sábado, 28 de setembro de 2024

Leitura ecumênica de "Execução de João Batista" e "O Joio"

Execução de João Batista (Mateus, Marcos, Lucas) 

"Naquele tempo ouviu Herodes, o tetrarca, a fama de Jesus, e disse aos seus criados: Este é João o Batista; ressuscitou dos mortos, e por isso estas maravilhas operam nele. 

Herodes tinha prendido João, e tinha-o maniatado e encerrado no cárcere, por causa de Herodias, mulher de seu irmão Filipe; Porque João lhe dissera: "Não te é lícito possuí-la."

 E, querendo matá-lo, temia o povo; porque o tinham como profeta. 

Festejando-se, porém, o dia natalício de Herodes, dançou a filha de Herodias diante dele. Isto agradou a Herodes e por isso ele prometeu, com juramento, dar-lhe tudo o que pedisse; 

Ela, instruída previamente por sua mãe, disse: Dá-me aqui, num prato, a cabeça de João o Batista. E o rei afligiu-se, mas, por causa do juramento, e dos que estavam à mesa com ele, ordenou que se lhe desse. 

Mandou degolar João no cárcere. E a sua cabeça foi trazida num prato, e dada à jovem, e ela a levou a sua mãe. 

Então chegaram os seus discípulos, e levaram o corpo, e o sepultaram; e foram anunciá-lo a Jesus."

João Batista, como devoto de Deus e de seus ensinamentos, manteve-se firme até o final de sua vida terrestre, sem temer a violência dos poderosos que o odiavam.O tetrarca Herodes, por sua vez, mostrou-se um covarde entre uma corte de gananciosos, interesseiros e sádicos: Ele havia ordenado a prisão de João Batista, mas poupava sua vida porque sabia que o profeta tinha muitos admiradores/ fiéis. Eis então que o tetrarca ficou aflito quando a mulher que lhe despertou interesse pediu a cabeça de João Batista. Mais uma vez, Herodes toma uma decisão covarde e ordena a execução do profeta. Esta passagem mostra o quão mesquinha e violenta eram as classes dominantes da Judéia e do Império romano durante o século 1. Além de deixarem-se levar por desejos e por impulsos de violência, muitas vezes faziam isto abertamente, ou seja, não procuravam nem ocultar seus crimes. Infelizmente, muitas destas atitudes perduram até este século 21, devido a falta da aplicação e da prática da lei divina, que é de amor. Sem a lei divina de amor, a humanidade tomada por intensos desejos materiais, rivalidade e insensibilidade para com os outros, se afundaria em ações violentas e crescentes conflitos… Portanto humildade, solidariedade e esperança não são sinais de fraqueza, nem de ingenuidade - são condições essenciais de vida que todo ser humano deve buscar desenvolver. 

Muitas pessoas podem pensar que o amor é muito subjetivo ou relativo, mas Jesus não foi o único a ensinar sobre a importância deste sentimento e de como vivê-lo. O filósofo grego, Platão, apesar de parecer muito mais racionalista do que Jesus, também ensinava sobre o amor, ainda que não utilizasse exatamente esta palavra em seus textos onde registrou os diálogos de seu mestre Sócrates. Na obra o Simpósio (ou o Banquete), Platão indica que o desejo correto (orthos eros) deve evoluir para além do desejo do amor sensual que é limitado aos sentidos e a beleza meramente física/ corporal. O desejo deve ser direcionado à psiquê (palavra que abrange mente e alma) das pessoas e então deve ser expandido para todas as psiquês e para tudo que faz bem para todas as psiquês (as leis e obras que fazem bem a todas mentes/ almas). No diálogo Fedro, tratando mais a relação do desejo com os estados alterados da psique, o autor indica que o amor é chamado de "O Alado", por permitir que a pessoa alcance o "céu além" (hiper ouranos), a morada divina, onde as virtudes como temperança e justiça irradiam fulgor. A beleza mais sublime então está relacionada à psiquê/ alma, mas não é algo meramente subjetivo, muito menos alienante, pois relaciona-se com os resultados das intenções, decisões e ações humanas. Por isso, em sua obra "A República", Platão trata da relação da ideia (eidos) do bem e do belo (kalos) com o governo e as relações humanas nas Pólis (cidades estado). Este é o desejo pelo bem de todos que equivale ao amor ensinado por Jesus.

O Joio - Legendas: Tomé (ciano), Mateus (azul

"Propôs-lhes outra parábola, dizendo: O reino dos céus é semelhante ao homem que semeia a boa semente no seu campo; Mas, dormindo os homens, veio o seu inimigo, e semeou joio no meio do trigo, e retirou-se. E, quando a erva cresceu e frutificou, apareceu também o joio. 

E os servos do pai de família, indo ter com ele, disseram-lhe: Senhor, não semeaste tu, no teu campo, boa semente? Por que tem, então, joio? 

E ele lhes disse: Um inimigo é quem fez isso. E os servos lhe disseram: Queres pois que vamos arrancá-lo? 

Ele, porém, lhes disse: Não; para que, ao colher o joio, não arranqueis também o trigo com ele. Receio que você vá com a intenção de arrancar o joio e arrancar o trigo junto com ele. 

Deixai crescer ambos juntos até à ceifa; Pois no dia da colheita o joio ficará bem visível, e, por ocasião da ceifa, direi aos ceifeiros: Colhei primeiro o joio, e atai-o em molhos para o queimar; mas, o trigo, ajuntai-o no meu celeiro."

Os motivos pelos quais Jesus utilizou parábolas em seus ensinamentos parecem pouco claros ainda hoje, neste início de século 21. Embora o espiritismo indique que a maior parte do povo não estava pronta para entender Jesus durante o século 1, é possível que ele tenha propagado parte de seus ensinamentos através de parábolas para esconder de alguns indivíduos mais aversivos ou contrários à lei divina de amor. Mas como certamente seus ensinamentos não eram exclusivos para seus apóstolos, Jesus deve ter utilizado uma linguagem acessível às baixas classes sociais (pobres, desabrigados etc) da Galiléia do século 1, pois grande parte da população era composta de agricultores, pastores e artesãos. 

Assim, nesta parábola do joio, pode-se entender que o reino dos céus é o que fomenta o bem na Terra, ou seja, a lei divina de amor e os ensinamentos de Jesus. Esta lei e ensinamentos são comparados com as boas sementes que geram o trigo, o alimento do ser humano. O joio, por sua vez, é danoso, geralmente infectado por fungos tóxicos, por isso Jesus utiliza a representação desta planta que se assemelha ao trigo antes de se tornar madura, como se fosse os inimigos do amor esperançoso, da solidariedade e da humildade. Estes inimigos se misturam com as pessoas boas, e às vezes, eliminá-los pode atingir um ou outro inocente. 

Em casos onde pessoas boas estão sob o jugo de um líder poderoso e mau (egoísta, ganancioso e/ ou cruel etc), devemos simplesmente evitar imitar as ações dos inimigos e aguardar pelo momento possível para se fazer o bem. As ações que não devemos imitar (de "inimigos" ou de líderes "maus") geralmente são acusações sem embasamento, mentiras interesseiras, discursos de intolerância, agressões etc. 

Os casos onde pessoas boas ou inocentes acabam se envolvendo com inimigos, podem ter variados motivos: porque foram enganados ou porque têm laços familiares, ou devido a qualquer outra causa. Nestes casos, quando não for possível proteger ou resgatar o inocente, é necessário paciência para aguardar os resultados das ações de cada um, afinal cedo ou tarde o mal (o inimigo, o erro) fica evidente. Ao ficar evidente ele pode ser separado do bem e cada um deverá receber seu destino mais adequado.

É importante relembrar 2 pontos referentes a esta passagem: 

O primeiro é que Jesus ensina que na hora da condenação, nem seu Pai (Deus) julga; é o malfeitor (pecador etc) que não vai à luz, pois tem vergonha de sua obra e foge para as trevas. Isso é um tema central nos ensinamentos de Jesus: o perdão, que ele menciona em várias outras passagens.

O segundo é que a lei divina não requer que o bem se auto destrua, nem que permita a propagação da maldade, pois Jesus criticou os religiosos corruptos e defendeu os pobres e os necessitados. O joio deixa de ser parecido com o trigo quando amadurece, ou seja, é neste ponto que ele é separado do trigo - separa-se o mal do bem pelas ações que transparecem nas relações! Jesus não julga os outros sem observar suas ações antes e por isso não deve ter julgado nem mesmo Herodes até ele mostrar sua extrema covardia e egoísmo ao matar João Batista para possuir a filha de Herodias. Naquele momento em diante ficou claro publicamente que Herodes era egoísta e cruel: ao assassinar uma pessoa admirada por lutar pelo povo humilde, denunciando religiosos manipuladores (fariseus, saduceus etc) e líderes opressores (centuriões romanos etc).


 

sábado, 21 de setembro de 2024

Leitura Ecumênica de O Semeador

O Semeador (Tomé, Mateus, Marcos, Lucas) 

"Tendo Jesus saído de casa, naquele dia, estava assentado junto ao mar; E ajuntou-se muita gente ao pé dele, de sorte que, entrando num barco, se assentou; e toda a multidão estava em pé na praia. 

Jesus falou-lhes de muitas coisas por parábolas, dizendo: Eis que o semeador saiu a semear. 

E, quando semeava, uma parte da semente caiu ao pé do caminho, e vieram as aves, e comeram-na; 

E outra parte caiu em pedregais, onde não havia terra bastante, e logo nasceu, porque não tinha terra funda; Mas, vindo o sol, queimou-se, e secou-se, porque não tinha raiz. 

E outra caiu entre espinhos, mas os espinhos cresceram e sufocaram-na. 

E outra caiu em boa terra, e deu fruto: um a cem, outro a sessenta e outro a trinta. 

Quem tem ouvidos para ouvir, ouça. 

Acercando-se dele os discípulos, disseram-lhe: Por que lhes falas por parábolas? 

Ele, respondendo, disse-lhes: Porque a vós é dado conhecer os mistérios do reino dos céus, mas a eles não lhes é dado; 

Porque àquele que tem, se dará, e terá em abundância; mas àquele que não tem, até aquilo que tem lhe será tirado. 

Por isso lhes falo por parábolas; porque eles, vendo, não vêem; e, ouvindo, não ouvem nem compreendem. 

E neles se cumpre a profecia de Isaías, que diz: Ouvindo, ouvireis, mas não compreendereis,e, vendo, vereis, mas não percebereis. 

Porque o coração deste povo está endurecido, E ouviram de mau grado com seus ouvidos, E fecharam seus olhos; Para que não vejam com os olhos e ouçam com os ouvidos e compreendam com o coração e se convertam e eu os cure. 

Mas, bem-aventurados os vossos olhos, porque vêem, e os vossos ouvidos, porque ouvem. Porque em verdade vos digo que muitos profetas e justos desejaram ver o que vós vedes, e não o viram; e ouvir o que vós ouvis, e não o ouviram. 

Escutai vós, pois, a parábola do semeador. 

Ouvindo alguém a palavra do reino, e não a entendendo, vem o maligno, e arrebata o que foi semeado no seu coração; este é o que foi semeado ao pé do caminho. 

O que foi semeado em pedregais é o que ouve a palavra, e logo a recebe com alegria; Mas não tem raiz em si mesmo, antes é de pouca duração; e, chegada a angústia e a perseguição, por causa da palavra, logo se ofende; 

E o que foi semeado entre espinhos é o que ouve a palavra, mas os cuidados deste mundo, e a sedução das riquezas sufocam a palavra, e fica infrutífera; 

Mas, o que foi semeado em boa terra é o que ouve e compreende a palavra; e dá fruto, e um produz cem, outro sessenta, e outro trinta."

Jesus dá o exemplo de 4 categorias ou tipos de pessoas que ouvem seus ensinamentos: No primeiro tipo estão os desinteressados, os contrários e os que ouvem a palavra mas se mantém distantes da prática. Estes se perdem em egoísmos e/ ou maldades. 

No segundo tipo estão os que gostam de ouvir a palavra, mas são muito superficiais ou imediatistas. Por isso acabam caindo em provocações ou desistindo diante de qualquer dificuldade. No terceiro tipo estão os que ouvem, mas já estão cheios de objetivos profissionais ou desejos de riquezas materiais, daí acabam seduzidos pelas coisas do mundo. 

O quarto tipo são os verdadeiros receptores do ensinamento de Cristo: O humilde que é disposto e/ ou empático e certamente irá trabalhar os ensinamentos de Cristo. Estes últimos irão difundir o ensinamento de amor ao próximo e praticá-lo através da solidariedade, do perdão e da caridade. 

Importante notar que os frutos gerados por aqueles que compreendem a palavra de Cristo, não é apenas espiritual, é "de coração", portanto a devoção é emocional, e também é vital e social, pois ocorre na Terra, em vida. Propagar e praticar os ensinamentos de Jesus, é fomentar a empatia e a união entre as pessoas, e portanto, entre os povos e civilizações. 

Mas porque a emoção teria relação com os ensinamentos de Jesus? Além do amor ensinado por ele, ajudar o próximo requer perdoar, ou seja, não ser preconceituoso. O discernimento de Jesus é pelas obras que as pessoas realizam, não por rótulos como sexualidade, religiosidade ou qualquer fator cultural ou meramente aparente. A emoção não exclui o discernimento de Jesus, que não julga: Jesus ajuda os mais necessitados e aponta os erros dos mais poderosos, seja financeiramente, politicamente ou religiosamente poderoso. 

A filosofia de Platão segue linha semelhante, pois o filósofo aborda a emoção em seu livro 4 da obra "A República", onde fala que esta (a emoção, geralmente traduzida de palavras como thymous), deve se alinhar à razão. Mas esta razão não é um racionalismo insensível nem egoísta, pois ela que é capaz de buscar a sabedoria, de discernir a justiça e de realizar o autocontrole. É assim que se busca a idéia do bem (kalos) para colocá-la em prática.

O trecho “Porque àquele que tem, se dará, e terá em abundância; mas àquele que não tem, até aquilo que tem lhe será tirado.” obviamente se refere aos ensinamentos de Jesus. Aquele que mais ouve e pratica seus ensinamentos de humildade e amor ao próximo, é o que mais receberá ensinamentos na Terra, e o que será mais bem acolhido no reino dos céus. Aquele que se interessa pouco ou que despreza os ensinamentos de Jesus, conhecerá menos sobre a lei divina de amor e não terá nada de bom após a vida na Terra. 

 

 

sábado, 14 de setembro de 2024

Leitura interreligiosa de "O Sinal de Jonas" e "A Família de Jesus"

O Sinal de Jonas (Mateus, Marcos, Lucas) 

"Então alguns dos escribas e dos fariseus tomaram a palavra, dizendo: Mestre, quiséramos ver da tua parte algum sinal. 

Mas Jesus lhes respondeu, e disse: Uma geração má e adúltera pede um sinal, porém, não se lhe dará outro sinal senão o sinal do profeta Jonas; 

Pois, como Jonas esteve três dias e três noites no ventre da baleia (ou peixe), assim estará o Filho do homem três dias e três noites no seio da terra. 

Os ninivitas ressurgirão no juízo com esta geração, e a condenarão, porque se arrependeram com a pregação de Jonas. E eis que está aqui quem é maior do que Jonas. 

A rainha do sul se levantará no dia do juízo com esta geração, e a condenará; porque veio dos confins da terra para ouvir a sabedoria de Salomão. E eis que está aqui quem é maior do que Salomão. 

Quando o espírito imundo tem saído do homem, anda por lugares secos (sem água), buscando repouso; e, não o achando, diz: Tornarei para minha casa, de onde saí. E, (voltando) chegando, acha-a (desocupada,) varrida e adornada. 

Então vai, e leva consigo outros sete espíritos piores do que ele e, entrando, habitam ali; e o último estado (ato) desse homem é pior do que o primeiro. Assim acontecerá também a esta geração má. E aconteceu que, dizendo ele estas coisas, uma mulher dentre a multidão, levantando a voz, lhe disse: Bem-aventurado o ventre que te trouxe e os peitos em que mamaste. 

Mas ele disse: Antes bem aventurados os que ouvem a palavra de Deus e a guardam."

Os escribas e fariseus alegavam que queriam ver uma prova que Jesus era filho de Deus, por isto pediam por milagres. Porém, na verdade, eles estavam tomados por egoísmo e decididos a negar qualquer feito / milagre de Jesus, pois não queriam perder seu poder nem seu status diante a sociedade daquela época. Jesus então responde que não fará milagre algum para convencê-los de que era o filho de Deus. 

Por fim, Jesus completa seu discurso com uma passagem misteriosa. Ele diz que quando o espírito cheio de maldades sai de seu corpo, ele não encontra paz. Em aramaico o texto diz vento impuro, o que não difere muito da origem da palavra espírito em latim (spiritus: sopro, respiração). Mas porquê povos com diferentes línguas viam esta relação entre sopro/ vento/ respiração e alma/ espírito? Podem haver variadas razões: desde a “invisibilidade” do ar, comparado com o pensamento e o sentimento que não podem ser percebidos sensorialmente, até a relação entre respiração e a vida. Esta última razão parece típica de religiões orientais como o budismo e o hinduísmo. Por isso existem caminhos destas espiritualidades que trabalham a respiração, como é o caso da Kriya Yoga, por exemplo. Trabalhando a respiração juntamente com a mentalidade e prática da humildade e do servir, é possível alcançar o divino, pois a respiração relaciona-se com energias sutis e transcendentes como os chakras. O número 7 (sete) mencionado por Jesus também pode ter relação com os chakras do ser humano, que são 7. Embora para os céticos tudo isso possa parecer ridículo, trata-se de forças muito sutis intermediárias entre a psique (mente/ alma) e o corpo, como o perispírito explicado pelo espiritismo - neste último caso “peri” pode significar “em volta do” ou “acima do” espírito. 

Este espírito e/ ou vento que sai do corpo, quando imundo (aqui mais no sentido moral, de malicioso, egoísta) atrai outros semelhantes ou iguais a si mesmo. Mas quando esse sopro ou alma sai imunda do corpo? O momento pouco importa: se é no repouso, no sono, ou na morte - o que importa é a condição/ estado em que sai. Ele sai impuro da pessoa que pratica o mal nos pensamentos, nas palavras ou nas ações, como nos casos mencionados em passagens anteriores em que Jesus diz que aquele que fala mal de alguém que está fazendo o bem, está cometendo um pecado grave. Assim, o sopro ou espírito que sai do corpo neste estado reúne-se com forças tão pérfidas quanto ele mesmo, pois não progride, afinal se tais espíritos são imundos (egoístas, perversos etc), apenas causarão dificuldades ou sofrimento uns aos outros. Daí a importância de meditar e praticar os ensinamentos de Jesus: a lei divina é natural e é a propagação do bem a todos, este é o bem realmente digno do amor. 

A “família” de Jesus (Mateus, Lucas) 

"E, falando ele ainda à multidão, eis que estavam fora sua mãe e seus irmãos, pretendendo falar-lhe. E disse-lhe alguém: Eis que estão ali fora tua mãe e teus irmãos, que querem falar-te. 

Ele, porém, respondendo, disse ao que lhe falara: Quem é minha mãe? E quem são meus irmãos? E, estendendo a sua mão para os seus discípulos, disse: Eis aqui minha mãe e meus irmãos; 

Porque, qualquer que fizer a vontade de meu Pai que está nos céus, este é meu irmão, e irmã e mãe."

 Jesus deixou sua família para realizar sua missão e por isso ressaltou a importância de que o segmento da lei divina de amor é mais importante do que os conceitos de família inventados pelas sociedades. Jesus não condenava toda e qualquer família, mas esta passagem é complementada por outros ensinamentos, como quando ele diz que não trouxe a paz, mas sim a espada, pois sua palavra colocará pais contra filhos e filhos contra pais… Mesmo porque uma família pode ser mentirosa e a favor da estagnação, da ignorância e do obscurantismo, discordando de um determinado familiar que vive a humildade, a solidariedade etc. 

Existem famílias boas que buscam se basear e praticar a lei de amor da mesma maneira que Jesus ensina, mas existem famílias onde seus integrantes traem uns aos outros ou que só se unem por causa de interesses mesquinhos que prejudicam outras famílias e outros grupos de pessoas. 

Assim, Jesus mostra que qualquer indivíduo que ouve e pratica seus ensinamentos é verdadeiramente parte de sua família. Estes que seguem os ensinamentos de Cristo, se unem livremente por amizade e pela esperança de uma humanidade mais unida e de civilizações mais solidárias. Nenhuma família tradicional, culto, ordem, seita ou grupo, é mais importante do que a observância e a prática da lei divina de amor.

 

sábado, 7 de setembro de 2024

Qual é a idade da religião monoteísta? A História é só escrita?

Sistemas Religiosos e Mitologias

As mitologias de que ouvimos falar, como a grega, a nórdica, a celta, a indiana, a japonesa, a egípcia, a asteca entre outras, são sistemas religiosos. De certo modo referem-se não meramente aos contos sobre a origem da civilização ou do universo, mas também referem-se às religiões de suas respectivas culturas. 

A maioria delas têm contos incríveis, exagerados, ou até mesmo bizarros, sejam sobre deuses, seres fantásticos, ou fenômenos cosmogônicos e isto deve ter sido assim por variados motivos. Porém entende-se que (ao menos alguns d)os contos mais estranhos desses sistemas tratam de assuntos complexos para os povos da antiguidade. 

Entre tantos sistemas religiosos politeístas, ou que no mínimo cultuavam variadas entidades, existiu ao menos um diferente: O judaísmo, pois entende-se que esta religião sempre tenha sido monoteísta - Deus é um; o que existe entre a raça humana e Deus, é uma hierarquia de anjos, mas estes não são "deuses". Talvez possamos contar também com o masdeísmo (zoroastrismo), mas há quem diga que se tratava de uma religião dualista. No sanatana dharma (hinduísmo), a Kriya Yoga, explica que Brahman é O Deus (onipresente como de um monoteísmo etc) e que Brahma é só o seu aspecto criador, ao lado de Vishnu, o preservador e Shiva, o destruidor (renovador). Porém muitas outra vertentes do hinduísmo parecem ser politeístas, então foquemos no judaísmo: Esta religião monoteísta poderia mesmo tão antiga quanto as demais mencionadas? 

Os Primórdios 

A história não esclarece todo o percurso das religiões, ao menos não se considerarmos como história somente a escrita que começou por volta de 3500 aC. 

Teríamos que recorrer à história pré-escrita, ou, para quem não gosta deste termo, teríamos que recorrer à história da arte e à arqueologia. Mesmo porque o mais antigo escrito encontrado do judaísmo parece pertencer ao século 6 a.C e isso é muito mais recente do que várias outras religiões. Porém sabe-se que os povos que praticavam a religião abraâmica e monoteísta já existiam muito antes do século 6 a.C. e preservavam suas tradições e ensinamentos religiosos de maneira oral, como tantas outras culturas espalhadas pelo globo terrestre.

Uma interpretação aceita na academia/ na ciência da história das religiões parece considerar que o judaísmo surgiu entre os séculos 15 a.C. e 20 a.C. Porém não há resposta definitiva se o judaísmo é mais novo ou mais antigo do que as religiões egípcia ou sumérias, pois não existem provas empíricas definitivas sobre assuntos tão antigos. Se tratando da arqueologia como complemento para o entendimento da história, torna-se muito difícil obter provas claras e incorruptíveis - Por exemplo, vide o caso da pirâmide de Khufu, que há quem conteste as supostas provas que liguem esta construção a tal faraó. 

O mesmo ocorre com o xintoísmo e com o taoismo. Os registros (da história escrita) são muito recentes quando comparados às suas datas de fundação tradicional: Pela tradição oral, entende-se que o xintoísmo é milhares de anos mais antigo do que a primeira escrita e que o taoísmo foi fundado séculos antes da 1ª dinastia chinesa (seja a Xia, ou a Shang). 

Sendo assim, nos sobra avaliar os próprios escritos religiosos de cada cultura e o que há de plausível no que se refere às datas das histórias das religiões, dos seus personagens etc. Embora seguindo uma descrição tradicional da cronologia do judaísmo, tal religião tenha sido fundada por Abraão, através da leitura dos próprios textos religiosos, entende-se que os personagens mais antigos da cronologia já "temiam" a Deus. Este temor não era o ato de lembrar de Deus só quando os personagens se deparavam com uma situação difícil, desesperadora ou urgente, certamente tais personagens muito mais antigos que Abraão tinham uma religiosidade/ espiritualidade. Desta forma, o (pré) judaísmo teria sido “fundado” pelo mais antigo personagem de seu livro sagrado: Adam (traduzido como Adão para a língua portuguesa). Por exemplo, de acordo com o livro “A Caverna dos Tesouros” do cristianismo sírio, apesar de ter cometido um grave pecado, sendo banido do Éden, Adão teria sido o primeiro sacerdote (de Deus, do monoteísmo, da religião “abraâmica”) na Terra. Este personagem e sua esposa, Eva, teriam vivido e/ ou chegado/ ou encarnado (n)à Terra por volta de 4000 aC. 

O livro foi escrito entre os séculos 3 e 6 (não há um consenso absoluto), porém trata de histórias de personagens muito mais antigos do que qualquer escrito do judaísmo/ do “velho testamento”, ou seja, trata de uma possível tradição oral. Tal tradição oral, por sua vez, indicaria que o surgimento do judaísmo (talvez mais precisamente uma religião monoteísta pré-judaica) ocorreu 500 anos antes dos primeiros sistemas de escrita na Terra. 

Na verdade é uma discussão pouco produtiva tentar descobrir qual religião é mais antiga: Possivelmente tal busca, muitas vezes seria meramente movida à base de orgulho, de fascinação e/ ou de rivalidade entre grupos de pessoas. Cada pessoa ou grupo de pessoas defenderia sua religião favorita, ou atacaria uma ou mais religiões das quais não gostasse por qualquer motivo. Porém as histórias destes personagem supostamente antiquíssimos tem finalidades mais importantes do que determinar a idade de uma religião ou de um povo: Elas tratam de questões éticas, fazendo crítica à inveja e à violência (história de Caim e Abel), à idolatria de familiares (Enos) à luxúria e à vaidade/ orgulho/ narcisismo (durante o período dos filhos de Lamech) etc.

O fato é que Adão e Eva são os personagens ou sacerdotes mais antigos das religiões “abraâmicas” e faz todo sentido que suas histórias contenham distorções e alegorias. Quando uma quantia de conhecimento se estende por um período muito grande e com grandes dificuldades de registro, é natural que se perca conteúdo e que se invente maneiras de tentar condensar e/ ou resumir fatos. Neste processo podem ocorrer combinações de histórias, distorções etc. 

Religião e Historicidade/ Ciência 

Vimos que a história e a religião judaica / hebraica se misturaram no decorrer do tempo e também vimos que a história humana é mais antiga do que a escrita, então muito da história foi transmitido oralmente por milênios e cada povo (cultura, civilização…) passou a fazer registros escritos em diferentes épocas. A quantidade de informação a ser transmitida ao longo de períodos tão extensos (séculos ou milênios) certamente é excessiva para povos que se apoiaram na cultura oral ao invés da escrita e por isso houveram “resumos” e condensações dos contos ao longo da história destas culturas (sejam ela a judaica/ hebraica, a persa, a nórdica, a celta, a japonesa, a yorubá, a tupi-guarani entre tantas outras). 

Apesar das possíveis e improdutivas discussões sobre o que era alegoria e o que eram fatos “empíricos” sobre Adão e Eva, fica implícito na Bíblia que seus filhos Caim e Set casaram-se, tiveram filhos e fundaram cidades (ou, ao menos, povoados). Além disto, Caim, por ter cometido o pecado do assassinato de seu irmão Abel, é marcado para que outros não o persigam e não o mate. Tudo isto já indica que haviam outros habitantes (seres humanos) na Terra, nem sendo necessário buscar estudos científicos para entender tal fato. A tentativa de reduzir a idade do ser humano na Terra para 4000 anos antes de Cristo, possivelmente nem foi feita por religiosos de boa índole: Em períodos de baixo letramento, talvez da antiguidade até a era medieval, tal fato pode ser mais aceitável, pois a maioria das pessoas não tinha tempo para ficar refletindo sobre a idade das civilizações ou da raça humana. Porém, com a difusão gradual do conhecimento a partir da renascença europeia (século 16), a insistência em tal argumento parece mais uma ferramenta típica para tentar se manter no poder, alegando conhecer toda história (ou origens) da humanidade. Ferramenta esta, muito útil na era medieval e em períodos mais antigos, onde era praticamente impossível estudar história e arqueologia a fundo e buscar propagar/ divulgar a verdade de maneira ampla. Porém defender a ideia de que a raça humana surgiu de um simples casal cerca de 4000 anos antes de Cristo, mostra-se uma atitude muito contraditória após o iluminismo (movimento intelectual da Europa entre os séculos 17 ao 19) e após o início da arqueologia e da geologia. Impor a ideia reducionista de que a raça humana tem poucos milhares de anos como se fosse verdade é desafiar outras religiões que afirmam que a raça humana e/ ou o cosmo são mais antigos (o hinduísmo por exemplo); é tentar impedir os estudos de geologia (e da arqueologia), seja quando tal área de estudo pertencia à filosofia natural no século 18, ou depois, a partir dos meados do século 19, na ciência.

Como estudar as Religiões e a História?

Vimos que muitas podem ser as motivações por trás do estudo das religiões e da história, sejam estudos vinculados (história das religiões) ou estudos separados entre si. Mas o que importa na religião? Seguir quem tem o poder/ quem dita ordens ou buscar a verdade e o bem maior? Eu fico com a segunda opção. Assim então, é possível tratar de variadas obras religiosas que permitem uma melhor investigação dos personagens mais antigos das religiões abraâmicas (e de outras religiões também), suas possíveis inter relações e suas respectivas linhagens até períodos mais recentes. 

Particularmente não me limito aos métodos exclusivos da ciência e sua suposta "neutralidade", que se mostrou frágil e contraditória, para não dizer inexistente, ao longo da história. Entendo que tanto o estudo da história, como o das religiões podem e devem ser pautados pela ética

Mas a ética não é área de estudo das ciências, e sim da filosofia... Sim. Eu sei disto e não descarto a ciência, mas o que quero dizer é que a finalidade dos estudos deve ser ética, portanto considero a filosofia essencial na construção de conhecimento. Se obtenho êxito ou fracasso, não sei dizer, mas sei que a ética não se limita a valores individuais pois abrange valores que fazem bem ao maior número de pessoas possível, ao coletivo - tem uma finalidade de melhoria não só individual/ moral, mas social também. Sei que tal tema é discutido há séculos e conheci gente que despreza a ética porque acha que a filosofia é muito teórica... Tais pessoas buscam conhecimentos tentando ser mais práticos; com mensuração matemática ou com evidências materiais, mas tal ênfase tida como científica muitas vezes provou se distanciar da ética e das finalidades que abrangem causas coletivas/ sociais. (para quem se interessar, tal tema é abordado aqui: https://amorpelosabersaberamar.blogspot.com/2024/08/a-anti-etica-etica-e-psique-humana.html) Portanto, apesar das dificuldades prefiro estudar os temas citados neste texto, buscando ser ético, buscando a verdade, que não é separável do conceito de pureza e sendo ambos conceitos relacionados à psiquê humana, eles estão relacionados ao amor. Pode parecer devaneio, mas esta verdade e pureza psíquicas almejadas no estudo ético das religiões, da espiritualidade e de sua história, se vinculam não a qualquer "tipo de amor", mas ao mais profundo e mais abrangente, portanto se relacionam com o amor ensinado por seres como Jesus. Não é um mero romantismo, pois não é um amor desvinculado da racionalidade, porém a finalidade destes estudos não é a racionalidade em si: é a busca de melhoria do ser humano como indivíduo e como coletivo/ sociedade. Esta busca de melhoria é a ontologia da filosofia ocidental fundada por Platão (citada na obra "Fédon") e se relaciona com a ideia (eidos) mais elevada ou mais perfeita abordada por este filósofo: o bem (kalos: o bem e belo, como explicado no diálogo "A República"). Pois como Platão indica em suas obras "O Banquete" e "Fedro", o bem é o que há de mais desejável, mais amável.

 

Leitura ecumênica de "O tesouro. A pérola. A rede"

O tesouro. A pérola. A rede   Legendas: ( Tomé: ciano , Mateus: azul , Filipe : magenta )  " Jesus disse: Também o reino dos céus ( do...