domingo, 6 de abril de 2025

As relações das religiões com a sociedade, a ciência e a filosofia no ocidente;

Este texto traz a importância da filosofia para além da construção de conhecimento: Traz a questão do diálogo e da espiritualidade do ser humano.
Meses atrás escrevi sobre como a proposta da filosofia de Platão era baseada no seguinte eixo: assumir a própria ignorância antes de qualquer investigação; praticar o diálogo equitativo a partir dessa presunção da própria ignorância e buscar a melhoria das coisas que são - a interação dos valores universais, a psiquê humana e a sociedade; Mas porque a necessidade da presunção da ignorância? Isso não traria o risco de aceitar qualquer absurdo para a construção de conhecimento e para a sociedade? Não seria melhor um pressuposto "palpável"? 

... Bom, vejamos pelo lado contrário então: Quais os benefícios de iniciar qualquer diálogo ou estudo, assumindo uma pré-suposição (teoricamente) mais palpável do que a própria ignorância sobre um tema desconhecido ou a ser investigado? Um pressuposto é uma pré-suposição... Como seria essa pré-suposição e qual sua finalidade?

Conheço 2 tipos de resposta que ouvi por aí de duas classes geralmente diferentes entre si: A resposta típica de cientistas, e a típica de religiosos.
Alguns dos cientistas que vi abordar este assunto, ao longo de minha vida, deram o seguinte tipo de resposta: O pressuposto é um ponto de partida básico e necessário de qualquer investigação ou estudo. Ele tem que existir, para que não se inicie um estudo "do nada".
Particularmente achei esta resposta insuficiente: Primeiramente afirmar que "tem que existir" uma pré suposição para se estudar algo não é uma resposta bem embasada. "Tem que ser" de um jeito "x" ou "y" me parece um mero autoritarismo. Mas entendo que o professor universitário que respondeu meus questionamentos desta forma em uma aula de psicologia, temia que iniciar um estudo supostamente "do nada", parecesse algo frouxo ou inseguro... Mas se "nada" não existe (se existisse, deixaria de ser nada), o que esse professor quis dizer? Que a ciência é algo contínuo? Que é preciso uma análise dos pares? É claro que há continuidade na ciência e também é importante que haja análise de pares, senão a ciência seria mera experiência particular sem diálogo ou seria mera opinião. 

Porém a questão aqui é outra: investiga-se o que é desconhecido ou não? Se há algo a ser investigado é porque é totalmente ou, ao  menos, parcialmente desconhecido - Porém ser parcialmente desconhecido inclui a possibilidade de checar o que se sabe sobre tal assunto... Se é verdadeiro ou não; se está certo ou errado, enviesado, incompleto etc. Aí já teríamos um problema: tal discussão seria uma mera disputa de narrativa ou de opiniões se não se pautasse por algo maior - algo bom para todos ou que servisse a todos... como valores universais. Isto não se trata de indivíduos fazerem julgamento moral uns dos outros nem de valores individuais - valores universais é "tema" da ética e ética é necessária em toda construção de conhecimento no ocidente desde o primeiro corpo de obra registrado da filosofia ocidental. O que o professor, como outros cientistas comumente fazem é apelar para a evidência material e para reprodutibilidade da investigação a qual muitos chamam de "mensurabilidade". Isso constitui o método de investigação (empírico) de pré suposição materialista (e niilista como citei em outros textos). Porém esta apelação à evidência sensorial/ reprodutibilidade, além de deixar os valores universais (ética) em segundo plano, é altamente discutível na psicologia, principalmente na área da  psicoterapia que lida com questões internas do paciente, como já expliquei em outros textos: https://amorpelosabersaberamar.blogspot.com/2025/04/aspectos-psiquicos-da-saude-mental-e.html e https://nea-ekklesia.blogspot.com/2024/06/por-que-substituir-o-reducionismo-e-o.html

Neste ponto vale lembrar que a ciência nasceu da filosofia e ambas por variadas razões envolviam raciocínios e discussões complexas, inacessíveis para a maioria das pessoas; Se a filosofia nunca foi algo das massas, a ciência não é diferente: a investigação científica qualquer que seja, requer estudo, análise, dedicação etc.
E o segundo tipo de resposta, a religiosa, vem de uma classe que lida com as multidões e coletivos de pessoas há muitos anos, para não dizer muitos séculos... A classe religiosa (pastores, sacerdotes etc) geralmente não usa o termo "pressuposto", mas usa os termos dogma ou "lei de Deus"... Ela se apoia não só no argumento que Deus fez todas as coisas, pois isso seria bem leve e daria abertura para variadas interpretações do que se fazer com a criação de Deus. As religiões como (infelizmente) a maior parte da ciência nega a presunção da ignorância porque é um modelo fechado de visão de mundo. Enquanto a ciência parte do pressuposto reducionista de que só há a matéria perceptível ou visões parecidas com esta, a religião contraditoriamente tem uma cosmovisão mais ampla que aceita uma realidade espiritual para além da material, mas impõem uma série de regras sobre toda e qualquer realidade, seja ela material ou espiritual. 
As religiões "cristãs" por exemplo, se apoiam em argumentos estabelecidos como verdade inquestionável nos concílios da igreja, feitos no passado, entre a antiguidade e a era medieval. Além disto, algumas igrejas cristãs modernas, muito influentes com milhares de seguidores, fazem interpretações particulares dos textos da bíblia. Os argumentos dos concílios da igreja e as reinterpretações neopentecostais, são pré suposições de seus líderes, impostas sobre todos os fiéis. Não há presunção da ignorância nas maiores igrejas cristãs do mundo, assim como não há na ciência tradicional. Não há cosmovisão aberta nestas igrejas, porque elas criaram uma série de regras que contradizem isto e não há cosmovisão aberta na ciência porque ela se fechou em sua própria visão biologista que dificulta o estudo transdisciplinar principalmente das "ciências humanas" e sua intersecção com a filosofia.

Porém a ciência só adquiriu uma posição de poder na história da humanidade em algumas nações do hemisfério norte e em determinados períodos (também cito tais fatos em outros textos como este: https://amorpelosabersaberamar.blogspot.com/2025/03/apos-o-surto-evangelico-o-retorno-do.html). A realidade do Brasil é outra: Um país predominantemente religioso desde sua fundação, o Brasil nunca teve proeminência da ciência, mesmo porque tal proeminência geralmente torna-se uma posição de poder nas civilizações humanas e quem busca grandes poderes raramente assume a responsabilidade equivalente. E qualquer poder que não tenha a ética como finalidade, ou seja, que não tenha compromisso com a sociedade/ a humanidade, é corrupto e danoso.

Voltando às religiões em si, elas não exigem o esforço racional e observacional que a ciência exige, muito menos o esforço psíquico reflexivo e ético que a filosofia exige - certamente por isso elas atraem mais pessoas do que estas outras duas áreas. Note que as religiões as quais me refiro não são necessariamente espiritualidade. Na verdade, na maioria das vezes estas religiões negam a prática da espiritualidade! Explico:
Consideremos que as duas maiores religiões do Brasil sejam cristãs: o catolicismo e o protestantismo (talvez o nome mais adequado seja neopentecostalismo ou evangelismo...) Estas religiões estão cheio de pré-suposições que nada mais são do que os "famosos" dogmas. Estes dogmas são regras de como se portar não só na igreja, mas em vida. Porém desde os concílios da igreja há séculos atrás, estes dogmas impostos criam mais regras requerendo obediência aos líderes religiosos do que regras para o convívio saudável fisicamente e psicoemocionalmente entre as pessoas, famílias e instituições. Só este fato já contradiz maior parte dos ensinamentos os quais as religiões e os religiosos explicam ser de Deus e/ ou de seus profetas. 
A negação religiosa da presunção da ignorância então é óbvia: É a criação de dogmas e/ ou regras para manter a obediência de um número cada vez maior de pessoas com a finalidade de adquirir e manter poder e riquezas; Nega-se então as etapas seguintes também propostas pela filosofia fundada por Platão: o diálogo equitativo e reflexivo e a busca por melhoria de todas as coisas/ a busca pelos valores universais e a prática disto. Estas religiões então negam a ética que visa o bem coletivo, do ser humano e sua(s) sociedade(s). As igrejas protestantes e seus líderes por exemplo atacam não só religiões de matriz africana (umbanda, candomblé...), mas também atacam tudo que difere de seu corpo fechado de pressupostos/ dogmas, como o espiritismo, as "religiões" indígenas, a espiritualidade independente, o diálogo inter-religioso etc. 
Eis porque nem a ciência, muito menos o cientificismo, combatem efetivamente estas religiões: Primeiro que há semelhança entre os dois meios, pois ambos são centrados em suas respectivas regras (sejam pressupostos, paradigmas ou dogmas) se pautando por valores individuais ao invés de assumir a própria ignorância, praticar o diálogo e valores universais. Ambos também atacam de maneiras diferentes a espiritualidade, seja a afrodescendente, a indígena ou a independente. A ciência "mainstream" (tradicional) despreza e/ ou ridiculariza não só as religiões, mas a espiritualidade em geral e às vezes chega ao ponto de considerar a filosofia como um tipo de espiritualidade ou misticismo, jogando-a na  mesma vala das religiões etc. 
Já as religiões fundamentalistas como as maiores igrejas neopentecostais negam a ciência e demonizam outras religiões e práticas espirituais. Como exemplo disto temos um livro onde o famoso líder da Igreja Universal do Reino de Deus, acusa descaradamente o espiritismo e as religiões afrodescendentes de serem dominadas por "demônios"... Um atentado à liberdade de culto feito às abertas e comercializado normalmente em nosso país. 
É possível concluir que a ciência reducionista bem como as piores religiões atacam a espiritualidade e ignoram ou desprezam a filosofia... 
Em relação à ciência eu já apontei que ela precisa estar aliada à filosofia que usa do diálogo e da ética para propagar progresso humano. Assim, a ciência não deve desenvolver somente a indústria e a tecnologia! Progresso requer debate ético e desenvolvimento ético dos indivíduos. Requer educação que considere TODAS esferas humanas: biológica, psicológica, social/ cultural e existencial/ espiritual. 
E como as religiões opressoras e mentirosas poderiam ser benéficas para o povo se elas pregam a desesperança de forma similar ao cientificismo materialista/ niilista? 
Quando estas religiões corruptas não estão defendendo o enriquecimento e as posses de seus líderes, elas estão pregando segregação basicamente pautada em sentimentos ruins: Pregam a intolerância para que seus fiéis permaneçam "ungidos" na igreja e desprezem todos que não pertençam a sua respectiva religião ou pregam o medo em seus fiéis, pois caso estes pequem, serão condenados eternamente ao "inferno". 
Vejamos o dogma da punição eterna nas igrejas: o pecador que não se arrependeu na vida supostamente é condenado eternamente ao sofrimento/ inferno. Isso contradiz o Deus explicado por Jesus que fala: "O Pai a ninguém julga" (em João 5; 22-26) "E todos serão ensinados por Deus" (João 6; 45). Oras, se todos serão ensinados por Deus, o julgamento ou punição é temporário, pois serve para que a alma aprenda a ser piedosa e humilde como Jesus! Um dos vários autores do cristianismo "primitivo" propôs a ideia de apocatástase em contra partida ao Apocalipse - neste estágio da existência todas almas se uniriam com Deus. Porém este argumento de Orígenes foi recusado arbitrariamente enquanto outros argumentos de autores da mesma época (séculos 1 a 3) foram aceitos na igreja mesmo não mencionados por Jesus e seus apóstolos. Este é um dos pontos fracos da teologia das igrejas católicas e protestantes: a punição eterna é um argumento que inspira medo e desesperança! Um argumento que facilita a ideias de clube e segregação - "nós e eles". Tal ideia é refutável com a explicação da reencarnação citada no próprio evangelho em João 3; 3-9 (diálogo de Jesus com Nicodemos) e da sobrevivência da alma além do corpo em Mateus 12; 43-45 (o sinal de Jonas). 
A segregação das igrejas em relação às religiões diferentes e ao ateísmo é feita com seus líderes ditando aos fiéis quando se pode expressar sentimentos e quais destas expressões/ emoções são permitidas. A atual "moda" de ungir fiéis nada mais é do que um meio de manter seu público fiel, alienando-o da realidade a sua volta; Assim as igrejas insinuam que os fiéis podem fazer qualquer coisa contanto que vão receber a unção: Eles podem difamar, agredir ou enganar qualquer um que não seja da igreja, porque estará "ungido" (protegido)... pelas mentiras dos pastores. A opressão destas religiões é principalmente voltada para aqueles que não participam de seus eventos e cultos, pois veladamente incitam a violência e o conflito entre seus fiéis e os "não ungidos". As mentiras destas igrejas são obviamente antiéticas porque fomentam a estagnação do ser humano na ignorância em relação a todos seus aspectos: biológico, psíquico, social, cultural, existencial e espiritual!
A espiritualidade por sua vez requer desenvolvimento humano com respeito aos sentimentos, às emoções e respeito ao convívio em sociedade. 
E como é a sociedade deste país enorme chamado Brasil? 
O Brasil não é a Inglaterra, a Alemanha ou os Estados Unidos. É um país multi-étnico, pluricultural,  onde duas de suas maiorias étnicas foram historicamente oprimidas e quase exterminadas: os indígenas e os afrodescendentes. É um país onde as massas de pessoas buscam uma espiritualidade, seja uma igreja (as religiões mais comuns ao longo da história), um terreiro, um centro espírita ou um caminho mais independente. É um país onde durante muitos anos a prática religiosa ou espiritual era presente na vida das pessoas, seja com cultos aos santos, com festas religiosas, simpatias, rezas, remédios que misturavam a fé das pessoas com algum conhecimento sobre ervas medicinais etc. São essas coisas que devem ser atacadas na esfera religiosa/ espiritual? Ou elas já foram atacadas ao longo de nossa história, tanto por cientificistas como por religiosos fundamentalistas? Não parece que o problema sejam estes aspectos culturais-espirituais e sim que o objetivo das maiores religiões brasileiras deste início do século 21: manter as fortunas de seus líderes e dominar o povo tornando-o intolerante ao diferente.
Enquanto o que há de podre nas religiões não for denunciado e substituído por algo melhor, parece que não haverá paz nem progresso no Brasil. Enquanto a ganância e os discursos de opressão de certos líderes religiosos permanecerem soltos por aí, não haverá mudança. Enquanto estas religiões e seus líderes manterem poder sobre a política, a economia e até sobre a segurança do país, dificilmente haverá liberdade. Enquanto não se propagar a verdade sobre a espiritualidade de Jesus e seus apóstolos, estas religiões seguirão como um poder que espalha ódio, ignorância, segregação e miséria. 
A espiritualidade de Jesus não espalhava competitividade, rixa nem desigualdade econômica. Ela é muito mais próxima da filosofia de Platão no que se diz respeito à finalidade: Não é um mero método nem um conjunto de regras por si mesmo - sua presunção é humildade/ equidade e serenidade, seu meio é o amor/ amizade e seu fim é a solidariedade e a esperança. O cristianismo em sua origem no século 1 só difere do platonismo por ser um caminho mais afetivo, mais centrado no sentimento, enquanto Platão e seus seguidores que praticaram sua filosofia raciocinavam mais, em um caminho onde o diálogo e a construção de conhecimento se pautavam por moderação, coragem, bondade (kalos) e justiça.


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