Jesus paga o imposto (Mateus)
"Chegando eles a Cafarnaum, aproximaram-se de Pedro os que cobravam as dracmas, e disseram: O vosso mestre não paga as dracmas (o imposto)?
Disse ele: Sim.
E, entrando em casa, Jesus se lhe antecipou, dizendo: Que te parece, Simão? De quem cobram os reis da terra os tributos, ou o censo? Dos seus filhos, ou dos alheios?
Disse-lhe Pedro: Dos alheios (estranhos, estrangeiros).
Disse-lhe Jesus: Logo, estão livres os filhos. Mas, para que os não escandalizemos, vai ao mar, lança o anzol, tira o primeiro peixe que subir, e abrindo-lhe a boca, encontrarás um estáter; toma-o, e dá-o por mim e por ti."
Independente se o cobrador do imposto era de um templo judeu ou do Império Romano, Jesus evita possuir privilégios, colocando-se em posição de humildade e pagando o imposto. Não se trata de considerar uma autoridade terrestre superior aos ensinamentos de Deus, mas sim de uma questão de evitar manter possíveis privilégios e evitar conflitos desnecessários. Portanto o que importa é o objetivo; Jesus pagou para o bem, possivelmente pensando também em evitar que seus discípulos fossem perseguidos antes de sua missão terminar.
Humildade, Inveja, Escândalo (Mateus, Marcos, Lucas)
"Em seguida, voltaram para Cafarnaum. Quando já estavam em casa, Jesus perguntou-lhes: De que faláveis pelo caminho?
Mas eles calaram-se, porque pelo caminho haviam discutido entre si qual deles seria o melhor. Sentando-se, Jesus chamou os doze e penetrando nos pensamentos de seus corações, disse-lhes: Se alguém quer ser o primeiro, seja o último de todos e o servo de todos.
Neste momento os discípulos se aproximaram de Jesus e perguntaram:
Quem é o maior no reino dos céus?
Jesus tomou um menino, colocou-o no meio deles, abraçou-o e disse-lhes:
Em verdade vos declaro, se não vos transformardes e vos tornardes como criancinhas, não entrareis no reino dos céus. Todo o que recebe a um destes meninos em meu nome, é a mim que recebe e todo o que recebe a mim, não me recebe a mim, mas aquele que me enviou”.
E João lhe respondeu, dizendo: Mestre, vimos um que em teu nome expulsava demônios, o qual não nos segue; e nós lhe proibimos, porque não nos segue.
Jesus, porém, disse: Não lhe proibais; porque ninguém há que faça milagre em meu nome e possa logo falar mal de mim. Porque quem não é contra nós, é por nós. Porquanto, qualquer que vos der a beber um copo de água em meu nome, porque sois discípulos de Cristo, em verdade vos digo que não perderá o seu galardão (sua recompensa).
Mas se alguém fizer cair em pecado (ou escandalizar) um destes pequeninos que crêem em mim, melhor que fôra que lhe atassem ao pescoço a mó de atafona (pedra de moinho), e o lançassem no fundo do mar.
Guardai-vos de menosprezar um desses pequeninos! Porque eu vos digo que seus anjos nos céus contemplam sem cessar a face de meu Pai. Assim é a vontade de vosso Pai celeste: que não se perca um desses pequeninos.
Ai do mundo por causa dos escândalos! Eles são inevitáveis, mas ai do homem que os causa! Por isso, se tua mão ou teu pé te fazem cair em pecado, corta-os e lança-os longe de ti. É melhor para ti entrardes na vida coxo ou manco, que tendo dois pés e duas mãos, ires para o gehena, para o fogo inextinguível (onde o seu verme não morre e o fogo não se apaga).
E, se o teu olho te escandalizar, lança-o fora; melhor é para ti entrares no reino de Deus com um só olho do que, tendo dois olhos, seres lançado no fogo do inferno, onde o seu verme não morre, e o fogo nunca se apaga.
Porque cada um será salgado com fogo, e cada sacrifício será salgado com sal.
Bom é o sal; mas, se o sal se tornar insípido, com que o temperareis? Tende sal em vós mesmos, e paz uns com os outros."
Sem humildade não há esperança de um bom pós vida. Não há reino dos céus, ou de Deus, seja como preferirem chamar. Por isso é uma tolice disputar quem é melhor em qualquer coisa e por isso Jesus mostrou a criança como exemplo para seus apóstolos.
A criança da Judéia e do Império Romano durante o século 1 era menosprezada em linhas gerais e era possivelmente humilhada com frequência por não ter direito algum. Não haviam direitos para a criança, pois tais leis de proteção são mais recentes na história das civilizações (após século 19). Além disto, a criança é humilde por estar na fase inicial da vida e conhecer pouco do mundo. Assim Jesus mostra que é preciso ser humilde em vários sentidos: suportar menosprezo e ameaças e não mostrar soberba, orgulho nem vaidade, como a criança que conhece pouco da vida. Ser humilde não é sinônimo de ser ignorante nem tapado, nem tolo, ou enganado. Tanto que a seguir, Jesus critica aqueles que humilham, corrompem, enganam e, em geral, maltratam as crianças (abordando o escândalo): Seria melhor amarrar uma rocha nestes corruptores e atirá-los ao mar para que afundassem. Pois estes corruptores podem fazer grandes estragos na vida dos humildes. Obviamente isso se estende para além das crianças: Jesus defende todos os oprimidos, vulneráveis e necessitados. Este tema também é entendido como uma incitação para que as pessoas em posição melhor do que os vulneráveis controlem seus próprios impulsos maléficos, atacando a raiz do que os levam a fazer o mal, mas não deve ser levado ao pé da letra - Jesus não incita a violência contra si mesmo - trata-se de sua típica linguagem de metáforas.
O escândalo no evangelho tem um significado mais geral do que quebrar regras sociais e religiosas causando indignação. Se refere mais ao mal resultante, mesmo porque Jesus questionava as regras sociais de sua época e os costumes religiosos dos fariseus, escribas e afins. Os escândalos são inevitáveis por serem resultado de imperfeições humanas e não é por isso que se defende quem causa os escândalos, estes serão julgados pela lei de Deus e cumprirão a pena adequada, seja durante a vida ou no “pós vida''.
Jesus indica o quão grave é prejudicar crianças (seja corrompendo elas ou lhes causando quaisquer males) ao dizer que seria melhor jogar o indivíduo que fizer isso, ao mar, amarrado a uma pedra de moinho. Isto vai para além da esfera espiritual, pois crianças são seres dependentes: quanto menores, mais são vulneráveis e mais dependem de seus cuidadores (pais etc) adultos. Na infância forma-se as emoções, os sentimentos, a personalidade, além da educação que pode ajudar a criança a se tornar um adulto ético, que respeita e vive em paz com toda a criação de Deus (todas formas de vida etc).
Finalizando este tema, Jesus menciona que é melhor entrar em vida manco ou cego do que cometer qualquer tipo de pecado ou crime contra as crianças e cumprir sua pena no além vida. Este termo “entrar em vida” dá mais um indício da transição entre existências - a vida material e alguma(s) vida(s) além, possivelmente a vida espiritual.
Jesus também critica o clubismo (possivelmente referindo-se à inveja) - a rivalidade fútil: Porque atacar ou inibir o estranho que realiza as mesmas obras que você? Não se ataca outra boa pessoa só porque ela pertence a um grupo diferente do teu.
Por fim, a parte menos clara, é a menção que Jesus faz sobre o sal: Talvez o sal seja a expressão de sentimentos, como as emoções, por isso Ele diz que cada um será salgado com o fogo. O fogo, como o sentimento, pode ser bom ou pode ser ruim.
O sal é necessário, porque o mundo sem as boas emoções, seria insípido ou pior. Que estas emoções sejam expressão de sentimentos como o amor a Deus e portanto, o amor ao próximo, a si mesmo, enfim a todos, pois Deus, sendo onipresente, está em tudo. Este amor permitirá que ocorra o progresso da Terra.
Curioso como o fogo do inferno/ gehena salgará o indivíduo (certamente a alma, no pós vida). Salgar refere-se a preservar da corrupção, do apodrecimento, ou seja, o sofrimento (tristeza, raiva, desespero, arrependimento etc) da alma servirá para que esta não se corrompa/ não “apodreça”... Poderia ser uma insinuação a pagar um determinado preço pelos crimes/ erros em vida para seguir sua jornada? Para reencarnar? Afinal, em outras passagens da bíblia Jesus fala nem meu Pai (Deus) julga e também diz serão todos ensinados por Deus!
Os apóstolos disseram aos discípulos: "Que toda a nossa oferta obtenha sal". Eles chamavam Sophia de "sal". Sem ele, nenhuma oferta é aceitável. Mas Sophia é estéril, sem filhos. Por esta razão, ela é chamada de "um traço de sal". [...]
Este texto de Felipe está incompleto, mas traz uma vaga ideia de um significado da palavra sal entre os seguidores de Jesus: Sophia, que certamente quer dizer saber, ou sabedoria. Aqui o sal possivelmente se refere à sabedoria para evitar o erro (pecado/ crime) e também pode se referir ao aprender com algum sofrimento após o erro, o saber adquirido após o pagamento das dívidas.
Isto tem similaridade com as ideias de Platão apresentadas em textos como "Górgias": Ali o filósofo indica que a justiça serve como cura para a psiquê (alma, mente...) e embora aqueles que cometam crimes geralmente se neguem a sofrer uma pena adequada (como crianças que se negam a tomar um remédio ou fazer um tratamento por causa do desconforto ou dor que esse possa causar), a finalidade da justiça é fazer com que a psiquê entenda o erro cometido e evite a cometê-lo de novo; Assim a justiça, ao invés de punir por punir, deveria ter uma função de aplicar uma sentença para curar ou corrigir a psiquê das pessoas. Isto porque, se o indivíduo que comete um crime ou um erro (pecado) não corrigir-se na vida sensorial/ corpórea, ele terá que se corrigir após deixar o corpo o que possivelmente é mais difícil e mais doloroso - Deste destino mais penoso da alma é que devem ter surgido os conceitos de "geena", "inferno" e outros similares. Este sofrimento não é sofrer por sofrer; é sofrer para tentar se corrigir, pois Deus é justo, mas é piedoso como mostrado anteriormente.
Por fim, Platão no diálogo "Crátilo" indica que Hades, entidade que representa o mundo das almas dos mortos, prende as almas pelo desejo delas de se juntarem a alguém que as façam melhores, pois os "grilhões" do desejo são os mais fortes, ou seja, os que melhor prendem as almas. Porém Hades que pode dar essa riqueza para as almas, só aceita a companhia daquelas que se desapegaram do corpo e das coisas corpóreas. Daí a necessidade da mentempsicose/ reencarnação - Para que as almas adquiram a riqueza que se refere à melhoria, conforme o conceito de virtude/ excelência de Platão; Pois as almas que vão para o "Hades", o "mundo das almas", desejam se tornar mais justas, moderadas, corajosas e boas/ belas.
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