quinta-feira, 21 de abril de 2022

O Inconsciente para o Espiritismo

 

Nos meus 3 últimos anos em que estive buscando desenvolver minha espiritualidade, não encontrei textos que relacionassem o inconsciente descrito pela frente psicológica de estudos com o espiritismo. Talvez eu não li o bastante ainda, mas como estou estudando psicologia e tive experiências mediúnicas, tomei a liberdade de escrever sobre. 

 Construção Psíquica 
 Todos nós seres humanos aprendemos coisas desde a tenra infância. Mas porque temos facilidade para guardar certas memórias e não outras? Porque gostamos mais de determinados assuntos? Porque uns sucumbem mais às pulsões de vida (instintos), gerando compulsão por alimento ou por sexo? Porque outros sucumbem mais às pulsões de morte tornando-se violentos ou fascinados por armas e conflitos como lutas ou guerras? Porque uns lembram de muitos sonhos enquanto outros não lembram, chegando a alegar que não sonham? 
 As explicações psicológicas são vastas e distintas entre si, pois são variadas frentes com bases diferentes, sendo que cada frente tem várias abordagens de autores diferentes. Sendo assim, farei observações influenciadas pelas frentes psicanalítica e fenomenológica sobre a psiquê (do grego psyché, ou seja, alma): Como prévia vale citar que se tratando de memórias, de sentimentos e de sonhos há de se entender que são processos "internos" do ser humano: A "mente" só expõe pensamentos e sentimentos através de palavras e de expressões, sejam vocais etc. Os sonhos não são expressos a não ser por descrições... 
 Nós, seres humanos, somos submetidos às experiências e sensações praticamente o tempo todo: com familiares, com colegas de estudo e de trabalho, com pessoas nas ruas etc. Além da interação direta com outros seres humanos, uns assistem televisão, outros vêem as redes sociais, outros interagem com jogos etc. Tudo isto é experienciado, podendo ser frequentemente lembrado ou predominantemente esquecido. Como as memórias não deixam de existir, a explicação da frente psicanalítica de estudos afirma que elas ficam no inconsciente do aparelho psíquico (mente). Embora alguns conteúdos jamais retornem a consciência por motivos de trauma, repulsa, irritabilidade, complexidade ou outra dificuldade em lidar com eles, existem conteúdos psíquicos que escolhemos trazer à tona ou não. Estes dependem mais do valor que atribuímos a eles: podem ser entendidos como mais significantes ou menos significantes. 
 Por mais que tais conteúdos (internos) tenham uma ligação com o cérebro humano e seus processos, como as sinapses, eles não são considerados materiais e nem são perceptíveis por pessoas que não sejam nós mesmos. Por esta razão, para traçar as relações do inconsciente da mente humana com o espiritismo, escolho utilizar as bases da frente psicanalítica de estudos. Porém não me limito a teoria de Freud que foca na libido e em questões oriundas das pulsões. Isto seria limitar-me ao "estado natural" das fases de desenvolvimento humano descritas por Pestalozzi, ou talvez, no máximo, ao "estágio estético" da filosofia de Kierkegaard. Para traçar as relações com uma teoria mais plural e filosófica como o espiritismo, é preciso considerar que o inconsciente humano é mais do que a fonte de instintos e o depósito de experiências psíquicas reprimidas. Daí então, Jung, com sua psicologia analítica, nos mostra uma boa base de estudos. Jung admite que o inconsciente pode ter elementos psíquicos que vão além de instintos, experiências traumáticas e memórias esquecidas: Nele existiriam também a intuição, criatividade (que seriam enquadradas na sublimação por Freud), tendências à estagnação e até mesmo uma profundidade maior chamada de inconsciente coletivo. Obviamente, esta teoria não comporta a concepção de espíritos que foi altamente rechaçada pela maioria materialista do meio científico (no mínimo, desde meados do século 19 até este início de século 21), mas como o inconsciente coletivo vai além de possíveis elementos psíquicos de origem genética, relacionando com o conceito de sincronicidade e elementos independentes do espaço-tempo, é possível entender que há uma “lacuna” aí, onde o espiritismo pode explicar alguns fenômenos. 

 O que “submerge e emerge” do Inconsciente 
 Para voltarmos a abordar o inconsciente do aparelho psíquico, é útil um resumo sobre o consciente: 
 Para as abordagens fenomenológicas da psicologia, a consciência é atividade direcionada. Não é um depósito nem passiva, pois ela é sempre consciência de algo. Mais do que o uso dos 5 sentidos, ela tem/ gera a intencionalidade (que é o modo como a consciência visa algo). Portanto a consciência não tem dureza nem substância e não existe sem uma relação (seja em relação às coisas percebidas pelos sentidos, ou ao próprio pensamento etc): ela se projeta em direção às coisas. O ato de conhecer é o Ego (Eu). O encontro da consciência com o objeto é a relação bipolar que constitui o conhecimento. 
 Para a psicanálise a consciência é a percepção da realidade externa e de estímulos internos, pensamento; É qualidade momentânea, que diz respeito àquilo do que estamos cientes no aqui e agora; Consciência não é o atributo principal da mente - é fugaz, ou encobridor, pois não armazena. Em uma topologia seria como uma membrana no aparelho psíquico - A lembrança no momento que chega; Atividade mental não ocorre ao acaso, pois há continuidade na atividade mental, cuja muitas vezes os motivos estão no Inconsciente; 
 A psicologia analítica pouco difere a consciência em relação à psicanálise: A consciência é a mente no presente, percebendo e interagindo com o entorno. Em geral é mais racional do que o inconsciente; 
 Agora analisemos: Quantas experiências da realidade externa e quantos estímulos internos tivemos em nossas vidas. O quanto conseguimos nos lembrar e quanto não conseguimos? Assim, entende-se que temos uma quantia gigantesca (incalculável para o ser humano) de informações que ficam latentes em nossa mente. São inúmeros detalhes (tamanhos, formas, cores, sons e seus ritmos, timbres, cheiros, sabores etc) de objetos, de forças da natureza, de seres vivos, de paisagens, de incontáveis movimentos e momentos, enfim, cada milésimo de segundo percebido pelos nossos sentidos. Isso sem contar nossos sentimentos e pensamentos ao longo de toda vida. Nenhum deles deixa de existir durante nossa vida - todas estas percepções e suas impressões, interpretadas por nós em inúmeros momentos, ocasionalmente ou regularmente relembradas, reprimidas ou representadas e expressas ficam no inconsciente, e portanto, para o espiritismo, “ficam” na alma. Como nada disto desaparece como um passe de mágica, entende-se que temos esta quantidade absurda de informações em nosso inconsciente, enquanto nosso consciente interage basicamente com o presente. Uma interação do consciente com o passado só pode ser feita parcialmente, resgatando porções da memória individual ou através de sensações de nostalgia e saudades, enquanto uma interação com o futuro seria feita apenas imaginado, ou mais raramente, vislumbrando algo (uma cena, um sentimento, impressão etc) através de algum tipo de intuição. 
 Então o que tiramos e colocamos no inconsciente? Obviamente isto varia muito de pessoa para pessoa, mas tentarei trazer alguns possíveis exemplos: 
 Se uma pessoa tem uma grande desilusão a respeito de outra pessoa ou sobre determinado assunto, obviamente esta decepção não desaparece da noite para o dia. Na verdade, se não houver uma busca para superar ou contornar uma dificuldade como a perda de esperança, certamente tal elemento ficará no inconsciente, servindo como parâmetro para futuras decisões (ou falta de decisões), comportamentos etc. 
 Outro exemplo é, se uma pessoa ouve a um discurso de grande apelo emocional, que coloca a culpa de seus problemas, ou a culpa dos problemas de todos seus entes queridos, em um indivíduo inocente, ou em uma pessoa que pouco tem a ver com tais problemas, esta crença na mentira ficará no inconsciente, pois no consciente apenas “transitam” as experiências essencialmente do presente. Após a recepção, ocorre a interpretação, aceitação ou recusa e o resultado disto fica no inconsciente. 
 A combinação de todas as experiências e interpretações poderia formar o que a psicologia analítica chama de complexo, apesar que seu autor, Jung, cogita que estes podem vir de origens e elementos mais “antigos”, seja de experiências da tenra infância, do inconsciente coletivo, de fatores genéticos ou de outro fator… 
 Enfim, é útil reforçar o que já mencionei antes: Uma quantidade gigantesca de informações “submergem” (são deixadas ou colocadas por nós como indivíduos) em nosso inconsciente, pois nada simplesmente some “para sempre” para depois “ressurgir do nada”: A consciência do ser humano pode ou não resgatar determinadas “informações” para o presente. 

 Inconsciente: "Alucinações", Sonhos e Espíritos 
 Poderia ser o inconsciente então algo como uma prisão ou masmorra sólida e segura para todo nosso colossal conteúdo “psíquico” esquecido, reprimido etc? Não. 
 Além de todo conteúdo / informação oriunda de nossas experiências em nossa vida, o inconsciente deve guardar nossos instintos de sobrevivência. São impulsos rudimentares, mas que servem para buscarmos coisas essenciais para se viver na Terra… Como os animais. Rudimentar neste caso é uma palavra bem precisa: Como podemos notar, o ser humano é uma forma de vida muito mais complexa do que os instintos, a partir do momento que interpreta todas experiências mencionadas anteriormente, transformando esses “dados” em informação mais ou menos coesa, e muitas vezes, subjetiva. 
 Agora que vimos que no inconsciente ficam estes elementos tão distintos entre si (os instintos, as interpretações das diversas experiências, as memórias, o aprendizado, as preferências etc) podemos imaginar que o inconsciente não seja algo exatamente quieto e inativo… Mas se somos essencialmente a consciência, o que seria essa atividade no inconsciente? Um “eu além”? Um “eu dormente”? Estas ideias e/ou dúvidas incomodam terrivelmente algumas pessoas, inclusive, alguns psicólogos materialistas que vi ao longo da minha vida. A verdade é que a psicologia tem muito de filosofia, pois o campo que estuda a “existência” e suas “variáveis” pertence à filosofia. É ilógico e estapafúrdio IGNORAR tudo o que mencionei anteriormente e querer se auto denominar “cientista do comportamento humano” ou psicólogo. Obviamente o psicólogo não deve ficar remoendo e cavucando insistentemente a vastidão de conteúdo inconsciente de seus pacientes/ clientes, mas desconsiderar todas estas informações é no mínimo muito estranho. Essa discussão é longa na psicologia, mas só se tornou longa só porque há uma repulsa generalizada pelo “imaterial” e pela filosofia como campo interseccionado com a psicologia. 
 Pois bem, aqui entram os temas “polêmicos” que não deveriam ser da alçada dos estudos objetivos, ou seja, não deveriam se limitar à ciência, que é um campo do saber essencialmente materialista: As alucinações. O que são alucinações, afinal? 
 É fútil se ater a uma explicação racional que busca uma neutralidade (falsa) e que se apoia em pressupostos materialistas. Eu poderia trazer uma explicação feita em alguma obra da frente psicanalítica de estudos, explicando que são percepções únicas de um indivíduo em estado psicopatológico (ou algo assim), mas mesmo esta explicação racionalista já foi sobreposta por outras mais reducionistas ao longo do século 20. 
 Então podemos concluir que a alucinação é o real para um indivíduo e não para outro. Não se trata da realidade compartilhada pela maioria das pessoas. É claro, que se este “real” está causando um grande mal ao indivíduo e/ou às pessoas à sua volta, é preciso encontrar uma solução que traga o bem a todos, ou, ao menos, à maioria das pessoas nesta relação. 
 E os sonhos? Os sonhos são a prova da atividade em nossa inconsciência. 
 Diferentes autores da psicologia propuseram diferentes motivos e causas para os sonhos. Se tratando da mente humana e todos seus elementos que não são materiais, portanto não podem ser cheirados, agarrados nem cortados (etc etc), é preciso admitir uma base de estudos mais aberta do que as materialistas (uma dessas bases é a fenomenologia), ou mais plural. Esta última eu indico a possibilidade de utilizar o espiritismo, como filosofia que admite uma existência plural (do “ser humano”, da vida). Assim como a psicanálise certamente deve ter conseguido explicar alguns sonhos e a psicologia analítica, outros, o espiritismo pode explicar alguns destes fenômenos. 
 O espiritismo obviamente não se baseia nos pressupostos materialistas e raramente utiliza o método empírico de investigação, afinal se há uma inteligência/ mente capaz de “sumir e aparecer” interagindo com objetos ou formas de vida, é claro que esta “mente” não precisa se dispor a reprodutibilidade das experiências. Apesar de tentar uma aproximação de temas espirituais (que eram religiosos até o século 19) com a ciência, o espiritismo está mais para uma filosofia, onde estuda-se fenômenos predominantemente psíquicos, através de percepções (muitas vezes internas e não dos 5 sentidos), interpretações, reflexões etc. 

 Espiritismo e o Inconsciente 
 É através do inconsciente que as mentes desencarnadas, ou espíritos, interagem com os vivos. Se é quando dormimos, que nos desprendemos do corpo e interagimos com outras almas (o que essencialmente não difere de mente ou espírito), é claro que o sonho servirá como uma releitura ou véu sobre o que se passa neste momento da existência. 
 O que a psicologia analítica chama de inconsciente coletivo pode ser, ao menos em parte, o que o espiritismo chama de mundo (“Invisível”) dos espíritos, ou o que a linguagem esotérica chama de plano astral. 
 Ora, o que fariam os espíritos neste estágio de existência (enquanto o corpo dorme)? Tomariam cerveja e comeriam churrasco? Certamente não, já que não são um estado de existência “material” - Ou ao menos, não são corpóreos/ não são sólidos, nem líquidos, nem gasosos etc… 
 Aí entra a religião, ou o que chamamos hoje de espiritualidade. A verdadeira espiritualidade não prioriza o material, muito menos os prazeres materiais e os excessos destes e seus vícios, que podem causar desde disputas desnecessárias, até violências etc. Nós, seres humanos, existimos para evoluir mentalmente, ou seja, racionalmente e sentimentalmente - não é difícil perceber isto, basta comparar o potencial do homo sapiens com as inúmeras outras espécies de vida da Terra. 
 Então se a mente inconsciente, ou o espírito durante o sono, realmente está priorizando simulações de prazeres materiais, há algo errado com esta “porção” incorpórea/ “imaterial” do ser em questão. Pois a priorização de prazeres materiais está intimamente ligada com comportamentos conscientes que alternam entre a superficialidade e a ganância. Nas sociedades esta priorização é fomentada pelos discursos de fins mercadológicos que obviamente relegam a um segundo plano o ser humano, suas inter relações e o meio ambiente: Consumismo, culto ao corpo, hiper sexualização, meritocracia na busca incessante por dinheiro, status etc. 
 Ora, a propagação das ideias consumistas e alienantes dos maiores beneficiários do capitalismo, convencendo inúmeras mentes humanas de que tais ignorâncias são o mais importante fator da existência, gera e alimenta todo um inconsciente coletivo, ou um mundo dos espíritos/ plano astral, severamente contaminado por mentiras que geram rivalidade e insensibilidade. 
 Para se fazer tal estrago nas mentes (ou almas) humanas, nem chega a ser necessário a propagação de discursos violentos como os de nazistas e de fascistas. Todas essas almas ou mentes levadas por discursos de fortes sentimentos negativos (como ódio e intolerância) ou levados à dessensibilização (desprezo ou supressão dos sentimentos) e ao materialismo escrachado não estão se desenvolvendo em seus potenciais. Na verdade elas estão prejudicando ou até mesmo destruindo-se umas às outras. A diferença é que os discursos objetificadores, mercadológicos, enfim consumistas, parecem destruir de maneira mais lenta e menos “explosiva” a humanidade, se comparada com as ideologias violentas por trás da 2ª guerra mundial. 
 Na verdade, em muitos casos, não é necessário nem estudar porções inconscientes da mente/ alma para saber disto: Podemos ver em qualquer artigo, seja da sociologia, da psicologia ou do jornalismo, que aborde o adoecimento mental em massa da civilização humana. 
 Mas vale citar o espiritismo se tratando deste assunto da psicologia social. Todo ser humano tem alma e todos se relacionam uns com os outros. Todas experiências são levadas para além da vida consciente na Terra, ou seja, o espiritismo não deve se alienar nestas questões. O espírita verdadeiro sabe sim da importância do desenvolvimento individual, mas não pode ignorar estes fatores psicossociais e deve buscar o conhecimento e o bem de si mesmo e do próximo até mesmo em algumas questões sociais / econômicas. Não se trata meramente de escolher um lado na política ou um partido: é uma questão de se informar deixando de olhar só o próprio umbigo. Abandonando o egoísmo e o conservadorismo que nega a ciência e o bem estar do próximo. O fundador do espiritismo, Kardec, não deu o nome ao seu periódico de “Revista Espírita - Jornal de Estudos Psicológicos” à toa. Foi uma escolha, pois ele mesmo afirmou que a humanidade estava entrando na “era psicológica”. 
 Aqui a crítica não é só ao espiritismo: é a todo campo de estudo e a todo estudioso - todo aquele que tem um “curso superior”. Afinal, ter um ensino (verdadeiramente) “superior” implica em humildade para aprender sempre. Ser superior é servir o mais necessitado. Se por qualquer motivo não podes dedicar-se a auxiliar o próximo, ao menos lute para não levar conteúdos nocivos para tua alma (teu inconsciente) e se já levaste, é bom esforçar-se para reparar isto, porque uma alma infeliz é ruim para espiritualistas (pois lhe afetará no futuro) e até mesmo para os materialistas (porque afeta o presente).

quarta-feira, 13 de abril de 2022

A não-espiritualidade nos meios espirituais

 

Frequentando diferentes meios religiosos e espiritualistas, percebi uma coisa comum: A predominância de opiniões distintas, mas todas de fracos interesses no progresso mental, principalmente no que se diz respeito ao sentimental (afetivo e empático) e espiritual, da humanidade. Não me refiro aos conservadores radicais, pois estes não são novidade e já falei deles em outros textos.

Entre protestantes (geralmente chamados de crentes), sejam pentecostais, presbiterianos ou outros, há um discurso dominante de superação de dificuldades e conquista na vida material. Mesmo entre os que parecem apreciar os ensinamentos de Jesus, há uma priorização da vida na Terra, em suas condições econômicas etc. 

Entre católicos, vi muitas pessoas interessadas em ajudar os mais necessitados, mas desses muitos, uma parcela significante faz a caridade esporadicamente, afinal estão ocupados em suas rotinas de trabalho, estudo etc.

Até aí "tudo bem", pois talvez não seja absurdo não haver esforços maiores para se aproximar progressivamente mais dos ensinamentos de Cristo. Nestes dois exemplos, considero que a religião cristã pode ter deixado uma abertura para os fiéis escolherem a vida de simples fiéis que continuam em suas rotinas aplicando ensinamentos de Jesus eventualmente. Porém há também uma escolha cuja a denominação APOSTÓLICA define bem: A vida de apóstolo, ou de discípulo de Jesus. Ao ler os evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João, é possível entender que esta vida é bastante severa para os padrões da atual sociedade capitalista (o que inclui todos sistemas dos séculos 18 ao 21, desde o liberalismo, passando pelo socialismo de Cuba e Coreia do Norte, pela social-democracia escandinava até o neo liberalismo tão propagado por países como os EUA). 

Os apóstolos, como pessoas mais próximas de Jesus, tinham compromissos mais urgentes que iam desde propagar os ensinamentos até operar o que se chamava de milagre (e muitos ainda chamam hoje no século 21, não há grandes problemas nisso). 

Neste ponto eu considero estranho como muitos indivíduos das religiões e filosofias que aceitam (e divulgam em certo ponto) o conceito de Médium, lidam com este. Embora a umbanda e o candomblé frequentemente lidem com médiuns, meus questionamentos estão mais voltados ao espiritismo. Se existem diversos tipos de espiritismo que priorizam um ou outro autor espírita, então me refiro principalmente aos kardecistas. 

Obviamente não fiz uma pesquisa onde entrevistei pessoas destas religiões - aqui falo apenas de meus 3 anos de vivência. O que percebi entre espíritas de visões e comportamentos bem distintos entre si foi o seguinte: Independentemente se estes espíritas que observei possuem uma opinião política mais de direita [neo(liberal)] ou de esquerda (socialista, anarquista etc), estes grupos parecem se afastar do cristianismo dos apóstolos. Na verdade se distanciam até mesmo de alguns ensinamentos de Sócrates/ Platão. 

Mediunidade - Os apóstolos de Cristo e Sócrates

Em Mateus 10 1: "E, chamando os seus doze discípulos, deu-lhes poder sobre os espíritos imundos, para os expulsarem, e para curarem toda a enfermidade e todo o mal." 

Mateus 10 8-9 "Curai os enfermos, limpai os leprosos, ressuscitai os mortos, expulsai os demônios; de graça recebestes, de graça dai. 

Não possuais ouro, nem prata, nem cobre, em vossos cintos, Nem alforges para o caminho, nem duas túnicas, nem alparcas, nem bordões; porque digno é o operário do seu alimento." 

Mateus 10 22 e Marcos 13 13: "E odiados de todos sereis por causa do meu nome; mas aquele que perseverar até ao fim, esse será salvo." 

Estas e outras passagens da bíblia deixam claro que os apóstolos eram médiuns e tinham responsabilidades por isso. Além disto o termo médium significa, ao menos em partes, que ele é um intermediário entre as pessoas da Terra e os espíritos. Oras, se o espiritismo tem como uma de suas bases o cristianismo e os médiuns espíritas são intermediários entre os espíritos, o que aconteceu para não se aproximarem do estilo de vida e da missão dos apóstolos de Jesus? Podem existir inúmeros motivos, mas há de se analisar: Se o médium é independente de qualquer centro espírita, então os motivos que o levam a se aproximar de certos tipos de espíritos e não de outros, certamente é particular dele, de suas escolhas, pensamentos, sentimentos, ideologias etc. Mas se ele participa regularmente de atividades de um determinado centro espírita, então parte de suas motivações podem estar neste ambiente. 

Claro que nem todo médium conseguirá sair curando ou fazendo outras proezas incomuns, mas o que eu percebi em minhas companhias, mais ou menos duradouras, é que há uma propagação da ideia de que o médium pode e deve ter uma vida "normal", bem adaptada ao sistema (seja econômico, social ou ambos), relegando sua mediunidade e sua espiritualidade a um segundo plano, ou a algo complementar a sua rotina. Para completar, é bom lembrar que o espiritismo ensina que nenhum médium desenvolve suas capacidades ou habilidades completamente sozinho. Daí o termo médium - porque o desenvolvimento da mediunidade se dá numa relação com o "mundo espiritual" (na falta de um nome melhor, uso este por enquanto). Então, se um espírito bom concede a mediunidade ou ajuda a desenvolver esta capacidade, porque o médium deveria escolher uma vida espiritual insignificante? Porque dedicar maior parte de seu tempo ao trabalho, à busca por renda (dinheiro) ou até mesmo, em certos casos, às rotinas mais vãs/ fúteis? Por um acaso foi um espírito leviano que ajudou o médium a desenvolver suas capacidades? Ou talvez alguma(s) pessoa(s) significante(s) na vida do médium (do centro espírita, da família, do trabalho etc), tenha influenciado seu modo de pensar e de viver? Se o médium, frequenta um centro espírita, ou grupo religioso que lida com a mediunidade, certamente o problema deveria se resolver... A menos que o lugar que o médium frequente, estimule a insignificância espiritual. Isto não é impossível, tendo em vista que nossa sociedade competitiva e consumista (e portanto materialista), deve repudiar uma vida de humildade e solidariedade. Ao longo da história das religiões e da espiritualidade, existem diversos momentos de "adaptação" de igrejas, templos e certamente centros espíritas, ao sistema capitalista que tanto pressiona a sociedade para que esta seja produtiva e consumista. Claro, que esta adaptação está mais para decadência ou corrupção, já que desvaloriza o que deveria ser seu foco: a espiritualidade, no caso, cristã. Assim, os tais centros rebaixariam a importância da humildade e da verdadeira solidariedade. Solidariedade não é só algumas esmolas ou realizar eventuais arrecadações. Amar ao próximo, a si e a Deus, não é amar alguns da família, uns amigos e um ou dois grupos de pessoas vulneráveis, ignorando grandes problemas como o aumento de desemprego, de moradores de rua, da fome e da miséria. Certamente individualmente não podemos resolver todos os problemas do mundo, sequer de um país. Mas podemos sim buscar entender a sociedade em que vivemos e, nos organizando em grupos, tentar melhorar, auxiliando os mais necessitados e cobrando justiça e equidade dos mais poderosos e dos mais ricos com mas eficácia. O que podemos fazer individualmente é justamente tentar nos aproximar do estilo de vida dos apóstolos, ou seja, de um modo apostólico de viver. A espiritualidade cristã não é separável da solidariedade, da humildade e do bem. Não se trata de autoflagelação e sim ir buscando progredir espiritualmente. Este progresso, frequentemente chamado de moral por Kardec e alguns outros intelectuais de seu tempo, é o desenvolvimento da empatia, do sentir o próximo e se colocar no lugar do outro. É também o progresso intelectual, ou seja, não só de um "conhecimento"específico que utilizamos numa carreira profissional. O progresso intelectual também se dá estudando e adquirindo conhecimento sobre a sociedade, suas relações, sua história, tudo isto vinculado à empatia. É aí que os ensinamentos de Sócrates e Platão complementam os do cristianismo / espiritismo. Sócrates afirmava que o verdadeiro conhecimento não pode deixar o bem de lado. No livro "A República" de Platão, ele cita que o mais poderoso deve servir o menos poderoso e que as artes (profissões, ofícios, conhecimentos) devem servir seus usuários. Já no livro Gorgias, do mesmo autor, Sócrates fala da importância do bem: 

"Sócrates — Decerto, referes-te aos prazeres como os de que falamos há pouco com relação ao corpo, no ato de beber e de comer: bons são os que promovem a saúde do corpo, ou a robustez, ou qualquer outra qualidade física, e maus os que produzem o contrário disso? 

Cálicles — Perfeitamente. 

Sócrates — E com as dores não se dará a mesma coisa? Umas são benéficas e outras nocivas? 

Cálicles — Como não? 

Sócrates — Sendo assim, o que devemos escolher e fomentar são os prazeres e as dores úteis? 

Cálicles — Perfeitamente. 

Sócrates — Não os prejudiciais. 

Cálicles. — É claro. 

Sócrates — Pois todos os nossos atos devem ser pautados só em vista do bem, como eu e Polo reconhecemos, se é que ainda te recordas." 

Sócrates e Platão ainda recomendam bastante moderação nos prazeres materiais, explicando que os melhores são os mais leves e sutis, ou seja, os prazeres materiais menos intensos. Estas proposições incomodaram grande parte das elites gregas daquela época (século 4 a.C.) e provavelmente ainda incomodam muita gente, hoje, no século 21. Certamente seguir os ensinamentos de Sócrates à risca, implica em um estilo de vida asceta, o que não difere muito dos ensinamentos de Jesus Cristo para seus apóstolos. 

Esse ascetismo não é testar seus limites físicos, pois requer uma fé, ou, de acordo com a psicologia, um sentido de vida. Este sentido de vida é algo de importância central para a pessoa - algo em que ela realmente acredita e/ou se devota de maneira prioritária. 

Platão revela em O Banquete que Sócrates realmente era humilde, sempre carregando o mínimo de posses possível e chegando a realizar alguns feitos que podem ser comparados em algum nível aos milagres da bíblia. 

Se quisermos lançar um olhar mais cético e/ou mais científico, o mais correto a se fazer é ver mediuns como os apóstolos de Jesus, ou até mesmo, Jesus e Sócrates, como indivíduos com um sentido de vida claro e bem definido. Este sentido de vida, de certo modo, explica o funcionamento da fé e é abordado na psicologia fenomenológica, particularmente na logoterapia como mencionei em outro(s) texto(s) meu(s). https://nea-ekklesia.blogspot.com/2021/11/os-estudos-e-as-abordagens-da-mente.html 

 Independente se a fé age "sozinha" no indivíduo (como parece ser o caso do sentido de vida descrito na logoterapia) ou por meio de seres incorpóreos ou em uma "dimensão espiritual" (como descrito pelo espiritismo), ela só traz resultados significantes se a pessoa prioriza o "objeto" de sua fé. E ela só traz bons resultados se há um grande amor (ou afeto positivo) investido nesse "objeto" da fé. A única diferença do sentido de vida da logoterapia e da fé cristã, é que esta última é especificamente voltada para algo maior: Amar a Deus é automaticamente amar a si mesmo e ao próximo. Amar o próximo é um esforço contínuo em perdoar cada vez mais, até que se ame a todos, afinal Deus é onipresente e todos são parte de sua criação. É difícil? Certamente sim, mas isso não é motivo para centros espíritas, igrejas e templos cristãos priorizarem qualquer tipo de materialismo ao invés de divulgarem ensinamentos espirituais. Não é motivo para minimizar o estilo de vida e a devoção dos apóstolos. Não é motivo para afastar espíritas, evangélicos nem católicos desta busca por uma aproximação dos apóstolos e de Jesus. E no caso dos espíritas, esta dificuldade em buscar uma vida mais mental (tanto intelectual como sentimental), não deveria jamais ignorar ou recusar os ensinamentos de Sócrates e Platão, pois ambos filósofos priorizaram tanto o conhecimento e as atividades mais racionais, como o bem, a alma e a espiritualidade. 

 Para encerrar trago um comentário de uma das obras de Kardec:

"Os grandes Espíritos encarnados são, sem contradita, individualidades poderosas, mas de ação restrita e de lenta propagação. Viesse um só dentre eles, embora fosse Elias ou Moisés, Sócrates ou Platão, revelar, nos tempos modernos, aos homens, as condições do mundo espiritual, quem provaria a veracidade das suas asserções, nesta época de ceticismo? Não o tomariam por sonhador ou utopista?" 

 Fontes:

Frankl, V. (tradução em português) Em Busca de Sentido, 1945 

Kardec A. O que é espiritismo?

Platão A República

Platão Górgias

Platão O Banquete

Bíblia Sagrada, em www.bibliaonline.com.br - Almeida Corrigida Fiel, acessada em 13/04/2022

 

Leitura ecumênica de "as boas obras", "a oração" e "o amigo insistente"

Aqui continuo com os ensinamentos de Jesus, conforme os textos atribuídos a Mateus e a Lucas:  Fazer as boas obras discretamente (Mateus, Lu...