sábado, 7 de setembro de 2024

Qual é a idade da religião monoteísta? A História é só escrita?

Sistemas Religiosos e Mitologias

As mitologias de que ouvimos falar, como a grega, a nórdica, a celta, a indiana, a japonesa, a egípcia, a asteca entre outras, são sistemas religiosos. De certo modo referem-se não meramente aos contos sobre a origem da civilização ou do universo, mas também referem-se às religiões de suas respectivas culturas. 

A maioria delas têm contos incríveis, exagerados, ou até mesmo bizarros, sejam sobre deuses, seres fantásticos, ou fenômenos cosmogônicos e isto deve ter sido assim por variados motivos. Porém entende-se que (ao menos alguns d)os contos mais estranhos desses sistemas tratam de assuntos complexos para os povos da antiguidade. 

Entre tantos sistemas religiosos politeístas, ou que no mínimo cultuavam variadas entidades, existiu ao menos um diferente: O judaísmo, pois entende-se que esta religião sempre tenha sido monoteísta - Deus é um; o que existe entre a raça humana e Deus, é uma hierarquia de anjos, mas estes não são "deuses". Talvez possamos contar também com o masdeísmo (zoroastrismo), mas há quem diga que se tratava de uma religião dualista. No sanatana dharma (hinduísmo), a Kriya Yoga, explica que Brahman é O Deus (onipresente como de um monoteísmo etc) e que Brahma é só o seu aspecto criador, ao lado de Vishnu, o preservador e Shiva, o destruidor (renovador). Porém muitas outra vertentes do hinduísmo parecem ser politeístas, então foquemos no judaísmo: Esta religião monoteísta poderia mesmo tão antiga quanto as demais mencionadas? 

Os Primórdios 

A história não esclarece todo o percurso das religiões, ao menos não se considerarmos como história somente a escrita que começou por volta de 3500 aC. 

Teríamos que recorrer à história pré-escrita, ou, para quem não gosta deste termo, teríamos que recorrer à história da arte e à arqueologia. Mesmo porque o mais antigo escrito encontrado do judaísmo parece pertencer ao século 6 a.C e isso é muito mais recente do que várias outras religiões. Porém sabe-se que os povos que praticavam a religião abraâmica e monoteísta já existiam muito antes do século 6 a.C. e preservavam suas tradições e ensinamentos religiosos de maneira oral, como tantas outras culturas espalhadas pelo globo terrestre.

Uma interpretação aceita na academia/ na ciência da história das religiões parece considerar que o judaísmo surgiu entre os séculos 15 a.C. e 20 a.C. Porém não há resposta definitiva se o judaísmo é mais novo ou mais antigo do que as religiões egípcia ou sumérias, pois não existem provas empíricas definitivas sobre assuntos tão antigos. Se tratando da arqueologia como complemento para o entendimento da história, torna-se muito difícil obter provas claras e incorruptíveis - Por exemplo, vide o caso da pirâmide de Khufu, que há quem conteste as supostas provas que liguem esta construção a tal faraó. 

O mesmo ocorre com o xintoísmo e com o taoismo. Os registros (da história escrita) são muito recentes quando comparados às suas datas de fundação tradicional: Pela tradição oral, entende-se que o xintoísmo é milhares de anos mais antigo do que a primeira escrita e que o taoísmo foi fundado séculos antes da 1ª dinastia chinesa (seja a Xia, ou a Shang). 

Sendo assim, nos sobra avaliar os próprios escritos religiosos de cada cultura e o que há de plausível no que se refere às datas das histórias das religiões, dos seus personagens etc. Embora seguindo uma descrição tradicional da cronologia do judaísmo, tal religião tenha sido fundada por Abraão, através da leitura dos próprios textos religiosos, entende-se que os personagens mais antigos da cronologia já "temiam" a Deus. Este temor não era o ato de lembrar de Deus só quando os personagens se deparavam com uma situação difícil, desesperadora ou urgente, certamente tais personagens muito mais antigos que Abraão tinham uma religiosidade/ espiritualidade. Desta forma, o (pré) judaísmo teria sido “fundado” pelo mais antigo personagem de seu livro sagrado: Adam (traduzido como Adão para a língua portuguesa). Por exemplo, de acordo com o livro “A Caverna dos Tesouros” do cristianismo sírio, apesar de ter cometido um grave pecado, sendo banido do Éden, Adão teria sido o primeiro sacerdote (de Deus, do monoteísmo, da religião “abraâmica”) na Terra. Este personagem e sua esposa, Eva, teriam vivido e/ ou chegado/ ou encarnado (n)à Terra por volta de 4000 aC. 

O livro foi escrito entre os séculos 3 e 6 (não há um consenso absoluto), porém trata de histórias de personagens muito mais antigos do que qualquer escrito do judaísmo/ do “velho testamento”, ou seja, trata de uma possível tradição oral. Tal tradição oral, por sua vez, indicaria que o surgimento do judaísmo (talvez mais precisamente uma religião monoteísta pré-judaica) ocorreu 500 anos antes dos primeiros sistemas de escrita na Terra. 

Na verdade é uma discussão pouco produtiva tentar descobrir qual religião é mais antiga: Possivelmente tal busca, muitas vezes seria meramente movida à base de orgulho, de fascinação e/ ou de rivalidade entre grupos de pessoas. Cada pessoa ou grupo de pessoas defenderia sua religião favorita, ou atacaria uma ou mais religiões das quais não gostasse por qualquer motivo. Porém as histórias destes personagem supostamente antiquíssimos tem finalidades mais importantes do que determinar a idade de uma religião ou de um povo: Elas tratam de questões éticas, fazendo crítica à inveja e à violência (história de Caim e Abel), à idolatria de familiares (Enos) à luxúria e à vaidade/ orgulho/ narcisismo (durante o período dos filhos de Lamech) etc.

O fato é que Adão e Eva são os personagens ou sacerdotes mais antigos das religiões “abraâmicas” e faz todo sentido que suas histórias contenham distorções e alegorias. Quando uma quantia de conhecimento se estende por um período muito grande e com grandes dificuldades de registro, é natural que se perca conteúdo e que se invente maneiras de tentar condensar e/ ou resumir fatos. Neste processo podem ocorrer combinações de histórias, distorções etc. 

Religião e Historicidade/ Ciência 

Vimos que a história e a religião judaica / hebraica se misturaram no decorrer do tempo e também vimos que a história humana é mais antiga do que a escrita, então muito da história foi transmitido oralmente por milênios e cada povo (cultura, civilização…) passou a fazer registros escritos em diferentes épocas. A quantidade de informação a ser transmitida ao longo de períodos tão extensos (séculos ou milênios) certamente é excessiva para povos que se apoiaram na cultura oral ao invés da escrita e por isso houveram “resumos” e condensações dos contos ao longo da história destas culturas (sejam ela a judaica/ hebraica, a persa, a nórdica, a celta, a japonesa, a yorubá, a tupi-guarani entre tantas outras). 

Apesar das possíveis e improdutivas discussões sobre o que era alegoria e o que eram fatos “empíricos” sobre Adão e Eva, fica implícito na Bíblia que seus filhos Caim e Set casaram-se, tiveram filhos e fundaram cidades (ou, ao menos, povoados). Além disto, Caim, por ter cometido o pecado do assassinato de seu irmão Abel, é marcado para que outros não o persigam e não o mate. Tudo isto já indica que haviam outros habitantes (seres humanos) na Terra, nem sendo necessário buscar estudos científicos para entender tal fato. A tentativa de reduzir a idade do ser humano na Terra para 4000 anos antes de Cristo, possivelmente nem foi feita por religiosos de boa índole: Em períodos de baixo letramento, talvez da antiguidade até a era medieval, tal fato pode ser mais aceitável, pois a maioria das pessoas não tinha tempo para ficar refletindo sobre a idade das civilizações ou da raça humana. Porém, com a difusão gradual do conhecimento a partir da renascença europeia (século 16), a insistência em tal argumento parece mais uma ferramenta típica para tentar se manter no poder, alegando conhecer toda história (ou origens) da humanidade. Ferramenta esta, muito útil na era medieval e em períodos mais antigos, onde era praticamente impossível estudar história e arqueologia a fundo e buscar propagar/ divulgar a verdade de maneira ampla. Porém defender a ideia de que a raça humana surgiu de um simples casal cerca de 4000 anos antes de Cristo, mostra-se uma atitude muito contraditória após o iluminismo (movimento intelectual da Europa entre os séculos 17 ao 19) e após o início da arqueologia e da geologia. Impor a ideia reducionista de que a raça humana tem poucos milhares de anos como se fosse verdade é desafiar outras religiões que afirmam que a raça humana e/ ou o cosmo são mais antigos (o hinduísmo por exemplo); é tentar impedir os estudos de geologia (e da arqueologia), seja quando tal área de estudo pertencia à filosofia natural no século 18, ou depois, a partir dos meados do século 19, na ciência.

Como estudar as Religiões e a História?

Vimos que muitas podem ser as motivações por trás do estudo das religiões e da história, sejam estudos vinculados (história das religiões) ou estudos separados entre si. Mas o que importa na religião? Seguir quem tem o poder/ quem dita ordens ou buscar a verdade e o bem maior? Eu fico com a segunda opção. Assim então, é possível tratar de variadas obras religiosas que permitem uma melhor investigação dos personagens mais antigos das religiões abraâmicas (e de outras religiões também), suas possíveis inter relações e suas respectivas linhagens até períodos mais recentes. 

Particularmente não me limito aos métodos exclusivos da ciência e sua suposta "neutralidade", que se mostrou frágil e contraditória, para não dizer inexistente, ao longo da história. Entendo que tanto o estudo da história, como o das religiões podem e devem ser pautados pela ética

Mas a ética não é área de estudo das ciências, e sim da filosofia... Sim. Eu sei disto e não descarto a ciência, mas o que quero dizer é que a finalidade dos estudos deve ser ética, portanto considero a filosofia essencial na construção de conhecimento. Se obtenho êxito ou fracasso, não sei dizer, mas sei que a ética não se limita a valores individuais pois abrange valores que fazem bem ao maior número de pessoas possível, ao coletivo - tem uma finalidade de melhoria não só individual/ moral, mas social também. Sei que tal tema é discutido há séculos e conheci gente que despreza a ética porque acha que a filosofia é muito teórica... Tais pessoas buscam conhecimentos tentando ser mais práticos; com mensuração matemática ou com evidências materiais, mas tal ênfase tida como científica muitas vezes provou se distanciar da ética e das finalidades que abrangem causas coletivas/ sociais. (para quem se interessar, tal tema é abordado aqui: https://amorpelosabersaberamar.blogspot.com/2024/08/a-anti-etica-etica-e-psique-humana.html) Portanto, apesar das dificuldades prefiro estudar os temas citados neste texto, buscando ser ético, buscando a verdade, que não é separável do conceito de pureza e sendo ambos conceitos relacionados à psiquê humana, eles estão relacionados ao amor. Pode parecer devaneio, mas esta verdade e pureza psíquicas almejadas no estudo ético das religiões, da espiritualidade e de sua história, se vinculam não a qualquer "tipo de amor", mas ao mais profundo e mais abrangente, portanto se relacionam com o amor ensinado por seres como Jesus. Não é um mero romantismo, pois não é um amor desvinculado da racionalidade, porém a finalidade destes estudos não é a racionalidade em si: é a busca de melhoria do ser humano como indivíduo e como coletivo/ sociedade. Esta busca de melhoria é a ontologia da filosofia ocidental fundada por Platão (citada na obra "Fédon") e se relaciona com a ideia (eidos) mais elevada ou mais perfeita abordada por este filósofo: o bem (kalos: o bem e belo, como explicado no diálogo "A República"). Pois como Platão indica em suas obras "O Banquete" e "Fedro", o bem é o que há de mais desejável, mais amável.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Leitura ecumênica de "O tesouro. A pérola. A rede"

O tesouro. A pérola. A rede   Legendas: ( Tomé: ciano , Mateus: azul , Filipe : magenta )  " Jesus disse: Também o reino dos céus ( do...