quarta-feira, 22 de março de 2023

Deixar Ir

 

O último texto que escrevi sobre espiritualidade me pareceu um pouco severo, ou ao menos deve ter sido um tanto careta para outras pessoas. 
Então tentarei fazer uma ligeira correção e seguir em um assunto correlacionado: O problema da sexualidade na espiritualidade e na religião não se trata de certo e errado a grosso modo. Se trata de deixar ir. Parece que não, mas o tema está cercado de gostos, preferências etc. 
Tudo o que preferimos ou gostamos pode nos fazer querer ter, manter ou querer mais. Obviamente isto difere de "gosto para gosto", mas independentemente de variações, o limite que estabelecemos para nossos desejos e gostos é uma questão de desapegar, ou seja, de deixar ir. 
No texto anterior um dos temas centrais é (ou deveria ser) o prazer, por motivos óbvios, pois o ato sexual geralmente envolve prazer sensorial. Mas os seres humanos podem se apegar a muitas coisas, e algumas delas não lhes geram prazer sensorial. Entre elas estão o apego por um lugar, um objeto, uma pessoa etc. Estes apegos podem estar carregados de simbologia, ou mais precisamente, de opiniões pessoais compostas por um histórico de vida, experiências marcantes, interpretações sobre assuntos etc. 
O que líderes espirituais como Jesus de Nazaré ou pensadores como Sócrates propõem na verdade, não se trata de uma criação de normas severas - Se trata em parte, do desapego - Este desapego não é desleixo nem insensibilidade, pois tais pessoas espiritualizadas precisam se desapegar de bens materiais e de muitas experiências diretamente relacionadas a este conceito de bem-material (para maiores detalhes veja o final de minha postagem anterior: https://novotemplodauniao.blogspot.com/2023/01/a-sensualidade-e-materialista-demais.html). 
Este desapego das coisas materiais faz parte do processo de valorizar bons sentimentos (amor, esperança...) e conceitos de justiça e verdade - e isto difere muito de bens materiais, afinal ninguém come um sentimento nem toca ou cheira a justiça ou a verdade por exemplo. 
A virtude buscada e ensinada por Sócrates e a lei de amor ensinada por Jesus possuem o objetivo de propagar o bem entre o maior número de pessoas possível. Este bem não é nada difícil de entender: trata-se de piedade, equidade, solidariedade, auto controle, amizade, serenidade, humildade e busca pela verdade. Mas onde entra o desapego? Bem, o desapego está ali próximo à humildade e à serenidade, talvez vinculado ao auto controle. É saber a hora de deixar de querer e/ou ter mais prazeres, de deixar de manter privilégios, de abandonar a comodidade e assim... também trata-se de olhar para o próximo buscando compreendê-lo, de oferecer ajuda ao necessitado, de acolher, mas também de respeitar "o tempo e o espaço" do outro e de deixar as coisas ou pessoas irem quando for a hora. 
Como é um assunto que envolve sentimento, acho difícil continuar em uma explicação com pretensão técnica ou racionalista, então tentarei ilustrar com casos práticos (e emocionais): 
Quando terminei um namoro em 2017, ou mais precisamente, quando uma ex-parceira terminou comigo neste ano, eu fiquei "arrasado". Não demonstrava muito - na verdade escondia bastante crendo que ninguém poderia me ajudar, mas também mantendo sub-conscientemente uma atitude machista (aprendida no meio social) de "homem não chora". Por 3 meses fiquei em profundo sofrimento mesmo desabafando umas poucas vezes com amigos neste intervalo. Só notei uma melhora após algumas sessões de psicoterapia, onde finalmente realizei meu desabafo expressando meus sentimentos daquele namoro e de meu período de sofrimento pós término: Chorando muito na sessão de terapia. Após esta expressão de meus sentimentos eu finalmente comecei a "deixar ir". 
O 2º caso foi o da morte de minha mãe: Poucos dias após mamãe partir, meu irmão ocupou por 6 meses o quarto que pertencia a ela. Isto suprimiu (no mínimo parcialmente, mas talvez quase que totalmente) a representação da perda de minha mãe. Durante este período eu senti falta de mamãe, mas a imagem dela no quarto não sumiu do modo mais natural: Foi substituída pela presença do meu irmão naquele espaço. 
Porém quando meu irmão se mudou deixando o quarto vazio, veio o baque: Como uma perda tardia (ainda que parcial) quase resgatando (ou talvez estendendo) meu luto por mais algumas semanas. Passado este período de tristeza (aqui não importa o tempo externo que é contado com precisão em dias ou horas, mas sim o interno de minha mente - tempo este constituído de minhas memórias e meus sentimentos), eu finalmente "fui deixando ir"... mais uma vez. 
E tive que deixar ir tantas outras coisas em minha vida (pessoas, atividades, serviços, locais/ objetos etc)... Deixar ir faz parte de ser nós mesmos - indivíduos. Indivíduos que, ao buscarem o amor ou a verdade (ou ambos*), não podem impor seus desejos e preferências sobre assuntos, sobre pessoas, sobre lugares etc. Isto é viver os momentos e respeitar os momentos.... Momentos que constituem nossa psique (seja alma ou mente) - não podemos parar nossa existência em um momento nem parar outras pessoas ou objetos em nossa mente. Podemos sim nos lembrar dos bons momentos e de quem nos fez bem, respeitando-os, e isto não é de pouca importância - é o que nos dá força e esperança para seguirmos em frente. 

(*Conforme os ensinamentos de Jesus Cristo e de Platão, entendo que amor e verdade estão vinculados... Este parece um tema interessante para um outro texto.)

Leitura ecumênica de "as boas obras", "a oração" e "o amigo insistente"

Aqui continuo com os ensinamentos de Jesus, conforme os textos atribuídos a Mateus e a Lucas:  Fazer as boas obras discretamente (Mateus, Lu...