quinta-feira, 30 de novembro de 2023

Uma União... Seja Antiga ou Nova.

Um breve resumo da longa história do ecumenismo e do sincretismo religioso 

Quando estudei variadas mitologias entre os anos de 2015 e 2018, eu percebi vários elementos semelhantes entre algumas delas. Estas semelhanças variam entre quantidade e qualidade. Por exemplo, o mito grego do nascimento de Zeus e como seu pai, Cronos, tentou destruir ele e seus irmãos, é quase idêntico ao mito hitita/ hurrita (antigos reinos da Anatólia) de Tarhunt e seu pai Enlil. O mito de Enlil e seu pai Anu, deus dos céus, por sua vez, aparece nos antigos reinos da Mesopotâmia e é similar com o de Cronos e Urano, deus dos céus (Ouranos, o Caelus em Roma), contado pelos poetas gregos. Ao debruçar-me sobre as semelhanças inter religiosas do antigo politeísmo afro-eurasiático, fui descobrindo personagens e histórias semelhantes entre variadas culturas até que achei alguns vagos traços de semelhança entre judaísmo e antiga religião egípcia. 

Se ignorarmos a “visão” de Brahman como O Deus único e supremo no hinduísmo (há interpretações politeístas), o judaísmo possivelmente é a 1ª religião monoteísta da Terra, porém ao surgir entre pequenas tribos cercadas por impérios da antiguidade, a data de seu início é controversa. Numa visão religiosa hebraica/ judaica, ela certamente se inicia com Adão ou com seus filhos por volta dos anos 4000 aC ou 3900 aC. Porém numa visão mais cética baseada em evidências materiais é possível datá-la por volta de 1350 aC, aproximadamente durante o governo do faraó Akhenaton (reinado de 1353 aC a 1334 aC) no Egito. Interpretações mais reducionistas existem, mas não trato delas aqui. 

As curiosidades “inter religiosas” ou “sincréticas” me levaram a alguns caminhos: O caminho dos hermeneutas indicava que havia uma espiritualidade mediterrânea (egípcia, cananéia, judaica, mesopotâmica, hitita/ hurrita, greco-romana) que continha elementos em comum. Isto é abordado por Evêmero (~330 aC - 250 aC) e Eusébio de Cesaréia (265 - 339) - este último teria seguido a “linhagem” de estudos de Filo de Biblos e Sanconíaton. Porém estas linhas de estudo priorizam supostos rastros materiais possivelmente perdidos nos dias de hoje, e, ao traçar tal percurso, trata mais dos personagens como reis divinizados. O caminho do hermetismo (~100 - 300), ou do sincretismo religioso, vai indicar a mistura das práticas místicas e religiosas em si e mostra um elo entre judaísmo, helenismo (religiões gregas), zoroastrismo e politeísmo egípcio. Este último caminho possivelmente se ramifica através de trocas culturais e uma destas ramificações desemboca no pitagorismo. O pitagorismo em si parece ter sido centrado na misteriosa religião órfica da Grécia antiga, porém diferentemente da religião politeísta popular grega, este movimento filosófico religioso apresentava características de religiões de outras culturas (egípcia, mesopotâmica e talvez outras como a hindu, celta, iraniana etc) e aspectos mais racionais ao se aproximar da filosofia (precursora da ciência). Portanto, o pitagorismo se afastava da ritualística, dos frenesis e transes. É justamente por esta aproximação da racionalidade e do autocontrole/ consciência de si, que Platão aceita alguns elementos do pitagorismo. 

Com Platão e seu mestre, Sócrates, a questão ética, ou a questão do bem, finalmente é trazida para o centro da religiosidade e não só isso: para o centro da recém surgida filosofia ocidental. Obviamente divulgar a importância do bem, da razão, da justiça e do amor não é algo fácil: Mesmo com o espalhamento da cultura grega pelo mundo através do Império greco-macedônico de Alexandre, o Grande, as gerações de filósofos depois de Platão “fizeram reinterpretações, adaptações e ramificações” na filosofia. Apesar de revolucionar o modo ocidental de pensar, a Academia de Platão durou somente de 384 aC a 86 aC, pois foi destruída pelos exércitos romanos liderados por Susa. Este e outros fatos indicam que a filosofia fundada por Platão sofreu tentativas de silenciamento e perseguições. No século 1, durante o período “pacífico” do Império Romano (a Pax Romana) os acadêmicos (da academia de Platão) já não existiam mais e os filósofos céticos já haviam desvirtuado em algum nível a filosofia de Sócrates e Platão. Neste período surge o “médio platonismo” com filósofos tentando restaurar a originalidade da filosofia ocidental organizada por Platão, mas sem negar totalmente um sincretismo com outras filosofias. O termo platonismo me parece mais adequado para designar os “estudiosos” ou “seguidores” de Platão a partir deste momento da história. Neste período da história também aumentam a quantidade de sincretismos tanto filosóficos como religiosos e surge o cristianismo. 

O cristianismo é um conjunto de ensinamentos monoteísta, surgido no século 1, que mostra a importância verdadeira do amor. Não existiam igrejas cristãs quando Jesus de Nazaré, o Cristo, andou pela região do Levante propagando seus ensinamentos centrados no amor piedoso. Jesus não proibiu templos, mas nunca construiu um e nem ordenou a construção de templos, embora haja uma interpretação de que ele tenha dito algo deste tipo à Pedro. Jesus ensinou dentro de alguns templos judeus (sinagogas), mas nunca ensinou o judaísmo em si e passou a maior parte do tempo caminhando e auxiliando os mais necessitados e rejeitados. Não há algo errado especificamente em assistir cultos ou missas, mas a prática cristã vai muito além dos templos e igrejas: Ela é um modo de pensar, expressar e agir no mundo. Um modo centrado no amor piedoso, pois o monoteísmo ensinado por Jesus Cristo não é sinônimo de “povo escolhido”, muito menos sinônimo de separatividade. É união entre todos filhos de Deus, ou seja, entre toda a humanidade, entre toda a vida, por mais difícil que isso pareça. Isso por si só já deveria mostrar de maneira óbvia que os ensinamentos cristãos não foram difundidos para se formar grupos fechados: Os cristãos devem se pautar por semelhanças e por igualdade entre as religiões, as espiritualidades e as filosofias, pois as diferenças só deveriam ser causa de afastamento quando entrassem em contradição clara contra os ensinamentos de Cristo, ou seja, contra o amor, a piedade, a solidariedade e a humildade. Os ensinamentos de Cristo têm esse claro viés ecumênico: Jesus busca harmonia mesmo com aqueles que têm cultura e modos diferentes dos seus. O cristianismo e o ecumenismo exigem amor e equidade. 

Uma busca pela visão ecumênica do cristianismo

O amor então é o centro dos ensinamentos de Jesus Cristo, sendo a dádiva e a virtude mais preciosa que Deus deu aos seres humanos. 

Por volta dos séculos 1 e 2, após a morte de Jesus, são feitos os escritos essenciais do cristianismo e começam a surgir algumas divergências no que se refere a diversos detalhes da doutrina, assim começa a se formar o que entende-se por religiões (cristãs, neste caso). Estas divergências certamente ocorreram pela influência de outras doutrinas religiosas, outras filosofias e outras culturas espiritualistas, conforme pessoas de diferentes regiões se interessavam pelo cristianismo e entendiam verdades em seus ensinamentos. Porém neste período o cristianismo era pouco ou nada aceito entre pessoas em posição de poder social e/ ou econômico. 

O cristianismo só começou a ser institucionalizado na forma de igrejas de maneira significativa no século 4, ou seja, cerca de 3 séculos após a morte de Jesus, quando os imperadores romanos começaram a mostrar determinados interesses na doutrina, obscurecendo a importância do tema central cristão: O amor. 

 O evangelho contado pelos apóstolos Mateus, Marcos, Lucas e João é considerado o centro dos ensinamentos de Jesus Cristo, conforme as religiões cristãs, e diversas foram suas interpretações ao longo da história. 

Os evangelhos de Tomé e de Filipe têm alguns temas mais místicos, outros mais reveladores e alguns mais controversos, em relação ao evangelho aceito dos 4 apóstolos nas religiões. Embora o de Tomé tenha várias semelhanças com os evangelhos de Lucas, Marcos e Mateus, o texto atribuído a Filipe é notoriamente de uma época posterior aos apóstolos que viveram com Jesus. 

As explicações que darei nos próximos textos sobre o cristianismo e o ecumenismo levam em consideração a atenção especial que Jesus deu à vida na Terra. Esta atenção foi voltada principalmente aos mais necessitados, que mal tinham o básico para viver: cegos, surdos, leprosos, desabrigados, famintos, crianças, mulheres, prostitutas e outras pessoas vulneráveis. Estas pessoas eram muitas, pois o sistema social e econômico, não muito diferente dos dias atuais, era cheio de injustiças e iniquidade durante a época do Império Romano em que Jesus andou pela Terra. Este sistema injusto, inútil para a maioria das pessoas que eram pobres, está ligado às críticas que Jesus faz aos ricos, aos líderes religiosos e ao dinheiro. 

Além disto, um tema tão importante quanto este é a vida espiritual tratada por Jesus: Jesus menciona em diversas passagens a importância de se fazer o bem, não apenas para propagar o amor e a equidade na Terra, mas também para que as pessoas (suas almas, ou espíritos) pudessem alcançar o reino dos céus, ou, uma das moradas de Cristo. A prática e a teoria do cristianismo tem coerência entre si: Não faz sentido alegar ser cristão e não pôr em prática o amor piedoso. Este amor pede atitude solidária com as pessoas. Além disto, não adianta realizar ajuda material a alguns indivíduos ou grupos e pensar de modo egoísta ou planejar atos nocivos contra outros. 

Eu abordarei passagens da bíblia, particularmente os ensinamentos de Jesus Cristo, seguidos por observações que podem ter influência de diversas “espiritualidades”, sejam elas filosofias ou teologias. Alguns exemplos são: O platonismo, o espiritismo de Allan Kardec, a Kriya Yoga e a teologia da libertação. 

O “platonismo” é a raiz e o cerne da filosofia de todo ocidente (basicamente Europa e América após a colonização). Surgida na Grécia clássica (do século 4 antes de Cristo) a filosofia desenvolvida por Platão é baseada nos ensinamentos e diálogos de Sócrates, mas com influência de alguns filósofos anteriores, como Anaxágoras, Parmênides e Pitágoras. Como mencionei anteriormente, a filosofia platônica incita a busca pela sabedoria e pela verdade, que naturalmente deve levar ao que é bom, belo e justo. 

O espiritismo baseia-se nos textos do pedagogo e tradutor francês, Hippolyte Léon Denizard (Allan Kardec), que buscou aproximar o cristianismo à ciência, passando inevitavelmente por questões filosóficas. Ao trazer o tema da reencarnação, o espiritismo, surgido no século 19, explica muitos conceitos espirituais, também se aproximando de várias religiões, muitas delas já extintas: A religião órfica grega, o druidismo dos celtas, vertentes do hinduísmo etc. Apesar da centralidade no cristianismo, Kardec diz que o espiritismo aceita pessoas de todos os credos, ou seja, de todas as religiões, provando ser um movimento filosófico espiritualista ecumênico. 

É importante lembrar que na época em que o espiritismo foi fundado, os evangelhos de Tomé e de Filipe estavam ocultos (nas cavernas de Nag Hammadi - Egito) há séculos. Estes 2 evangelhos só vieram a público após o ano de 1945. 

A Kriya Yoga é um dos vários tipos de yoga do Sanatana Dharma (hinduísmo) que mantém o universalismo desta espiritualidade. Kri-ya significa ação divina, ou agir com Deus e Yoga é principalmente traduzido como união ou disciplina - assim, uma possível tradução é união com Deus pela ação. Esta ação se dá por técnicas psicofisiológicas, como o controle da respiração e a meditação (perceber as próprias atividades mentais e o aquietamento da mente). Tais técnicas geralmente levam-se anos para serem dominadas e são importantes para o “kriya yogi” adquirir controle de sua mente sensorial e seu intelecto, banindo o desejo, a ira e o medo, para então atingir a consciência de Deus. Ainda que possa parecer indiferente ao meio, o método da Kriya Yoga propõe libertar a alma da prisão do ego ao “respirar o ar profundo” da onipresença. 

O guru Babaji, no século 19, restaurou e propagou esta yoga que une as práticas de outros 4 tipos de yoga. Seu discípulo Lahiri Mahasaya difunde a Kriya na Índia estimulando o viver com simplicidade, o pensar com elevação e a fraternidade universal, enquanto os seus sucessores Yukteswar, Yogananda e Hariharananda, revelam a unidade básica entre os ensinamentos de Jesus Cristo e os de Bhagavan Krishna, preconizando a compreensão cultural e espiritual entre ocidente e oriente. 

Por fim, a teologia da libertação, é um movimento cristão surgido por volta de 1970 na América Latina e faz um resgate da importância da prática dos ensinamentos de Jesus: A solidariedade para com os mais vulneráveis e para com os necessitados e uma busca por equidade entre os seres humanos. 

Há diferenças entre todos esses caminhos? Sim, mas ao invés de priorizar diferenças, o mais importante é buscar as semelhanças que indicam coerência entre as religiões e espiritualidades. Tais semelhanças evitam conflitos e permitem uma união, ainda que naturalmente essa união ocorra de maneira gradual ou lenta.

Leitura ecumênica de "as boas obras", "a oração" e "o amigo insistente"

Aqui continuo com os ensinamentos de Jesus, conforme os textos atribuídos a Mateus e a Lucas:  Fazer as boas obras discretamente (Mateus, Lu...