sábado, 21 de dezembro de 2024

Leitura ecumênica sobre "O fim e o começo", "as desgraças" e a "figueira"

Aqui estão duas passagens do evangelho de Lucas e duas de Tomé. Elas ilustram que mesmo Deus sendo onipresente/ transcendendo o espaço-tempo nos deu o livre arbítrio - a capacidade de tomar decisões, fazer escolhas, agir e arcar com consequências. Isto indica o elo entre liberdade e responsabilidade, ação e resultado, além de uma complexidade nas relações das sociedades típicas da vida terrena/ corpórea.

O fim é o começo (Tomé) 
"Os discípulos disseram a Jesus: "Diga-nos como será o nosso fim." 
 Jesus disse: "Vocês descobriram, então, o princípio, (por) que vocês procuram o fim? Pois onde está o começo, lá o final estará. Bem-aventurado aquele que tomar o seu lugar no princípio; ele conhecerá o fim e não experimentará a morte." 

 Embora tenha um teor misterioso, este texto de Tomé parece se referir não só a Deus ou ao destino espiritual, mas também a não-linearidade do tempo e/ou da realidade. Aquele que prioriza o Criador e sua lei de amor (Deus, “o princípio e o fim”) se livrará do sofrimento dos ciclos de morte e renascimento. Isto também está de acordo com o hinduísmo, pois Deus (Brahman) não é só o Criador (Brahma), é o Mantenedor (Vishnu) e o Destruidor/ Renovador (Shiva). 

 As desgraças nem sempre são castigo (Lucas) 
"Naquele mesmo tempo, estavam presentes ali alguns que lhe falavam dos galileus, cujo sangue Pilatos misturara com os seus sacrifícios. 
 E, respondendo Jesus, disse-lhes: Pensais vós que esses galileus foram mais pecadores do que todos os galileus, por terem padecido tais coisas? 
 Não, vos digo; Porém, se não vos arrependerdes, todos de igual modo perecereis. 
 E aqueles dezoito, sobre os quais caiu a torre de Siloé e os matou, cuidais que foram mais culpados do que todos os demais habitantes em Jerusalém? 
 Digo-vos, não. Antes, se não vos arrependerdes, todos de igual modo perecereis." 

 Certamente devido a crer no Deus único e onipresente/ onipotente, os judeus pensavam que muitas coisas (ou todas as coisas) que aconteciam na Terra tinham uma causa diretamente divina. Porém tal visão extremista tem dois erros: desconsidera o livre arbítrio e faz de Deus, um castigador, causador das desgraças humanas e terrenas. As as desgraças ocorrem por uma série de fatores da natureza da Terra e dos comportamentos do ser humano. As do primeiro tipo, causadas pela natureza, geralmente são mais difíceis de prever, (recursos e conhecimentos para prever tais fenômenos só foram desenvolvidos por volta do século 19 em diante), podendo ser desastres climáticos, geológicos etc. As do segundo tipo têm influência humana mais ou menos direta - são desastres arquitetônicos, desentendimentos políticos e econômicos que acabam em repressão e violência, entre outras tragédias envolvendo descuido, ignorância, desprezo pelos outros, ganância etc. 
 Em ambos casos podem não ser um castigo do destino/ divino/ espiritual, como é mostrado nesta passagem do apóstolo Lucas. Nem os galileus que se opuseram ao governador romano Pilatos e nem os esmagados pelo desabamento da torre de Siloé sofreram tais tragédias por serem mais pecadores do que o restante do povo. Isto porque Deus concedeu o livre arbítrio ao ser humano, não só em questões individuais, mas (consequentemente) em algum nível, nas questões coletivas também, ou seja, nas relações sociais que envolvem a política, nos deveres que envolvem o trabalho e a economia etc. Afinal as decisões e ações humanas afetam outros seres humanos e alegar que as vítimas de crimes ou erros humanos estão pagando por seus pecados é um julgamento não só supersticioso mas também insensível. 
 Certamente Jesus recomenda o arrependimento como forma de seus discípulos não esquecerem de viver o bem, afastando-se dos pecados que são as atitudes orgulhosas, de desprezo, de descaso, de egoísmo etc. Os que vivem a palavra de Jesus certamente serão mais protegidos até que cumpram as coisas mais importantes, como suas tarefas justas / benevolentes, conforme a lei divina de amor. 

 A figueira estéril (Lucas) 
"(Jesus) dizia esta parábola: Um certo homem tinha uma figueira plantada na sua vinha, e foi procurar nela fruto, não o achando; 
 E disse ao vinhateiro: Eis que há três anos venho procurar fruto nesta figueira, e não o acho. Corta-a; por que ocupa ainda a terra inutilmente? 
 E, respondendo ele, disse-lhe: Senhor, deixa-a este ano, até que eu a escave e a esterque; 
 E, se der fruto, ficará e, se não, depois a mandarás cortar." 

 Certamente esta parábola ressalta a importância de se fazer o bem, ou seja, gerar os frutos da lei divina/ dos ensinamentos de Cristo. 
 Haverão chances para se praticar a humildade e o perdão, fomentando e propagando a solidariedade, a equidade e a esperança. Porém também haverá a hora do julgamento, que é realizado entre a lei divina e cada pessoa individualmente. A alma não consegue se esconder de Deus e diante suas forças e de sua lei pura que rege todo o cosmo, ela julgará a si mesma.(*) Este julgamento não pode ser falso, pois Deus está em toda sua criação, portanto está em todas as almas - é impossível esconder qualquer fato de Deus, por isso a alma pecadora condena a si mesma quando a hora chegar. Esse auto julgamento da alma está em clara harmonia com o ensinamento de Jesus, quando ele fala para "não olhar o cisco no olho dos outros" - não se deve julgar os outros, cada indivíduo/ alma só deve julgar a si mesma após realizar seus atos, fazendo um julgamento mais definitivo após deixar o corpo/ a vida corpórea.

 A alma e a luz (Tomé) 
 Jesus disse: "Ame seu irmão como a sua alma, guarde-o como a pupila do seu olho." 
 Seus discípulos lhe disseram: "Mostra-nos o lugar onde estás, pois é necessário que o busquemos." Ele lhes disse: “Quem tem ouvidos, ouça. Há luz dentro de um homem de luz, e ele (ou "isso") ilumina todo o mundo. Se ele (ou "isso") não brilha, ele (ou "isso") é escuridão." 

 Deixar de ser solidário quando há qualquer oportunidade de ajudar o próximo é um erro, assim como optar por um ato violento contra alguém, quando há uma solução pacífica ao alcance. Existem inúmeras maneiras de se realizar pequenas benevolências, mas se a pessoa opta por não realizá-las, ela está em pecado. Ao optar por não fazer o bem nestes casos, a pessoa pode fingir e mentir para si mesma, tentando convencer-se de que está sendo apenas neutra, mas na verdade está fazendo uma escolha e esta escolha de não fazer o bem quando é possível, é uma escolha contrária ao bem, ou seja, uma escolha má. 
 Jesus diz que há luz dentro do ser humano, porque esta luz é o bem. Assim como a alma, ou espírito, ela (o bem, manifesto como um tipo de luz) existe em um estado de sutileza superior ao que os sentidos das formas de vida terrestre conseguem captar. 
O diálogo de Jesus com Nicodemos no evangelho de João menciona não só o fato da alma julgar a si mesma (*), mas também parece se referir a essa luz citada no evangelho de Tomé: “Ora, este é o julgamento: a luz veio ao mundo, mas os homens amaram mais as trevas do que a luz, pois as suas obras eram más. Porquanto todo aquele que faz o mal odeia a luz e não vem para a luz, para que suas obras não sejam reprovadas. Mas aquele que pratica a verdade, vem para a luz. Torna-se assim claro que suas obras são feitas em Deus.” 
 No diálogo entre Fedro e Sócrates, Platão indica que as virtudes, como a justiça, a temperança, a coragem e o bem/ belo, resplandecem no hiper ouranos, a morada dos deuses/ dos abençoados. Porém, aqui na Terra, só alguns poucos indivíduos por meio dos órgãos dos sentidos percebem a natureza de tais virtudes que imitam. Assim, entende-se que para enxergar a verdadeira beleza na Terra, é preciso estar iniciado naquilo que nos eleva ao divino e é necessário estar querendo não se separar da excelência - as virtudes mencionadas pelo filósofo.

 

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