sábado, 6 de janeiro de 2024

Leitura Ecumênica do Nascimento de João (O Batista)

Ao lado da passagem dos magos citada por Mateus, este texto de Lucas indica um possível e vago elo do judaísmo e do cristianismo com uma religião típica do oriente do Levante: O masdaísmo/ zoroastrismo. A profecia de Zacarias invoca mais uma vez a liberdade de se cultuar Deus (monoteísmo) ante opositores, além de citar uma "visita do oriente" possivelmente relacionada à passagem dos magos.

Nascimento de João Batista/ Cântico de Zacarias (Lucas 1: 57-80) 

"Completando-se para Isabel o tempo de dar à luz, teve um filho. 

Os seus vizinhos e parentes ouviram que tinha Deus usado para com ela de grande misericórdia, e alegraram-se com ela. 

Aconteceu que, ao oitavo dia, vieram circuncidar o menino, e lhe chamavam Zacarias, o nome de seu pai. E, respondendo sua mãe, disse: Não, ele será chamado João. 

E disseram-lhe: Ninguém há na tua parentela que se chame por este nome. Então perguntaram por acenos ao pai como queria que lhe chamassem. 

Pedindo ele uma tabuinha de escrever, escreveu: O seu nome é João, e todos se maravilharam. E logo a boca se lhe abriu, e a língua se lhe soltou; e falava, louvando a Deus. 

E veio o temor sobre todos os seus vizinhos, e em todas as montanhas da Judéia foram divulgadas todas estas coisas. 

Todos os que as ouviam as conservavam em seus corações, dizendo: Quem será, pois, este menino? E a mão do Senhor estava com ele. 

E Zacarias, seu pai, foi cheio do Espírito Santo, e profetizou, dizendo: 

Bendito o Senhor Deus de Israel, Porque visitou e resgatou o seu povo, e nos levantou uma salvação poderosa na casa de Davi, seu servo. 

Como falou pela boca dos seus santos profetas, desde o princípio do mundo; Para nos livrar dos nossos inimigos e da mão de todos os que nos odeiam; Para manifestar misericórdia a nossos pais, e lembrar-se da sua santa aliança, E do juramento que jurou a Abraão nosso pai, de conceder-nos que, libertados da mão de nossos inimigos, o serviríamos sem temor, em santidade e justiça perante ele, todos os dias da nossa vida. E tu, ó menino, serás chamado profeta do Altíssimo, Porque hás de ir ante a face do Senhor, a preparar os seus caminhos; Para dar ao seu povo conhecimento da salvação, Na remissão dos seus pecados; Pelas entranhas da misericórdia do nosso Deus, Com que o oriente do alto nos visitou; Para iluminar aos que estão assentados em trevas e na sombra da morte; A fim de dirigir os nossos pés pelo caminho da paz. 

E o menino crescia, e se robustecia em espírito. E esteve nos desertos até ao dia em que havia de mostrar-se a Israel."

"Nascimento de São João Batista" por Artemisia Gentileschi (1593-1656)

Na época do nascimento de Jesus, os judeus/ israelitas eram praticamente o último povo a praticar alguma forma de monoteísmo. Isto por que certamente até mesmo religião masdeísta ensinada por Zoroastro por volta do ano 1000 a.C., que não "possuindo vários deuses", podia ser considerada dualista ou monoteísta, estava em baixa (mas não totalmente desaparecida). Pois o império persa, seu principal propulsor, já havia ruído há cerca de 300 anos antes de Cristo, sendo substituído pelo Império Parta. 

Curiosamente a história do monoteísmo, apesar de centrada no judaísmo, não é exclusiva dos antigos povos hebraicos/ judeus. Por estar inserida no mundo, ela toca outras culturas, sendo afetada por estas. É aceito que várias vezes os descendentes dos povos libertos por Moisés, deixaram seu monoteísmo de lado e praticaram cultos politeístas típicos de seus vizinhos cananeus e mesopotâmicos. Este abandono do monoteísmo a favor do politeísmo pode ter acontecido com ou sem pressão exercida pelas nações vizinhas e na narrativa do Velho Testamento, tais posturas foram punidas por razões certamente relacionadas àquela época antiga (6 ou mais séculos antes do nascimento de Jesus Cristo). Frequentemente cercados por nações politeístas então, um dos poucos períodos em que os judeus tiveram a liberdade de cultuar seu monoteísmo (venerar O Deus e não "deuses" das religiões de nações  vizinhas) foi sob a expansão do Império Persa, este que tinha como principal religião o masdaísmo/ zoroastrismo. Isto deve ter acontecido não só nos conformes das explicações bíblicas, mas também pelo fato histórico do imperador persa permitir a liberdade de culto e pelo fato que o zoroastrismo pregava o culto ao deus bom, Aura Mazda e não ao "deus" mau, seu opositor. Sendo assim, os persas, quando expandiram seus territórios rumo ao ocidente encontraram a religião mais similar a de seu povo com os judeus: O masdaísmo/ zoroastrismo tinha mais pontos em comum com o judaísmo do que com as religiões politeístas de sua época.  

Além disto, Deus descrito por Zacarias, veio manifestar a misericórdia e tem o objetivo de guiar seus seguidores e seus fiéis, pela paz, sem temor. Deus não inspira temor, pois é misericordioso e pacífico - quem espalha pânico e quem faz guerra em nome de Deus, gera todo tipo de violência e temor, portanto é farsante.

Assim, faz sentido que o profeta (do cristianismo, a religião monoteísta que aperfeiçoa o judaísmo) João Batista nascesse na província da Judéia, ainda que dominada pelo Império Romano. Ele ficou incumbido de preparar o povo para receber as mensagens de Jesus, já que o judaísmo estava predominantemente tomado por seitas decadentes apegadas ao materialismo e ao formalismo. 

Conforme foi crescendo, João se afastou da sociedade judaica que estava liderada por corruptos e falsos profetas, preferindo viver no deserto. Isto pode ter sido uma forma de protesto numa visão típica da teologia da libertação ou uma forma de manter-se em isolamento, buscando viver em humildade e pureza nos conformes de uma interpretação hinduísta. De ambas as maneiras, João se afastaria das áreas urbanas dominadas pelos grupos interesseiros de sua região e época.

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