A mulher pagã / a cananéia (Marcos, Mateus)
"Partindo Jesus dali, foi para as partes de Tiro e de Sidom.
E eis que uma mulher cananéia, que saíra daquelas cercanias, clamou, dizendo: Senhor, Filho de Davi, tem misericórdia de mim, que minha filha está miseravelmente endemoniada.
Mas ele não lhe respondeu palavra. E os seus discípulos, chegando ao pé dele, rogaram-lhe, dizendo: Despede-a, que vem gritando atrás de nós.
E ele, respondendo, disse: Eu não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel.
Então chegou ela, e adorou-o, dizendo: Senhor, socorre-me!
Ele, porém, respondendo, disse: Não é bom pegar o pão dos filhos e deitá-lo aos cachorrinhos.
E ela disse: Sim, Senhor, mas também os cachorrinhos comem das migalhas que caem da mesa dos seus senhores.
Então respondeu Jesus, e disse-lhe: Ó mulher, grande é a tua fé! Seja isso feito para contigo como tu desejas. E desde aquela hora a sua filha ficou sã."
Talvez esta passagem seja considerada estranha para os tempos atuais: Primeiramente por cananéia deve se entender uma pessoa descendente deste povo (da antiga Canaã); Na época de Jesus, o Império Romano já tinha tomado os territórios dos descendentes desses cananeus (Fenícia/ K'nan e Cartago).
A partir daí entende-se que Jesus questionou a mulher para prová-la, como em uma linguagem popular de sua época, onde os povos judeus chamavam os pagãos de cachorros. Talvez porque os judeus em algum momento da história antiga entenderam que os pagãos, politeístas em sua maioria, estavam tomados pela ganância e pela rivalidade bélica sendo fascinados pelas coisas da Terra (fortunas, prazeres sensoriais etc). Por causa disto as civilizações dos impérios mesopotâmicos, fenícios, egípcios e hititas que cercaram os povos hebreus e judeus ao longo da antiguidade jamais se interessariam por Deus, afinal os hebreus da época de Abrãao e de Moisés, eram tribos humildes, que não construíam monumentos e mal formavam exércitos.
Jesus certamente não tinha preconceito, mas quis saber como a mulher, de uma cultura politeísta que predominantemente ignorava Deus e a religião abraâmica, reagiria quando ele se mostrasse de um fé monoteísta, diferente dos descendentes dos cananeus. Assim, quando a mulher disse que os cachorrinhos também se alimentavam do resto dos outros, ela mostrou-se humildemente digna e acabou recebendo a ajuda de Jesus.
Isto também mostra a importância das decisões que não devem ficar só no discurso/ nas aparências, mas também devem ser vividas internamente pelas pessoas, de coração: A cananéia apesar de pertencer a uma crença diferente de Jesus, não se ofendeu em momento algum e ainda alegou humildemente que ela, como qualquer outra pessoa de sua cultura ("os cachorrinhos") precisavam de ajuda - seja esta ajuda um auxílio vindo de Jesus, de sua fé, de seus discípulos ou de Deus.
Maria e Marta (Lucas)
"Aconteceu que, indo eles de caminho, entrou Jesus numa aldeia; e certa mulher, por nome Marta, o recebeu em sua casa; E tinha esta uma irmã chamada Maria, a qual, assentando-se também aos pés de Jesus, ouvia a sua palavra.
Marta, porém, andava distraída em muitos serviços; e, aproximando-se, disse: Senhor, não se te dá de que minha irmã me deixe servir só? Dize-lhe que me ajude.
Respondendo Jesus, disse-lhe: Marta, Marta, estás ansiosa e fadigada com muitas coisas, mas uma só é necessária; E Maria escolheu a boa parte, a qual não lhe será tirada."
É possível entender que Marta, enquanto trabalhava, não deveria perder tempo criticando Maria que ouvia os ensinamentos de Jesus, pois a passagem parece mostrar que ambas já haviam escolhido o que fazer naquele dia. Marta recebeu Jesus, mas escolheu continuar seus serviços permanecendo ansiosa, enquanto Maria juntou-se a Jesus para ouvir seus ensinamentos sobre o amor a Deus e ao próximo como a si mesmo - O amor verdadeiro, o amor a todas as coisas.
Jesus diz para Marta, que mais importante do que os afazeres domésticos e possíveis preparativos, é ouvir os ensinamentos da lei de amor e estar junto com quem vive estas palavras. Isto porque o ser humano pode e deve dedicar algum tempo aos serviços de seu sustento, mas ele não foi feito para ser escravo nem para ser uma máquina. Tal fato está de acordo com vários outros ensinamentos de Jesus para que vivamos um dia de cada vez, sem acumularmos bens para o futuro e sem "vãs preocupações". Não se trata de irresponsabilidade nem de negligência e sim de evitarmos a avareza, a ansiedade e a ganância. Certamente isto se tornou mais difícil na era moderna após a propagação do mercantilismo desde o final do século 15. Pois deste período até os dias de hoje, com o advento dos sistemas sócio econômicos liberais e neoliberais que têm a dominância de uma ideologia de acumular bens, sem se importar com o próximo, espalha-se o discurso falacioso de que é natural que pessoas empobrecidas morram de fome ou de doenças, enquanto uma minoria acumula grandes fortunas desnecessariamente; Esta ideologia por trás destas regras sociais e econômicas é o capitalismo, que objetifica e precifica a vida, contrariando os ensinamentos de Jesus de se viver um dia de cada vez, com amor ao próximo.
Praticar as palavras de Cristo então é ser misericordioso, não só ajudando os necessitados, mas também criticando e denunciando os que acumulam muito poder na Terra prejudicando os demais. Assim Jesus mostrou o amor de Deus a todos: apontou os erros e maldades dos líderes sacerdotes e dos enriquecidos que priorizaram seus bens materiais e suas posições de poder, como um pai que tenta corrigir seus filhos. Acolheu os miseráveis como uma mãe que tem esperança e sempre ama e recebe as suas crianças. Isto porque o amor é um sentimento bom, que deve ser expresso como as emoções - necessidades humanas. Para estar junto daqueles que se ama, Jesus viveu desta maneira, pois mostrou amor por toda a humanidade, buscando corrigir os egoístas que causavam grandes males às outras pessoas e acolhendo os humildes, os sofredores e os que se dispõem a viver a lei de amor.
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