segunda-feira, 16 de outubro de 2023

Sobre a Institucionalização do Cristianismo

 Breve reflexão sobre instituição e institucionalização 

A palavra instituto vem do latim "Institutius" que significa definir, estabelecer, de In + statuere (em + fazer ficar em pé). Adquiriu sentido geral de fundar, introduzir a partir do século 15. O significado de organização, social, surgiu no século 19. 

O termo institucionalização também passou a ser empregado com significado negativo, de sistemas criados com fins e razões benéficas, que por qualquer motivo (por interesses particulares, ou tentativa de controle social) tornaram-se inflexíveis, causando prejuízos aos seres humanos. 

Nota-se que em seu significado original, esta palavra se assemelha à palavra estrutura, com a diferença que esta última se refere a juntar ou combinar as partes para construir algo. Estrutura então exprime arranjo, junção e disposição - modo de edificar, enquanto instituição é uma edificação estabelecida de um estado ou de uma comunidade. 

Edificar, vem da palavra edifício (do latim, aedes), que designava uma mansão do Império Romano. Estas mansões não eram como conhecemos hoje: Elas tinham até 5 andares e abrigavam várias pessoas das baixas classes sociais, servindo de moradias e também de espaço para atividades.

A diferença entre instituição e constituição então é expressa pelo prefixo: In significa "em" e con significa "juntos, em simultâneo, companhia". 

Toda esta explicação deveria nos orientar. Embora as palavras tenham seus significados mais ou menos alterados com o passar do tempo, as suas origens deveriam ser regularmente verificadas para trazer entendimento de suas utilizações. 

No caso das religiões eu vi mais um emprego negativo da palavra institucionalização: Geralmente se refere como as igrejas (cristãs, por exemplo), ao admitirem hierarquias e priorizarem dogmas, deixaram de lado os ensinamentos de Jesus Cristo, transformando-se em ferramentas de poder ao longo da história. Trago um possível exemplo deste processo à seguir.

Como alguns dogmas invadiram o cristianismo e se mantiveram nas igrejas 

No ano 553, foi reunido o 2º Concílio de Constantinopla pelo imperador romano (bizantino) Justiniano I, que se interessava em acabar com as dissensões na igreja cristã (já chamada de católica na época). Neste concílio foram proibidas e consideradas hereges as seguintes doutrinas: 

Do nestorianismo, marcada pela afirmação de que Maria é mãe de Jesus e não de Deus, pois a natureza divina de Jesus é separada da natureza humana; 

A doutrina de Orígenes que aceitava a transmigração das almas (a reencarnação das almas, possivelmente baseada em Platão) e a possibilidade da Apocatástase onde todas as almas seriam salvas e unidas a Deus; 

E a doutrina monofisista que afirmava que Jesus tinha só uma natureza divina mesmo encarnado. 

Como resultado do concílio afirmava-se que Jesus era simultaneamente humano e Deus, filho de Maria e que as almas de pecadores seriam condenadas eternamente, jamais encontrando Deus. 

Com um breve estudo sobre tal evento não é difícil entender as intenções e resultados de tal concílio. Note que os assuntos todos têm como tema central a espiritualidade: De onde vem e para onde vão as almas, natureza divina de cristo etc. São temas impossíveis de se tornarem dogmas sem desprezar o ensinamento central de Jesus Cristo: O amor (ao próximo, a si e a Deus). Um amor obviamente piedoso acima de tudo, do qual não vou detalhar aqui - basta ler as passagens de Jesus na bíblia. 

Voltemos a resolução do concílio "ecumênico" (!?): Proibições e queimas de escritos/ livros de teorias sobre a alma e a divindade. O que há de ecumênico nisto? 

Nada. 

O que há de cristão no resultado desse concílio? 

Nada. 

Nada disto está nos ensinamentos de Jesus Cristo: Para Jesus, o que importa é viver a lei divina, que é de amor - Amor este sereno e que dá esperança para a humanidade! 

O resultado deste (e de tantos outros concílios da igreja) é meramente um passo para deformar os ensinamentos de Cristo, impondo regras proibitivas, que tentam formar a imagem de um Cristo autoridade, pois o concílio praticamente diz: Jesus nasceu humano mas era Deus e filho de Maria ao mesmo tempo. Para que isto? Jesus mandou seus apóstolos chamarem Maria de mãe de Deus? Certamente não. Jesus fez pregações alegando que almas não reencarnam? Certamente não. Na verdade ele insinua sutilmente o contrário ao falar que João é o Elias que muitos aguardavam, e, ao falar à Nicodemos que é preciso nascer de novo. 

Enfim, este é um tema simples: A religião não existe sem uma história, então os cristãos que frequentam uma igreja (seja católica, evangélica etc) tem basicamente duas opções para não serem enganados: 

A 1ª opção é simples: Colocar os ensinamentos de Jesus Cristo (os evangelhos dos 4 apóstolos: João, Marcos, Mateus e Lucas) acima de todas os argumentos não mencionados por Cristo evitando aqueles que contrariem seu amor piedoso, e assim, também acima das outras passagens da bíblia, pois nenhum outro profeta da bíblia tem ensinamentos mais importante do que os de Cristo - Todos eles são menos importantes e devem ser somente complementares ou até mesmo desconsiderados caso contradigam qualquer um dos ensinamentos de Cristo. Isto é óbvio: o que vale mais? Os vários personagens da bíblia que cometeram erros (matar religiosos divergentes, acumular riquezas, participar de guerras) ou Jesus Cristo que ajudou os necessitados durante toda a sua passagem na Terra e ainda morreu torturado e crucificado? 

A 2ª opção vai exigir que o cristão dedique um tempo para estudar a história do cristianismo, mas não só uma época ou um evento: De preferência o máximo possível, desde as pregações de Jesus (da bíblia mesmo, é claro), passando pelo cristianismo primitivo dos séculos 1 ao 4, pelos concílios dos séculos 5 ao 10, pelo cisma da igreja/ a divisão em igreja apostólica romana e ortodoxa, a fundação das universidades católicas e o surgimento de ordens dissidentes até a renascença! É muita coisa? Sim, mas é uma tentativa de entender os interesses por trás da religião e estes interesses não foram só dos católicos. Por exemplo, o concílio que eu trouxe neste texto é aceito não só pelos católicos, mas também pelo luteranismo e algumas outras igrejas protestantes!

Porque? Certamente não foi por bondade dos fundadores do protestantismo durante o início do século 16. Como alguém manteria tais resoluções claramente centralizadoras de poder como parte dos ensinamentos de Cristo? Como alguém propõe renovar a igreja aceitando resoluções de quase 1000 anos atrás?! Tais questões deveriam ser abertas novamente, como eram antes do concílio da igreja do ano 553, pois são meras conjecturas elevadas ao status de dogmas.

Enfim, talvez eu exija demais dos cristãos... Entendo que nós ocidentais (ainda hoje, neste início de século 21) raramente recebemos um ensino crítico sobre a utilização da religião, da política e da economia como ferramentas de poder. Particularmente tive a sorte de aprender no ensino médio sobre as revoluções cristãs de Jan Hus e de Savonarola, mas hoje com a internet basta digitar esses nomes num "Google" para achar vários sites que contam a história. Para os interessados recomendo fortemente ler sobre Jan Hus e as guerras hussitas, tema importante da história do cristianismo e da Europa. Se sobrar um tempo leia sobre as rebeliões cristãs florentinas nas quais Savonarola foi um dos personagens principais. Só que se tratando de Florença, o assunto é mais complexo e também é bom fazer (ao menos breves) leituras sobre como o platonismo ganhou força ali fomentando a renascença, com Marcílio Ficino entre outros filósofos que atuaram na península italiana naquela época. 

Nem tudo foi conflito, violência e guerra - A renascença, diferente da época do 2º Concílio de Constantinopla (Idade das Trevas), foi importante por causa de seus bons frutos como a propagação da filosofia e das artes e não por causa de disputas por poder religioso ou poder econômico. 

Fontes:

See, e.g. Lutheran–Orthodox Joint Commission, Seventh Meeting, The Ecumenical Councils, Common Statement, 1993, available at Lutheran–Orthodox Joint Commission (B. I. 5a. "We agree on the doctrine of God, the Holy Trinity, as formulated by the Ecumenical Councils of Nicaea and Constantinople and on the doctrine of the person of Christ as formulated by the first four Ecumenical Councils.").
 

Leo Donald Davis (1983), "Chapter 6 Council of Constantinople II, 553", The First Seven Ecumenical Councils (325–787): Their History and Theology, Collegeville, Minnesota: The Liturgical Press, pp. 242–248, ISBN 978-0814656167, retrieved 2014-08-23
 

 

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