O Cristianismo é Conservador em seus Fundamentos?
Como mencionei em meu texto onde abordo o fundamentalismo (https://nea-ekklesia.blogspot.com/2022/01/os-fundamentos-do-saber.html), o cristianismo não se trata de ensinamentos conservadores nem de uma religião conservadora. Desde seu surgimento no século 1, até meados do século 4, o cristianismo vinha trazendo novos modos de pensar, de agir e de se expressar e o que traz novidades não pode ser conservador. Afinal o cristianismo ensina a importância do amor que rege a lei divina e portanto a verdadeira lei de todas as coisas. Este amor que Jesus mostrou durante sua vida no século 1, tão raro na sociedade tomada pela cultura bélica de Roma e tão esquecido entre as seitas corrompidas do judaísmo, é humilde e piedoso; não é controlador nem ciumento.
Talvez o único ensinamento do cristianismo que se aproxime polemicamente de um suposto elemento do conservadorismo, seja o de não olhar para (o corpo de) uma pessoa desejando-(o)a. Esta passagem bíblica trata de uma crítica ao sexismo, mas que para pessoas que valorizam demais o sexo casual (sem relacionamento ou sem sentimentos envolvidos) pode ser algo proibitivo ou incômodo.
Ponto em comum entre Cristianismo e Platonismo
O argumento desta passagem se assemelha com os ensinamentos de Platão (e de Sócrates), onde o filósofo identifica a priorização dos prazeres, como um ato de desprezar a mente e seu respectivo potencial de busca pelo conhecimento e pelo bem. Em suas obras, Platão indica que os prazeres materiais mais intensos e os mais exagerados são os piores para a alma (mente), típicos de quem se encontra no estado da mente inferior, enquanto os prazeres mais sutis e voltados ao bem (kalos) são típicos de quem se encontra no estado da mente superior. Tanto a filosofia socrática/platônica, como o cristianismo, acabam apontando as inconsistências de se querer cada vez mais bens materiais. Platão estende a critica à busca incessante por prazeres materiais e ainda aponta os males do vício, que pode ser facilmente relacionado a este tema do materialismo demasiado, chegando a organizar rudimentarmente quais prazeres são mais sublimes e quais são menos. Segue uma tentativa de listar os prazeres do mais prejudicial à mente ao mais benéfico:
O prazer individual misturado com a dor física ou psíquica (um dos piores);
A intensidade do prazer do ato sexual (chamado de amor sensual nos escritos de Platão);
O prazer do paladar relacionado à comida saborosa, mas pouco nutritiva, ou ao consumo em demasia;
Os prazeres do olfato, como os causados por perfumes e aromas;
Os prazeres da audição, do som, como escutar música;
Os prazeres da visão, como apreciar imagens agradáveis e paisagens belas;
Os prazeres de ajudar o próximo, principalmente os mais necessitados (um dos melhores);
Embora esteja listada ordenando os 5 sentidos humanos (tato/ paladar/ olfato/ audição/ visão), o fator intensidade é decisivo para determinar se o prazer desvia a atenção da alma tornando-a apegada ao mundo material; Ou seja, esta é um lista rudimentar podendo ter algumas variáveis. O estado mais desenvolvido da mente é quando esta se entrega pela busca ao Bem maior, pelo conhecimento, pela verdade (o Bem deve gerar o prazer mais real, mais sublime do que os prazeres da visão).
Completando este ensinamento sobre o que há de menos e mais elevado na mente humana, Sócrates (e Platão) indica(m) que o maior sempre serve o que lhe é submisso, o que lhe é inferior. Se a mente mais desenvolvida ou elevada busca o bem maior, ela naturalmente acaba buscando servir os mais humildes, os menos desenvolvidos etc.
Em última instância priorizar o Bem e o desenvolvimento da mente (ou da alma, como preferir), não pode ser chamado de conservadorismo. Fazer o bem, não só ajuda o mais necessitado a superar uma dificuldade, como pode o inspirar a também ajudar o próximo.
Há quem diga que os elementos filosóficos socráticos e platônicos sejam mentalistas/ idealistas/ espiritualistas. Eles até parecem priorizar apenas a vida mental/ espiritual, mas na verdade eles são pluralistas. Platão nunca desprezou questões da vida, do mundo material. Para isto basta ler "A República" onde ele traça diversos argumentos para melhorar a civilização humana na Terra.
O mesmo vale para os ensinamentos de Jesus Cristo: Apesar de mencionar que seu reino não é deste mundo, ele nunca abandonou os pobres na Terra, sempre demonstrando a importância de ajudar a todos. Por fim, o golpe final no conservadorismo por parte do cristianismo está na seguinte passagem: "Não penseis que eu tenha vindo trazer paz à Terra; não vim trazer a paz, mas a espada; — porquanto vim separar de seu pai o filho, de sua mãe a filha, de sua sogra a nora; — e o homem terá por inimigos os de sua própria casa." Afinal de contas, como poderia Jesus Cristo pregar a lei de amor, obedecendo classes religiosas corruptas, como os fariseus e os escribas, que queriam conservar a miséria e a ignorância do próprio povo?
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