Os apóstolos e a luz de Deus (Tomé)
Jesus disse: "Se eles disserem a você: 'De onde você veio?', diga-lhes: 'Nós viemos da luz, o lugar onde a luz nasceu por si mesma e se estabeleceu [a si mesma] e se manifestou através de sua imagem.' Se lhe disserem: 'É você?', diga: 'Somos seus filhos, somos os eleitos do Pai Vivo'. Se lhe perguntarem: 'Qual é o sinal de seu pai em você?', diga-lhes: 'É movimento e repouso'."
Seus discípulos lhe disseram: "Quando virá o repouso dos mortos e quando virá o novo mundo?" Ele lhes disse: "O que vocês esperam já chegou, mas vocês não reconhecem".
Mais um texto de Tomé onde o autor fala da "luz" e da "imagem"; Como notado nos textos anteriores de Filipe e de Tomé, a luz é uma realidade superior, divina, pois está relacionada com “O Pai”, ou seja, Deus. O mundo e a vida que percebemos são imagens e a luz divina se manifesta nestas imagens, através delas etc.
Sobre o “movimento e o repouso”, talvez Jesus se refira a vida material e a vida espiritual (encarnada e desencarnada), tanto que em seguida os discípulos relacionam o repouso com os mortos e a vinda do “novo mundo”. Jesus então responde que esse novo mundo já chegou, certamente porque não deve-se ficar aguardando um reino celeste, divino etc. Jesus ensina a vivermos a lei de amor, pois assim construímos o reino de Deus na Terra. Sem ações baseadas na solidariedade, na equidade e no amor, a fé, a espiritualidade e a religião ficam alienadas e inertes. Não só a espiritualidade e a religiosidade ficam alienadas, como a própria vida social do ser humano ficaria insuportável sem a prática dos ensinamentos de Jesus. Uma vida sem amor, sem solidariedade e sem equidade, é uma vida de desprezo, intolerância e iniquidade, onde cada pessoa prioriza seus próprios benefícios mesquinhos/ egoístas ou imediatistas, competindo constantemente uns com os outros.
Renúncia (Mateus, Marcos, Lucas, João)
"Em seguida dizia a todos: Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, e tome cada dia a sua cruz, e siga-me.
Porque, qualquer que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas qualquer que, por amor de mim, perder a sua vida, a salvará.
Porque, que aproveita ao homem granjear (ganhar) o mundo todo, perdendo-se ou prejudicando-se a si mesmo?
Porque, qualquer que de mim e das minhas palavras se envergonhar, dele se envergonhará o Filho do homem, quando vier na sua glória, e na do Pai e dos santos anjos.
E em verdade vos digo que, dos que aqui estão, alguns há que não provarão a morte até que vejam o reino de Deus."
Este ensinamento completa outros, como o que diz que não se serve 2 mestres ao mesmo tempo (a riqueza material e à Deus), o que diz que os ricos e os poderosos perseguirão os verdadeiros difusores do cristianismo e o que diz que o “mundo” odiará à Jesus (e seus seguidores). Quem verdadeiramente prioriza a prática do cristianismo não deve buscar salvar a própria vida, nem deve buscar grandes fortunas e glória na Terra. Não se trata de ser suicida e sim, de não agir baseado no medo de cair na miséria ou na morte. Por isso a prática dos ensinamentos de Cristo requer dedicação, pois deve ser o sentido de vida da pessoa…
Além disto, esses ensinamentos também parecem completar os textos de Tomé e Filipe sobre “o mundo das imagens”. Oras, se a realidade superior é Deus e sua luz, porque temer? Porque ser egoísta?
Yogananda que propagou a Krya yoga do sanatana dharma (hinduísmo) na América, traz em sua autobiografia, o interessante conto sobre Bhaduri, um santo/ mestre espiritual: Ele diz que os discípulos do iogue, após este explicar questões filosóficas sobre uma princesa medieval do Rajastão, chamada Mirabai, estavam admirados como o mestre havia abandonado/ renunciado as coisas do mundo para ensinar sobre a espiritualidade/ o hinduísmo. Então Bhaduri responde a um de seus discípulos que este estava invertendo as coisas: Ele (Bhaduri) apenas abandonou um punhado de dinheiro desprezível e de prazeres mesquinhos para se dedicar ao império cósmico de bem-aventurança interminável, pois conhece a alegria de partilhar o tesouro. Afinal, "para encontrar O Ser Divino, é indispensável só o amor"; Então o mestre iogue completa seu ensinamento de forma curiosa dizendo: "As multidões míopes do mundo é que são as verdadeiras renunciantes! Renegaram um bem divino sem paralelo por um mísero punhado de brinquedos" (se referindo às várias coisas terrenas).
Transfiguração (Mateus, Marcos, Lucas)
"Aconteceu que, quase oito dias depois destas palavras, tomou consigo a Pedro, a João e a Tiago, e subiu ao monte a orar.
Estando ele orando, transfigurou-se a aparência do seu rosto, e a sua roupa ficou branca e muito resplandecente.
Eis que estavam falando com ele dois homens, que eram Moisés e Elias, Os quais apareceram com glória, e falavam da sua morte, a qual havia de cumprir-se em Jerusalém. Pedro e os que estavam com ele estavam carregados de sono; e, quando despertaram, viram a sua glória e aqueles dois homens que estavam com ele.
E aconteceu que, quando aqueles se apartaram dele, disse Pedro a Jesus: Mestre, bom é que nós estejamos aqui, e façamos três tendas: uma para ti, uma para Moisés, e uma para Elias, não sabendo o que dizia. Ao dizer ele isto, veio uma nuvem (luminosa) que os cobriu com a sua sombra; e, entrando eles na nuvem, temeram.
E saiu da nuvem uma voz que dizia: Este é o meu amado Filho; a ele ouvi.
Tendo soado aquela voz, Jesus foi achado só; e eles calaram-se, e por aqueles dias não contaram a ninguém nada do que tinham visto."
Esta passagem mostra a existência de espíritos e consequentemente de um “mundo” (ou dimensão etc) dos espíritos. Ela também mostra a proximidade de Jesus com Deus, pois ao subir no monte para orar, os três apóstolos que estavam junto dele compartilharam de sua experiência: Todos viram Elias e Moisés com glória. Por fim, a frase “Este é o meu amado Filho, ouvi-o” confirma a proximidade e união de Jesus com Deus. Assim, também é possível entender a importância e o potencial da oração, que deve ser feita com humildade, sinceridade e firmeza (fé).
Como Jesus se Transfigurava (Filipe)
"Jesus levou todos eles furtivamente, pois ele não apareceu como era, mas da maneira como eles poderiam vê-lo. Ele apareceu para todos eles. Ele apareceu para os grandes como grandes. Ele apareceu para o pequeno como pequeno. Ele apareceu aos anjos como um anjo e aos homens como um homem. Por isso, sua palavra se escondeu de todos. Alguns de fato o viram, pensando que estavam vendo a si mesmos, mas quando ele apareceu aos seus discípulos em glória no monte, ele não era pequeno. Ele se tornou grande, mas engrandeceu os discípulos, para que pudessem vê-lo em sua grandeza."
Embora este texto de Filipe possa ser considerado polêmico por permitir a interpretação de que Jesus apareceu de diferentes maneiras conforme as pessoas com quem interagia, para aqueles que acreditam na grandiosidade de Cristo, ele não deveria ser fonte de controvérsia alguma. Jesus certamente teve alguns aspectos praticamente incompreensíveis para os seres humanos e realizou feitos inimagináveis, embora cada linha de interpretação humana o classifique de uma determinada maneira: Uno com Deus, filho de Deus, o Espírito mais elevado da Terra ou Deus encarnado.
As igrejas cristãs (católicas, protestantes...) lhe dão um caráter de união com Deus, similar ao da teologia da libertação, exceto que esta teologia diminui alguns de seus “milagres” buscando se aproximar de uma visão histórica científica. A aproximação científica da teologia da libertação foi feita pautando-se nas lutas sociais do século 20, porque as igrejas na América desde o século 15 passaram por momentos de contradição: ora apoiando os mais vulneráveis, ora sendo conivente com grandes poderes econômicos e políticos que causavam males aos mais pobres e aos marginalizados na sociedade.
Os espíritas que surgiram na França do século 19 como um movimento filosófico de teor cristão inter religioso, chamam os milagres de "feitos mediúnicos" e muitos destes consideram Jesus sendo o espírito mais elevado que passou pela Terra, certamente escolhido por Deus. Apesar do espiritismo adquirir um teor predominantemente religioso no Brasil após o século 19, a visão e interpretação sobre a natureza de Jesus pouco mudou para os espíritas desde então.
Estas classificações de Jesus alternam entre pouco e nada importantes: Pois tocam em questões dogmáticas para as religiões, como as discussões sobre o batismo e o nascimento de Jesus de Nazaré etc. Dogmas são "verdades indiscutíveis" para os grupos que os assumem, como por exemplo: Para muitos cristãos religiosos Jesus é Deus; Para muitos cientistas só a matéria perceptível existe, logo espíritos, realidade espiritual e Deus não existem. Essas são visões de mundo que podem fazer parte de uma cosmovisão, ou podem serem sinônimos desta. O mais importante é ter abertura para o diálogo respeitoso, ou seja, ético. Se tais visões forem impostas sobre pessoas com visões divergentes, elas tendem a gerar conflitos fúteis (ou até mesmo violentos). Fúteis porque se afastam dos ensinamentos de Jesus: sobre o amor a todos, a misericórdia, a solidariedade, a humildade etc. Tal tipo de discussão são como os temas abordados pelos Concílios da Igreja que começaram no século 4 e se estenderam pela era medieval: Naquela época várias visões e explicações foram desrespeitadas e suprimidas em prol da institucionalização da igreja e da transformação desta numa ferramenta de poder. Grande parte dos concílios na história do cristianismo e da igreja resultaram na imposição de uma única linha de pensamento tratando de temas distintos da lei de amor e dos ensinamentos de Jesus. Isso a história nos mostra claramente.
O jovem (menino) epilético (Mateus, Marcos, Lucas)
"Quando (Jesus) se aproximou dos discípulos, viu ao redor deles grande multidão, e alguns escribas que disputavam com eles.
E logo toda a multidão, vendo-o, ficou espantada e, correndo para ele, o saudaram.
Então perguntou aos escribas: Que é que discutis com eles?
E um da multidão, respondendo, disse: Mestre, trouxe-te o meu filho, que tem um espírito mudo e este, onde quer que o apanhe, despedaça-o (derruba-o). Então ele espuma, e range os dentes, e vai definhando (endurecendo); e eu disse aos teus discípulos que o expulsassem, mas eles não puderam.
Jesus, respondendo-lhes, disse: Ó geração incrédula! até quando estarei convosco? até quando vos sofrerei ainda? Trazei-mo.
E trouxeram-lho; e quando ele o viu, logo o espírito o agitou com violência, e, caindo o endemoninhado por terra, revolvia-se, espumando.
Então Jesus perguntou ao pai dele: Quanto tempo há que lhe sucede isto? E ele disse-lhe: Desde a infância. E muitas vezes o tem lançado no fogo, e na água, para o destruir; mas, se tu podes fazer alguma coisa, tem compaixão de nós! Ajuda-nos.
E Jesus disse-lhe: Se tu podes crer… tudo é possível ao que crê.
E logo o pai do menino, clamando, com lágrimas, disse: Eu creio, Senhor! ajuda a minha incredulidade. Assim, Jesus, vendo que a multidão concorria, repreendeu o espírito imundo, dizendo-lhe: Espírito mudo e surdo, eu te ordeno: Sai dele, e não entres mais nele.
E ele, clamando, e agitando-o com violência, saiu; e ficou o menino como morto, de tal maneira que muitos diziam que estava morto.
Mas Jesus, tomando-o pela mão, o ergueu, e ele se levantou.
Todos ficaram pasmados diante da grandeza (poder) de Deus. E, quando entrou em casa, os seus discípulos lhe perguntaram à parte: Por que o não pudemos nós expulsar?
Jesus respondeu-lhes: Por causa de vossa incredulidade; porque em verdade vos digo que, se tiverdes fé como um grão de mostarda, direis a esta montanha: Passa daqui para acolá, e há de passar; e nada vos será impossível.
Esta casta (de demônios) não pode sair com coisa alguma, a não ser com oração e jejum."
A confiança nas suas próprias forças torna o ser humano capaz de executar coisas materiais, que não consegue fazer quem duvida de si mesmo. O espiritismo considera que neste caso, a montanha a ser movida, basicamente refere-se às mentalidades que obstruem a fé, tais como: A incredulidade, má vontade, egoísmo, fanatismo, os preconceitos da rotina, o interesse material e as paixões orgulhosas são exemplos de obstáculos a serem superados. A fé robusta dá perseverança e energia , mas a vacilante cogita a derrota, mostrando falta de confiança em si mesmo, ou seja, esta última não crê que realmente seja possível vencer então não vence.
Noutra interpretação, entende-se como fé a confiança que se tem na realização de uma coisa, a certeza de atingir determinado fim. Ela dá uma espécie de lucidez que permite ver em pensamento, a meta que se quer alcançar e os meios de chegar lá, fazendo com que a pessoa que a tem, prossiga com absoluta segurança. Em ambos os casos, ela pode dar lugar a que se executem grandes coisas.
A fé sincera e verdadeira é sempre calma; faculta a paciência que sabe esperar, porque, tendo seu ponto de apoio na inteligência e na compreensão das coisas, tem a certeza de chegar ao objetivo visado. A fé vacilante sente a sua própria fraqueza; quando a estimula o interesse, dando espaço ao aos surtos de sentimentos negativos (fúria, histeria, intolerância etc), assim não é uma fé verdadeira. A calma na luta é sempre um sinal de força e de confiança; a violência, ao contrário, denota fraqueza e dúvida de si mesmo.
É importante não confundir a fé com a presunção. A verdadeira fé se conjuga à humildade; aquele que a possui deposita mais confiança em Deus do que em si próprio, por saber que é pequenino diante Deus e toda a sua criação. Assim, aquele que realmente tem fé, é simples instrumento da vontade divina, nada pode sem Deus. Por essa razão é que os bons Espíritos lhe vêm em auxílio. A presunção, de modo parecido com a fé vacilante, não é uma fé verdadeira. Presunção é o orgulho, que por sua vez, sempre se contradiz, cedo ou tarde, pela decepção e pelos malogros que lhe são infligidos.
O espiritismo afirma que o poder da fé se demonstra, de modo direto e especial, na ação magnética; por seu intermédio, o homem atua sobre o fluido, agente universal (algo como uma energia ou radiação ultra sutil que permeia o universo), modifica-lhe as qualidades e lhe dá uma impulsão por assim dizer irresistível. Daí decorre que aquele que a um grande poder "fluídico"* normal junta ardente fé pode, só pela força da sua vontade dirigida para o bem, operar esses singulares fenômenos de cura e outros, tidos antigamente por prodígios, mas que não passam de efeito de uma lei natural. Tal o motivo por que Jesus disse a seus apóstolos: se não o curastes, foi porque não tínheis fé.
*No Livro dos Médiuns e em algumas das "Revistas Espíritas", Kardec e os demais espíritas, cogitaram a possibilidade da relação de tais fenômenos com o que eles chamavam de períspirito e com a eletricidade e o magnetismo; Certamente o eletromagnetismo de campos dos órgãos do ser humano (como do cérebro, do coração...) descobertos somente na década de 1960 e ainda pouco estudados até este início de século 21.
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