quinta-feira, 31 de março de 2022

Reflexões sobre Rotina, Expressões e Ritmo

 

A rotina pode ser um itinerário habitual ou o hábito de fazer uma atividade sempre da mesma maneira, mecanicamente. Em suma, a rotina não tem novidades. 

O ritmo se refere a um movimento regular e periódico, a um fluxo, de qualquer processo. É uma sucessão de "tempos" (ou de fenômenos/ manifestações como sons) que alternam em intensidades (fortes, fracos etc) e em intervalos regulares. 

Imagine o nada da maneira mais tosca ou simplória possível: Tudo escuro, silencioso, nada a se perceber. Daí imagine - como surgiu tudo? Como surgiu o universo? Podemos começar pelo nosso lugar (também simplório) de ser humano mesmo: 

A Terra, todo o céu, a superfície com seus morros, vales, praias e o mar. Toda a vida, desde a vegetação passando pelos inúmeros animais até a nossa espécie humana. Então imaginemos as estrelas, a Lua e o Sol - o dia e a noite. Isso era tudo que o humano podia admirar a partir da Terra, por muitas eras - desde a idade da pedra até a revolução científica iniciada em meados do século 17. A partir daí foi possível descobrir mais coisas sobre o universo - Com a curiosidade (e humildade em admitir que não se conhece ainda) e com o estudo, vieram mais novidades; O Sol é apenas uma das estrelas da vastidão do espaço, onde cada estrela tem seu sistema com órbitas, variados planetas, satélites, asteroides, cometas etc. Os seres vivos, assim como toda matéria, é formada por partículas minúsculas que se relacionam entre si.

Muitas perguntas surgiram e ressurgiram: O ser humano começou a traçar hipóteses sobre a origem do universo, da vida, da inteligência etc. 

Talvez uma das coisas mais interessantes desta história é que o ritmo sempre esteve em tudo. 

E a rotina? Bom, a rotina esteve presente também, mas certamente se houvesse apenas ela, não haveria descobertas, sequer haveria o surgimento de coisas em qualquer processo da gênese cósmica. A rotina talvez faça parte de algo, mas jamais se refere ao amplo, às novidades ou à vastidão. 

O ritmo está nos movimentos estelares e nas órbitas planetárias. Está nos ventos da Terra, nas ondas do mar e na evolução das espécies. Nas sociedades humanas ele aparece na música, na dança e no progresso da civilização. Já a rotina aparece após a busca pela sobrevivência, ao se conquistar métodos e ferramentas em um ambiente e posteriormente aparece no trabalho, após a propagação da agricultura e da pecuária. A rotina pode aparecer em diversas atividades complementares ou supérfluas também, nas maneiras de se fazer as atividades: Qual caminho percorrer entre o trabalho e o lar, como arar a terra, como guardar, carregar e preparar alimentos, como fazer, limpar e guardar vestimentas etc. A rotina é isso - é algo inferior ao ritmo, pois serve somente às determinadas atividades e momentos. O ritmo é literalmente mais abrangente do que uma rotina. 

As descobertas sejam racionais ou emocionais, fazem parte do ritmo - Do que conduz a vida de grupos de pessoas que se relacionam, sejam eles pequenos ou grandes. O ritmo não é mecânico, não é composto por meros atos físicos como maneiras de fazer, gestos ou movimentos repetidos. Estes últimos estão mais para a rotina. 

Certamente a rotina teve sua importância e sua inocuidade ao longo da história da humanidade, porém nas primeiras décadas do século 20, isto foi mudando. A rotina deixou de ser algo inofensivo e foi sendo transformada em algo nocivo para a maioria das pessoas. Mas se a rotina é um hábito ou ação habitual, como isso aconteceu? Repentinamente a maioria dos seres humanos foi se tornando autodestrutiva? Uma pandemia de masoquismo ou de ódio a si mesmo? Nada disso: é óbvio que isto foi um imposição. Mas uma imposição de quem? Não é difícil descobrir. 

Isto ocorreu logo após a economia liberal, ou o sistema (de regras e normas) capitalista, se tornar industrial. Para entender isso, devemos recorrer a história: 

Na economia liberal, assim como no mercantilismo (e não muito diferente do escambo) determinados indivíduos trabalhavam para outros, numa busca de meios para sobreviver. Até aí, há uma troca aparentemente simples, mas o liberalismo tão defendido no século 18, na verdade defendia o direito de indivíduos enriquecidos manterem suas fortunas e adquirirem mais, sem pagar taxas ou pagando o mínimo de taxas para qualquer tipo de instituto de regulação ou governo. Além disto, apesar de existir a cruel e opressora escravidão tão difundida pelos europeus durante os séculos 15, 16, 17, 18 e 19, este período anterior às descobertas do uso da eletricidade e dos combustíveis fósseis/ vegetais, ainda não permitia tamanha exploração do ser humana que viria a ser colocada em prática no século 20 (e início do séc. 21). A industrialização após a invenção de máquinas movidas a eletricidade, a diesel etc, permitiu o aumento da produtividade, mas não só isso: Permitiu os "novos" enriquecidos a juntar mais dinheiro e comprar não só mais bens, mas comprar novos direitos também: O direito de fazer propagandas enganosas, de fazer lobby e de interferir nas leis, modificando-as em benefício de si próprios. Mas isto é um resumo, mesmo porque a existência humana não se limita a estas questões econômicas e políticas: Só contei esta história para mostrar que tais relações têm seu impacto, ao determinar rotinas aos seres humanos. 

Os períodos anteriores aos séculos mencionados aqui (do século 15 ao 20) também tiveram suas opressões e criações de rotinas: A era medieval na Europa, por exemplo, foi um período onde a espiritualidade foi institucionalizada e transformada em ferramenta de opressão. Afinal o que uma instituição que guardava fortunas, construia templos monumentais e mantinha exércitos tem em comum com os ensinamentos de seu profeta, Jesus Cristo? Nada. Assim, a espiritualidade certamente tornou-se mecânica (mera rotina) para a maioria das pessoas a partir da era medieval, quando o alto clero da igreja católica concluiu seu processo de se consolidar no poder da Europa (processo que durou aproximadamente entre os anos 330 d.C a 1000 d.C) 

Enfim, a rotina pode ser saudável quando respeita o ciclo de liberdade-responsabilidade de cada ser humano. Mas impor rotinas à maioria das pessoas, quebrando este ciclo equilibrado, é esmagar uns sobre a responsabilidade querendo dar liberdade somente a uma minoria que determina as regras da sociedade, as regras de convivência. É fomentar desilusão e cansaço em massa, ameaçando a humanidade com epidemias de transtornos psíquicos, como ansiedade e depressão. 

Se olharmos na natureza, assim como em meios místicos e religiosos (não como instituições de poder), encontramos o símbolo do desabrochar: Tais tipos de símbolos geralmente são representados na forma de estrelas, flores e árvores, como os que estão na ordem Rosacruz, no hinduísmo e nas "árvores da vida" do tengrismo, do judaísmo místico, da antiga religião viking etc. Este desabrochar significa a liberdade da vida encontrada em todo lugar - na natureza. É um movimento presente desde a expansão cósmica (Big Bang) até os dias de hoje. Desde estrelas até plantas nascem com tal movimento expansivo. A espiritualidade, o amor e as artes são expressões do ser humano representadas por este desabrochar. Obstruir tal movimento, impondo rotinas de trabalho absurdas à maioria das pessoas para favorecer uma liberdade disforme e escarnecedora de uma minoria, é uma abominação - uma afronta à natureza e ao divino. 

Liberdade e responsabilidade caminham naturalmente interconectadas, como em um ciclo mencionado anteriormente, e não segregadas: Isto pode ser entendido como ritmo e faz parte da lei de ação e reação nos processos da natureza. 

Onde eu quis chegar com essa "viagem"? Foi só uma crítica (social) às rotinas? 

Não somente isso - Ao falar de ritmo, falo de expressão também, então vale tentar dizer mais:

Não existe palavra capaz de designar o que existe além de 3 dimensões. Boa parte da simbologia do florescer na espiritualidade mencionada há pouco, se refere a isto.

Em minhas experiências espirituais boas eu me lembro da humildade em mim. Mas manter-me humilde como no momento de meus poucos êxtases é algo que me parece muito difícil enquanto estou vivendo a rotina na Terra, talvez porque as coisas boas tenham ritmo, como a música e a dança, não sendo meras rotinas. Quando falhei em transmitir a grandiosidade de Deus e de sua obra por exemplo, me cansei e neste cansaço perdi minha humildade. No êxtase fui elevado por Deus a uma experiência além da vivenciada em minha rotina típica na Terra. No cansaço após tentar expressar a importância do bem (humildade, amor, esperança...), decaí na rotina de comportamentos típicos do ser humano e estes comportamentos típicos do ser humano são frequentemente afrontosos à Deus, pois priorizam as rotinas na Terra, deixando o bem e a verdade em segundo plano. Não culpo os outros porque tenho o livre arbítrio, dado por Deus a todos nós. Mas o êxtase a que me refiro é uma experiência sublime, certamente individual e nada material como nós em nossa existência humana entendemos. Requer esquecermos todas nossas desculpas esfarrapadas de nos defendermos com argumentos humanos para nos mantermos em rotinas que deixam o bem em segundo plano. O bem que é o que se deve amar verdadeiramente. O bem expresso pela mãe que é um ser e um espaço/ lugar ao mesmo tempo, pois carrega o bebê por meses em seu ventre. O bem expresso pelos pais que enfrentam todas as dificuldades da rotina na Terra, priorizando puramente os filhos, por amor.

Não se trata de ter alguém para amar ou de ter uma companhia. Ter é possessão, é contenção. Se trata de se entregar ao bem, sem desejar recompensa alguma para si mesmo. Enfim, talvez eu tenha fracassado por tentar expressar com palavras o que se expressa com lágrimas, mas de qualquer modo eu espero que o ser humano sempre possa sorrir e chorar por alguém além de si mesmo. E que as rotinas jamais sufoquem tais coisas.

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