quarta-feira, 13 de abril de 2022

A não-espiritualidade nos meios espirituais

 

Frequentando diferentes meios religiosos e espiritualistas, percebi uma coisa comum: A predominância de opiniões distintas, mas todas de fracos interesses no progresso mental, principalmente no que se diz respeito ao sentimental (afetivo e empático) e espiritual, da humanidade. Não me refiro aos conservadores radicais, pois estes não são novidade e já falei deles em outros textos.

Entre protestantes (geralmente chamados de crentes), sejam pentecostais, presbiterianos ou outros, há um discurso dominante de superação de dificuldades e conquista na vida material. Mesmo entre os que parecem apreciar os ensinamentos de Jesus, há uma priorização da vida na Terra, em suas condições econômicas etc. 

Entre católicos, vi muitas pessoas interessadas em ajudar os mais necessitados, mas desses muitos, uma parcela significante faz a caridade esporadicamente, afinal estão ocupados em suas rotinas de trabalho, estudo etc.

Até aí "tudo bem", pois talvez não seja absurdo não haver esforços maiores para se aproximar progressivamente mais dos ensinamentos de Cristo. Nestes dois exemplos, considero que a religião cristã pode ter deixado uma abertura para os fiéis escolherem a vida de simples fiéis que continuam em suas rotinas aplicando ensinamentos de Jesus eventualmente. Porém há também uma escolha cuja a denominação APOSTÓLICA define bem: A vida de apóstolo, ou de discípulo de Jesus. Ao ler os evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João, é possível entender que esta vida é bastante severa para os padrões da atual sociedade capitalista (o que inclui todos sistemas dos séculos 18 ao 21, desde o liberalismo, passando pelo socialismo de Cuba e Coreia do Norte, pela social-democracia escandinava até o neo liberalismo tão propagado por países como os EUA). 

Os apóstolos, como pessoas mais próximas de Jesus, tinham compromissos mais urgentes que iam desde propagar os ensinamentos até operar o que se chamava de milagre (e muitos ainda chamam hoje no século 21, não há grandes problemas nisso). 

Neste ponto eu considero estranho como muitos indivíduos das religiões e filosofias que aceitam (e divulgam em certo ponto) o conceito de Médium, lidam com este. Embora a umbanda e o candomblé frequentemente lidem com médiuns, meus questionamentos estão mais voltados ao espiritismo. Se existem diversos tipos de espiritismo que priorizam um ou outro autor espírita, então me refiro principalmente aos kardecistas. 

Obviamente não fiz uma pesquisa onde entrevistei pessoas destas religiões - aqui falo apenas de meus 3 anos de vivência. O que percebi entre espíritas de visões e comportamentos bem distintos entre si foi o seguinte: Independentemente se estes espíritas que observei possuem uma opinião política mais de direita [neo(liberal)] ou de esquerda (socialista, anarquista etc), estes grupos parecem se afastar do cristianismo dos apóstolos. Na verdade se distanciam até mesmo de alguns ensinamentos de Sócrates/ Platão. 

Mediunidade - Os apóstolos de Cristo e Sócrates

Em Mateus 10 1: "E, chamando os seus doze discípulos, deu-lhes poder sobre os espíritos imundos, para os expulsarem, e para curarem toda a enfermidade e todo o mal." 

Mateus 10 8-9 "Curai os enfermos, limpai os leprosos, ressuscitai os mortos, expulsai os demônios; de graça recebestes, de graça dai. 

Não possuais ouro, nem prata, nem cobre, em vossos cintos, Nem alforges para o caminho, nem duas túnicas, nem alparcas, nem bordões; porque digno é o operário do seu alimento." 

Mateus 10 22 e Marcos 13 13: "E odiados de todos sereis por causa do meu nome; mas aquele que perseverar até ao fim, esse será salvo." 

Estas e outras passagens da bíblia deixam claro que os apóstolos eram médiuns e tinham responsabilidades por isso. Além disto o termo médium significa, ao menos em partes, que ele é um intermediário entre as pessoas da Terra e os espíritos. Oras, se o espiritismo tem como uma de suas bases o cristianismo e os médiuns espíritas são intermediários entre os espíritos, o que aconteceu para não se aproximarem do estilo de vida e da missão dos apóstolos de Jesus? Podem existir inúmeros motivos, mas há de se analisar: Se o médium é independente de qualquer centro espírita, então os motivos que o levam a se aproximar de certos tipos de espíritos e não de outros, certamente é particular dele, de suas escolhas, pensamentos, sentimentos, ideologias etc. Mas se ele participa regularmente de atividades de um determinado centro espírita, então parte de suas motivações podem estar neste ambiente. 

Claro que nem todo médium conseguirá sair curando ou fazendo outras proezas incomuns, mas o que eu percebi em minhas companhias, mais ou menos duradouras, é que há uma propagação da ideia de que o médium pode e deve ter uma vida "normal", bem adaptada ao sistema (seja econômico, social ou ambos), relegando sua mediunidade e sua espiritualidade a um segundo plano, ou a algo complementar a sua rotina. Para completar, é bom lembrar que o espiritismo ensina que nenhum médium desenvolve suas capacidades ou habilidades completamente sozinho. Daí o termo médium - porque o desenvolvimento da mediunidade se dá numa relação com o "mundo espiritual" (na falta de um nome melhor, uso este por enquanto). Então, se um espírito bom concede a mediunidade ou ajuda a desenvolver esta capacidade, porque o médium deveria escolher uma vida espiritual insignificante? Porque dedicar maior parte de seu tempo ao trabalho, à busca por renda (dinheiro) ou até mesmo, em certos casos, às rotinas mais vãs/ fúteis? Por um acaso foi um espírito leviano que ajudou o médium a desenvolver suas capacidades? Ou talvez alguma(s) pessoa(s) significante(s) na vida do médium (do centro espírita, da família, do trabalho etc), tenha influenciado seu modo de pensar e de viver? Se o médium, frequenta um centro espírita, ou grupo religioso que lida com a mediunidade, certamente o problema deveria se resolver... A menos que o lugar que o médium frequente, estimule a insignificância espiritual. Isto não é impossível, tendo em vista que nossa sociedade competitiva e consumista (e portanto materialista), deve repudiar uma vida de humildade e solidariedade. Ao longo da história das religiões e da espiritualidade, existem diversos momentos de "adaptação" de igrejas, templos e certamente centros espíritas, ao sistema capitalista que tanto pressiona a sociedade para que esta seja produtiva e consumista. Claro, que esta adaptação está mais para decadência ou corrupção, já que desvaloriza o que deveria ser seu foco: a espiritualidade, no caso, cristã. Assim, os tais centros rebaixariam a importância da humildade e da verdadeira solidariedade. Solidariedade não é só algumas esmolas ou realizar eventuais arrecadações. Amar ao próximo, a si e a Deus, não é amar alguns da família, uns amigos e um ou dois grupos de pessoas vulneráveis, ignorando grandes problemas como o aumento de desemprego, de moradores de rua, da fome e da miséria. Certamente individualmente não podemos resolver todos os problemas do mundo, sequer de um país. Mas podemos sim buscar entender a sociedade em que vivemos e, nos organizando em grupos, tentar melhorar, auxiliando os mais necessitados e cobrando justiça e equidade dos mais poderosos e dos mais ricos com mas eficácia. O que podemos fazer individualmente é justamente tentar nos aproximar do estilo de vida dos apóstolos, ou seja, de um modo apostólico de viver. A espiritualidade cristã não é separável da solidariedade, da humildade e do bem. Não se trata de autoflagelação e sim ir buscando progredir espiritualmente. Este progresso, frequentemente chamado de moral por Kardec e alguns outros intelectuais de seu tempo, é o desenvolvimento da empatia, do sentir o próximo e se colocar no lugar do outro. É também o progresso intelectual, ou seja, não só de um "conhecimento"específico que utilizamos numa carreira profissional. O progresso intelectual também se dá estudando e adquirindo conhecimento sobre a sociedade, suas relações, sua história, tudo isto vinculado à empatia. É aí que os ensinamentos de Sócrates e Platão complementam os do cristianismo / espiritismo. Sócrates afirmava que o verdadeiro conhecimento não pode deixar o bem de lado. No livro "A República" de Platão, ele cita que o mais poderoso deve servir o menos poderoso e que as artes (profissões, ofícios, conhecimentos) devem servir seus usuários. Já no livro Gorgias, do mesmo autor, Sócrates fala da importância do bem: 

"Sócrates — Decerto, referes-te aos prazeres como os de que falamos há pouco com relação ao corpo, no ato de beber e de comer: bons são os que promovem a saúde do corpo, ou a robustez, ou qualquer outra qualidade física, e maus os que produzem o contrário disso? 

Cálicles — Perfeitamente. 

Sócrates — E com as dores não se dará a mesma coisa? Umas são benéficas e outras nocivas? 

Cálicles — Como não? 

Sócrates — Sendo assim, o que devemos escolher e fomentar são os prazeres e as dores úteis? 

Cálicles — Perfeitamente. 

Sócrates — Não os prejudiciais. 

Cálicles. — É claro. 

Sócrates — Pois todos os nossos atos devem ser pautados só em vista do bem, como eu e Polo reconhecemos, se é que ainda te recordas." 

Sócrates e Platão ainda recomendam bastante moderação nos prazeres materiais, explicando que os melhores são os mais leves e sutis, ou seja, os prazeres materiais menos intensos. Estas proposições incomodaram grande parte das elites gregas daquela época (século 4 a.C.) e provavelmente ainda incomodam muita gente, hoje, no século 21. Certamente seguir os ensinamentos de Sócrates à risca, implica em um estilo de vida asceta, o que não difere muito dos ensinamentos de Jesus Cristo para seus apóstolos. 

Esse ascetismo não é testar seus limites físicos, pois requer uma fé, ou, de acordo com a psicologia, um sentido de vida. Este sentido de vida é algo de importância central para a pessoa - algo em que ela realmente acredita e/ou se devota de maneira prioritária. 

Platão revela em O Banquete que Sócrates realmente era humilde, sempre carregando o mínimo de posses possível e chegando a realizar alguns feitos que podem ser comparados em algum nível aos milagres da bíblia. 

Se quisermos lançar um olhar mais cético e/ou mais científico, o mais correto a se fazer é ver mediuns como os apóstolos de Jesus, ou até mesmo, Jesus e Sócrates, como indivíduos com um sentido de vida claro e bem definido. Este sentido de vida, de certo modo, explica o funcionamento da fé e é abordado na psicologia fenomenológica, particularmente na logoterapia como mencionei em outro(s) texto(s) meu(s). https://nea-ekklesia.blogspot.com/2021/11/os-estudos-e-as-abordagens-da-mente.html 

 Independente se a fé age "sozinha" no indivíduo (como parece ser o caso do sentido de vida descrito na logoterapia) ou por meio de seres incorpóreos ou em uma "dimensão espiritual" (como descrito pelo espiritismo), ela só traz resultados significantes se a pessoa prioriza o "objeto" de sua fé. E ela só traz bons resultados se há um grande amor (ou afeto positivo) investido nesse "objeto" da fé. A única diferença do sentido de vida da logoterapia e da fé cristã, é que esta última é especificamente voltada para algo maior: Amar a Deus é automaticamente amar a si mesmo e ao próximo. Amar o próximo é um esforço contínuo em perdoar cada vez mais, até que se ame a todos, afinal Deus é onipresente e todos são parte de sua criação. É difícil? Certamente sim, mas isso não é motivo para centros espíritas, igrejas e templos cristãos priorizarem qualquer tipo de materialismo ao invés de divulgarem ensinamentos espirituais. Não é motivo para minimizar o estilo de vida e a devoção dos apóstolos. Não é motivo para afastar espíritas, evangélicos nem católicos desta busca por uma aproximação dos apóstolos e de Jesus. E no caso dos espíritas, esta dificuldade em buscar uma vida mais mental (tanto intelectual como sentimental), não deveria jamais ignorar ou recusar os ensinamentos de Sócrates e Platão, pois ambos filósofos priorizaram tanto o conhecimento e as atividades mais racionais, como o bem, a alma e a espiritualidade. 

 Para encerrar trago um comentário de uma das obras de Kardec:

"Os grandes Espíritos encarnados são, sem contradita, individualidades poderosas, mas de ação restrita e de lenta propagação. Viesse um só dentre eles, embora fosse Elias ou Moisés, Sócrates ou Platão, revelar, nos tempos modernos, aos homens, as condições do mundo espiritual, quem provaria a veracidade das suas asserções, nesta época de ceticismo? Não o tomariam por sonhador ou utopista?" 

 Fontes:

Frankl, V. (tradução em português) Em Busca de Sentido, 1945 

Kardec A. O que é espiritismo?

Platão A República

Platão Górgias

Platão O Banquete

Bíblia Sagrada, em www.bibliaonline.com.br - Almeida Corrigida Fiel, acessada em 13/04/2022

 

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