segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

Leitura Ecumência sobre o início da missão de Jesus

As passagens a seguir não estão rigorosamente na sequência apresentada na bíblia, mesmo porque não parece haver consenso sobre uma possível ordem cronológica de todos os fatos da história de Jesus. Esta é só uma vaga tentativa de reinterpretar uma ordem cronológica dos fatos, mas priorizando a espiritualidade, ou seja, os ensinamentos de Cristo. Aqui utilizo passagens dos evangelhos atribuídos a Filipe e a Tomé para complementar os textos de João Evangelista.

Legendas: João em Amarelo, Mateus em Azul, Lucas em vermelho, outros em preto;

Início da pregação/ Encontro com Os primeiros apóstolos (João 1: 35-39) 

No dia seguinte João (Batista) estava outra vez ali, e dois dos seus discípulos; 

E, vendo passar a Jesus, disse: Eis aqui o Cordeiro de Deus. 

E os dois discípulos ouviram-no dizer isto, e seguiram a Jesus. 

E Jesus, voltando-se e vendo que eles o seguiam, disse-lhes: Que buscais? E eles disseram: Rabi (que, traduzido, quer dizer Mestre), onde moras? 

Ele lhes disse: Vinde, e vede. Foram, e viram onde morava, e ficaram com ele aquele dia; e era já quase a hora décima."

Há algumas diferenças entre a versão de João e a dos demais apóstolos, no que se refere aos intervalos de tempo entre o encontro de Jesus com os apóstolos e a prisão de João Batista. 

Só é mencionado que André era um dos 2 apóstolos de João Batista que passou a seguir Jesus. Como Simão (Pedro) não estava junto de André neste primeiro momento, o outro apóstolo então poderia ser Tomé, Tiago, filho de Halfay (Alfeu), Simão, o zelote (cananita), Judas Tadeu ou Judas Iscariotes. Isto porque fica claro que Jesus encontraria João (Evangelista), Tiago (filhos de Zebedeu) e Mateus somente depois de André e Simão (Pedro) começarem a seguir Jesus. Mas estes detalhes pouco importam diante a mensagem de Jesus:

O valor da alma e do corpo (Tomé, Filipe) 

"Jesus disse: "Se a carne veio a existir por causa do espírito, é uma maravilha. Mas se o espírito veio a existir por causa do corpo, é uma maravilha das maravilhas. Na verdade, estou espantado com a forma como esta grande riqueza fez sua casa nesta pobreza." 

Ninguém vai esconder um grande objeto valioso em algo grande, mas muitas vezes alguém jogou incontáveis ​​milhares em algo que vale um centavo. Compare a alma. É uma coisa preciosa e veio a estar em um corpo desprezível."

Embora não sejam aceitos nas igrejas (católica, protestante...), os evangelhos de Tomé e Felipe podem trazer algo útil, colaborando com os ensinamentos de Cristo. O importante é não contradizer a lei (divina) de amor propagada por Jesus, pois a maioria dos dogmas das igrejas são interpretações posteriores aos evangelhos e as pessoas podem ou não seguí-los.

A palavra espírito no texto de Tomé aparece em letras minúsculas, indicando que ele deveria se referir à alma, pois se fosse precedido pelo pronome “o” e escrito com as iniciais maiúsculas deveria significar Espírito Santo. 

Assim, estas citações de Felipe e Tomé mostram como a alma é mais valiosa do que o corpo, também em acordo com Santa Tereza D’Ávila que afirma que a alma foi feita à semelhança de Deus. Platão, o espiritismo e o hinduísmo não diferem de Tomé, Felipe ou Tereza neste ponto: O corpo é importante, mas a alma é mais. Qualquer religião, fé ou espiritualidade deveria entender isto, sem temer parecer fantasiosa ou absurda, mesmo porque é impossível provar a inexistência da alma: Quem defende tal ideia, o faz por opinião, pois quem crê que só a matéria existe ou que nada existe após a morte se apoia em mera interpretação/ visão de mundo. Saber algum, seja científico ou filosófico tem como finalidade provar a inexistência de algo. Assim, analisemos brevemente a importância da alma e sua relação com o corpo:

O espiritismo, bem como a filosofia ocidental fundada por Platão, reforçam bastante este entendimento, pois de acordo com estas filosofias a alma é indivisível e imortal. Por esta razão podemos evoluir intelectualmente, sentimentalmente e moralmente (eticamente) através de um número qualquer de existências/ reencarnações. A carne, ou seja, o corpo material / terrestre morre dentro de um período de tempo, mas o espírito prossegue em sua jornada em busca do bem maior, do Todo, de Deus. 

Quando Filipe compara o corpo com algo que vale um centavo e o chama de desprezível, não se trata de desprezar a vida e sim, de não querer mais do que o necessário para si mesmo durante a vida corpórea em sua existência sensorial. O corpo é temporário e não levamos bem material algum com nossa alma que pode e deve transcender para além da vida terrestre. 

A mente do ser humano é alguma coisa, e embora não possa ser percebida por nossos 5 sentidos, é algo coeso: não se trata de meros pensamentos desconexos ou sentimentos aleatórios, pois tem uma consciência e uma identidade com valores individuais, opiniões, modos de expressar-se, memórias, intuições e capacidades. Tudo isto forma nossa essência, nossa psiquê (mente ou alma) que certamente é mais complexa do que as demais formas de vida da Terra. Esta complexidade deve fazer parte da riqueza cuja Tomé indica que Jesus mencionou. Embora a diferença entre mente e alma não seja clara no cristianismo e no platonismo, essa mente voltada a toda a diversidade na Terra possivelmente é uma parcela de nossa essência (a alma, que de acordo com o hinduísmo e suas variadas práticas, é mais completa, superior à mente). Nossa essência, ou alma, tem um potencial literalmente transcendente, tanto no sentido de se importar com outras pessoas/ almas, como no sentido de existir além da inatividade do corpo (sono, experiências de quase morte etc) e da morte deste. 

A Bodas de Caná (João 2: 1-11) 

"E, ao terceiro dia, fizeram-se umas bodas em Caná da Galiléia; e estava ali a mãe de Jesus. E foi também convidado Jesus e os seus discípulos para as bodas. 

E, faltando vinho, a mãe de Jesus lhe disse: Não têm vinho. 

Respondeu-lhe Jesus: Mulher, isto compete a nós? (ou: que tenho eu contigo?) Ainda não é chegada a minha hora. 

Então sua mãe disse aos serventes: Fazei tudo quanto ele vos disser. 

E estavam ali postas seis talhas de pedra, para as purificações dos judeus, e em cada uma cabiam dois ou três almudes (medida com cerca de 40 litros cada). 

Disse-lhes Jesus: Enchei de água essas talhas. E encheram-nas até em cima. 

Então disse-lhes: Tirai agora, e levai ao mestre-sala. E levaram. 

Logo que o mestre-sala provou a água feita vinho (não sabendo de onde viera, se bem que o sabiam os serventes que tinham tirado a água), chamou o mestre-sala ao esposo, e disse-lhe: Todo o homem põe primeiro o vinho bom e, quando já têm bebido bem, então o inferior; mas tu guardaste até agora o bom vinho. 

Jesus principiou assim os seus sinais em Caná da Galiléia, e manifestou a sua glória; e os seus discípulos creram nele. 

Depois disto desceu a Cafarnaum, ele, e sua mãe, e seus irmãos, e seus discípulos; e ficaram ali não muitos dias."

É possível levantar algumas questões sobre esta passagem, sendo a primeira delas, referente à cronologia: Se este foi o primeiro milagre feito por Jesus, então teria sido realizado antes do encontro com Pedro, quando é realizado o milagre da pesca. Descartando a interpretação feita por alguns religiosos de que os evangelhos de Lucas e de João foram escritos pela mesma pessoa, possivelmente o apóstolo João (Evangelista) teve maior preocupação em narrar os fatos em ordem cronológica se comparado a Lucas. O apóstolo Lucas certamente se empenhou mais em reunir os textos resgatando passagens perdidas ou omitidas anos depois dos primeiros apóstolos de Jesus. 

Outra questão referente à história das Bodas de Caná é: Jesus inicialmente não tinha a intenção de transformar a água em vinho, mas mudou de ideia? De fato, a falta de vinho nesta história talvez não fosse relevante e por isto ele teria dito à sua mãe que "ainda não era sua hora". Porém, reconsiderando após Maria falar para os outros "fazerem tudo que ele disser", Jesus realizou o milagre para mostrar o poder da fé, iniciando sua missão. Talvez haja um significado místico neste texto do apóstolo João, mas não tratarei disto. 

Enfim, os milagres, são classificados como feitos da mediunidade pelo espiritismo: Todo ser humano é um médium em algum nível, mesmo que não saiba disto, pois ser médium nada mais é do que ser intermediário entre o universo sensorial (corpóreo ou tridimensional) e o "mundo" espiritual - a realidade dos espíritos em "erraticidade", "desencarnados" ou incorpóreos. De modo similar ao espiritismo, a Kriya Yoga, explica que todos os acontecimentos do universo ocorrem segundo leis e são explicáveis através de leis. Assim, nada realmente poderia ser chamado de milagre, a menos que tudo fosse considerado um milagre. Enfim, tentativas de detalhar ou de investigar mais racionalmente os "milagres", os poderes dos grandes mestres/ profetas, ou a mediunidade, são de menor importância se comparados com os objetivos dos textos dos apóstolos: Transmitir os ensinamentos de Jesus Cristo, que por sua vez mostram a importância do perdão, da humildade e da solidariedade, ou seja, a importância do bem. 

A cegueira do coração e o arrependimento (Mateus, Marcos, Lucas, Tomé) 

Jesus disse: "Tomei o meu lugar no meio do mundo, e Apareci para eles em carne e osso. Encontrei todos embriagados (intoxicados); Não encontrei nenhum deles com sede. E minha alma se afligiu pelos filhos dos homens, porque são cegos de coração e não tem visão; pois vazios eles vieram ao mundo, e vazios também eles procuram deixar o mundo. Mas por enquanto estão embriagados. Quando eles sacudirem o vinho, então eles arrependerão-se." 

"E, deixando Nazaré, Jesus, ouvindo que João (Batista) estava preso, foi habitar em Cafarnaum, cidade marítima, nos confins de Zebulom e Naftali; Para que se cumprisse o que foi dito pelo profeta Isaías, que diz: A terra de Zebulom, e a terra de Naftali, Junto ao caminho do mar, além do Jordão, A Galiléia das nações; Na (região da) Galiléia cheio da força (virtude) do espírito, pregava o evangelho do reino de Deus dizendo: Arrependei-vos e crede no evangelho porque o tempo está cumprido, e o reino de Deus (dos céus) está próximo. O povo, que estava assentado em trevas, Viu uma grande luz; aos que estavam assentados na região e sombra da morte, A luz raiou.

  Com os termos embriagados/ intoxicados, cegos de coração e vazios, Jesus certamente se refere à falta de amor no mundo em variados aspectos: Falta de humildade, falta de receptividade, falta de amizade, falta de devoção ao próximo e a Deus, falta de esperança etc. "Sacudir o vinho" possivelmente se refere a inquietar-se interiormente, na alma, abandonando o egoísmo para passar a buscar um sentido, uma espiritualidade, um amor, ou o divino. O vinho como uma bebida colocada dentro de um recipiente, seja um odre (um tipo de cantil) ou uma talha (um vaso ou "barril" de pedra), representaria o interior do ser humano, seus sentimentos, sua alma.

O trecho de Mateus, onde ele menciona que a luz raiou para aqueles sentados na escuridão, pode se referir aos pecadores arrependidos após ouvir os ensinamentos de Cristo, ou talvez se refira aos espíritos salvos por Jesus. Este arrependimento não é mera vergonha nem medo de uma força superior ou de Deus - trata-se de buscar sentir, ser sensível, pois todos temos a noção do bem e do mal, do que é certo e do que é errado. Quanto menos utilizamos esta noção, mais difícil colocá-la em prática, mas se refletirmos sobre nossos pensamentos, sentimentos e ações, esta noção pode ir se desenvolvendo ou ressurgindo. Assim podemos sentir o mal que fizemos às outras pessoas, colocando-nos no lugar delas e sentindo seus sofrimentos para desenvolver empatia e entendimento da importância da equidade. Isto é olhar os próprios defeitos e erros para corrigi-los abandonando vícios e atitudes nocivas às outras pessoas e a si mesmo. De todo modo, o arrependimento é um ato interior, ninguém precisa expressá-lo com palavras ou gestos - é um ato puramente mental, psíquico, subjetivo e não se trata de uma opinião superficial: O arrependimento é um “sentimento” que só a própria pessoa sabe se sentiu e ela não pode esconder isto de si mesma. Arrepender-se de maus atos, seja um vício, uma ação nociva à outrem ou pensamentos de desprezo ou ódio sobre outras pessoas, é a 1ª etapa para abandonar a postura de prejudicar a si mesmo ou aos demais indivíduos/ ou grupos de pessoas. Faz parte de buscar um novo sentido de vida e também é um passo para o progresso da própria alma.

 

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