisão e divisão entre as pessoas, basta considerarmos a importância de algumas coisas básicas: Humildade (ou presunção da ignorância), amor e esperança. Resumidamente empenhar-se em viver tais preceitos deve nos servir de guia para buscar a união benéfica das variadas espiritualidades. 
Neste texto traço as possíveis relações que aproximam os evangelhos de Filipe dos demais ensinamentos cristãos - principalmente dos 4 evangelhos das igrejas cristãs (João, Lucas, Marcos e Mateus) e da filosofia cristã espírita. Eu pensei em analisar e descrever algum conteúdo do evangelho de Tomé também, mas o texto ficaria muito extenso. 
Há poucos meses li os evangelhos de Tomé e de Filipe, chamados de apócrifos por aí a fora. Ao buscar informações sobre tais evangelhos se encontram variadas opiniões sobre suas origens, validade etc etc. As opiniões podem se basear tanto em fatores físicos que tentam traçar a data em que tais textos foram escritos e quem os escreveu, como em fatores de interpretação do conteúdo. Eu considero este último fator (conteúdo) mais importante, mas obviamente não concordo com muitas das interpretações sobre tais textos. Resumidamente chamarei de duas linhas de pensamento, estas opiniões das quais eu tenho algumas críticas: A primeira eu chamaria de materialista (ou talvez de sensacionalista): É a redução de Jesus de Nazaré a uma pessoa comum, que tinha algumas atitudes mais próximas das pessoas comuns, não no sentido de sensibilizar-se como Marcos mostra em seus textos. A segunda é a linha esotérica (talvez ocultista), onde místicos (sejam teólogos, sacerdotes etc) realmente se aprofundam no misticismo priorizando tal tipo de leitura e interpretação dos textos. 
Discutirei basicamente a visão materialista do evangelho de Filipe (vale citar que leitores mais céticos acham que estes textos foram escritos por cristãos um ou dois séculos após a morte do apóstolo Filipe): 
Os defensores desta interpretação alegam que Jesus não foi crucificado nem morto de qualquer maneira por seus opositores (nem por fariseus nem por Poncio Pilatus nem por escribas etc). Também dizem que se ele beijava Maria Magdalena na boca como o texto indica, era porque a amava como mulher (no sentido vulgar / popular). É desta linha de pensamento que surgem os argumentos que ele teria formado família (filhos com Magdalena) e fugido para a "França", porém isto não está escrito no evangelho de Filipe (talvez esteja em outro que eu não li, como o evangelho atribuído a Magdalena). Vale lembrar que a França só viria a se formar após o Reino dos Francos, séculos depois do período em que viveu Jesus de Nazaré e seus apóstolos, então o correto seria afirmar que ele fugiu para a Gália, certamente tomada pelo Império Romano durante o século 1. 
Contra esta interpretação devo perguntar quando o texto de Felipe (ou de seja lá quem for que escreveu este evangelho) menciona que não se morre para ressuscitar, ele está automaticamente negando que Jesus foi morto por seus opositores? 
E se os textos deste evangelho não mencionassem fato algum sobre a morte de Jesus, isto significaria que Jesus escapou de seus perseguidores? Não, na verdade o texto apenas poderia deixar tal questão em aberto. 
A questão sobre este mesmo tema é: 
O termo ressurreição surge neste texto possivelmente em dois sentidos, como nos evangelhos dos 4 apóstolos aceitos nas religiões cristãs: Ele surge expressando o trazer de volta a vida (como na ressurreição de Lázaro, do filho da viúva de Naim e na do próprio Jesus) e expressando o "vir ao mundo dos vivos" / "erguer-se entre os vivos, ou seja, na vida (material)". Esta última expressão está mais de acordo com as explicações e interpretações espíritas do que com a ideia de que Jesus teria escapado dos fariseus e de outros opositores (coisa que o evangelho de Filipe não afirma em momento algum). O evangelho de Filipe então está dizendo que Jesus encarnou na Terra para realizar o que realizou (as curas, as pregações que indicam o caminho da salvação etc) - está afirmando que ele não era um mero boato, nem um farsante, nem algum tipo de truque ou um espírito desencarnado. 
Encerrando este tema sobre se Jesus de Nazaré morreu ou não por causa de seus perseguidores (fariseus etc), este parágrafo de Filipe está de acordo com os demais apóstolos: "Cristo veio para resgatar alguns, para salvar outros, para redimir outros. Ele resgatou aqueles que eram estranhos e os fez seus. E ele separou os seus, aqueles a quem deu como penhor de acordo com o seu plano. Não foi apenas quando ele apareceu que ele voluntariamente deu sua vida, mas ele voluntariamente deu sua vida desde o dia em que o mundo veio a existir."
Ou seja, a morte de Jesus na Terra é a segunda vez que ele se entrega (ou se "sacrifica") pelo bem.

 O trecho sobre Maria Magdalena, cujo parece faltar algumas palavras nos dois primeiros parágrafos, mostra os demais discípulos (o texto não cita se são todos ou alguns) indignados pelo fato de Jesus mostrar mais amor por Maria Magdalena do que por eles. Eis o terceiro parágrafo: Eles lhe disseram: "Por que você a ama mais do que todos nós?" O Salvador respondeu e disse-lhes: "Por que eu não os amo como ela? Quando um cego e um que vê estão juntos na escuridão, eles não são diferentes um do outro. Quando a luz vem, então aquele que vê, verá a luz, e o cego ficará nas trevas”
É claro, que cada pessoa pode interpretar a resposta de Jesus de um jeito particular, mas para que não vire uma discussão de meras opiniões, dando abertura para argumentos ateístas, charlatães ou até mesmo contrários aos ensinamentos do cristianismo, é importante trazer todos os diálogos de Jesus para o centro de seus ensinamentos. E o centro dos ensinamentos de Cristo é o amor a Deus e ao próximo (a todos seres humanos, pois todos são obras do Criador). Assim, é mais fácil entender que Jesus se aproximava de Maria Magdalena para salvá-la. Pois assim quando "viesse a luz", ao amar seu parceiro Jesus, Maria Magdalena já não estaria mais "cega" (não estaria mais na escuridão, termos para designar pecado, erro). Esta interpretação complementaria a passagem de João Evangelista, o único apóstolo a mencionar que quando Jesus, após sua morte, apareceu diante Magdalena, a chamou pelo nome. Este é o momento em que a "luz vem" para Maria Magdalena e os demais apóstolos têm dificuldade para crer que ela tenha visto Jesus Cristo. 
Se o evangelho de Filipe complementa o de João desta forma, então ele não pode nem mesmo insinuar que Jesus (fisicamente/ materialmente) não tenha morrido. 
Alguns podem entender a morte de Jesus crucificado como uma invenção por "X" motivos. Aqui eu mostro que o evangelho de Filipe nada diz a respeito sobre o destino final do corpo de Jesus ou de como foi sua morte, ou passagem para outra existência. 
Muitos dos textos deste evangelho tentam descrever como Jesus surgiu na Terra, porém com uma aparente limitação de linguagem, certamente como Kardec menciona em seus escritos durante o século 19: Os judeus e povos relacionados a estes na época em que Jesus viveu na Terra (século 1) não tinham uma palavra para designar a encarnação nem a reencarnação. Assim, Filipe como alguns outros profetas judeus e apóstolos de Cristo, usavam o termo "ressurreição" tanto para falar da reencarnação como para falar de ressuscitar um morto (como mencionei anteriormente sobre Lázaro e a viúva de Naim). 
Neste ponto, muitos espíritas poderiam discordar, apelando ao argumento que nenhum tipo de ressurreição existe. Eu porém, discordo deste extremismo, pois não achei tal afirmação nos textos espíritas de Kardec. Kardec fala sim que a palavra ressurreição é usada para falar da reencarnação e dá os exemplos em quais textos da bíblia eles são utilizados: Em "Jó" (escrito Job em algumas versões) e nas passagens que falam de João Batista, como sendo a reencarnação do profeta Elias. Além disto, espíritas poderiam afirmar que trazer o corpo de volta a vida não é uma ressurreição porque o períspirito permite que um médium possa realizar reanimação do corpo se este morreu dentro de um prazo aproximado de até 3 dias... Não me lembro qual espírita afirmou isto, mas não importa, aqui o assunto vira um tecnicismo que se afasta muito do essencial do cristianismo, que é a lei de amor. É muito fútil e até nocivo discutir se este possível fenômeno deve ser chamado de reanimação ou ressurreição. São estes tipos de discussão que geram cisão, clubismo e fomentam rivalidades (entre outros possíveis sentimentos ruins) baseadas em orgulhos patéticos. 
Por falar em como Jesus surgiu na Terra, o evangelho de Filipe toca em mais uma polêmica: Ele diz que Jesus não nasceu de Maria, ao menos não do jeito convencional. Ele foi concebido pelo Espírito Santo, e de acordo com os textos deste evangelho, o Espírito Santo está mais para uma entidade feminina do que para masculina. Segue o parágrafo onde entende-se tais fatos: "Alguns diziam: “Maria concebeu pelo Espírito Santo”. Eles estão em erro. Eles não sabem o que estão dizendo. Quando uma mulher concebeu de uma mulher? Maria é a virgem que nenhum poder contaminou.
Embora possa parecer fútil tal discussão, creio ser possível tirar pontos proveitosos deste texto de Filipe (ou de outro que tenha escrito isto). Proveitoso para união de diferentes religiões/ espiritualidades e convergência de diferentes textos religiosos: Ao afirmar que Maria não podia conceber do Espírito Santo, com a pergunta "Quando uma mulher concebeu de uma mulher?", Filipe aproxima-se dos textos de Mani, cujo fundou a religião judaico-cristã no século 3, conhecida como maniqueísmo. Apesar de não me aprofundar no maniqueísmo (nem sei se é possível), entendo que nesta religião o seu "profeta fundador" cita o Deus Criador, a Mãe da Vida (Espírito Vivo) e o Homem Original, de modo semelhante a uma santíssima trindade. Este argumento também se aproxima com um conceito muito bonito da obra "Cidade Mística de Deus" que diz que Deus planejou a mulher (ou o feminino) desde o início dos tempos, antes do surgimento da vida material no universo. É uma obra que mostra muitos defeitos da época (machista) em que foi escrita, e certamente da influência dos indivíduos poderosos da igreja católica e da nobreza espanhola, mas que tem alguns pontos positivos como este mencionado acima. 
Além do mais, os textos de Filipe não tiram a pureza de Maria, pois afirma que ela não foi contaminada por poder algum. Assim, Maria pode ter sido escolhida por Deus para cuidar de Jesus desde sua tenra infância. Pode ter até mesmo carregado Jesus em seu ventre... Mas é apenas isto. 
O evangelho de Tomé colabora com esta visão no seguinte trecho: "Jesus disse: Quando você vir alguém que não nasceu de mulher, prostrai-vos sobre os vossos rostos e adorai-o. Aquele é seu pai.
Porém não vou me aprofundar mais sobre o evangelho de Tomé, nem sobre possíveis interpretações místicas neste texto. 
Poder entender uma concordância entre o evangelhos de Filipe e de Tomé com os demais evangelhos e com o espiritismo (e até mesmo com o maniqueísmo), já é um bom passo para união entre espiritualistas e religiosos cristãos, ou próximos / amigáveis ao cristianismo.

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