O espiritismo surgiu na França como um movimento espiritualista, ou seja, que aceita a existência da alma e portanto dos espíritos, bem como de uma realidade espiritual e de Deus. Seu líder, ou "decodificador", o pedagogo e tradutor, Allan Kardec, trouxe a centralidade na ética ensinada por Jesus e no diálogo com a ciência de seu tempo. Em suas revistas podemos ver vários estudos dos fenômenos espirituais, e tais estudos buscavam manter uma base centrada pela ética de Jesus, embora pudesse apresentar traços da cultura européia (pós) iluminista.
Com o passar dos anos, o espiritismo chegou ao Brasil e inevitavelmente esbarrou em temas da realidade da sociedade brasileira, entre eles, a política. Com o acirramento da disputa política e de uma certa polarização após eventos ocorridos entre 2013 e 2018, o espiritismo como qualquer outra esfera do ser humano foi afetado e dividido em diferentes espectros: sejam estes grupos chamados de progressistas, conservadores, esquerdistas, direitistas ou de quaisquer outros nomes. Apesar desta possível polarização, a discussão envolve vários temas importantes como iniquidade (desigualdade social), pobreza, preconceito contra minorias, necessidade de diálogo, negação do conhecimento e por isso é preciso tentar esclarecer alguns pontos dessas rivalidades, narrativas etc.
Espíritas de direita poderiam acusar os de esquerda dizendo que Kardec não era comunista ou que a visão de mundo materialista adotada por muitos marxistas contradiz o espiritismo... Isso é verdade ao menos em parte, mas não quer dizer que Kardec estava de acordo com as ideias absurdas de liberais/ neoliberais, conservadores(*), reacionários e com manifestações ainda mais violentas de segregação e obscurantismo. Kardec buscava diálogo com a ciência e enfrentava católicos conservadores (como pode ser visto em várias revistas espíritas). Kardec criticava o materialismo e a redistribuição repentina de riquezas, mas pregava o espiritismo como um movimento ético de resultados positivos para justiça social: seguir ensinamentos de caridade e melhoria moral dos indivíduos para gerar um mundo mais justo e menos desigual. Alegar que Kardec simplesmente proibiu os espíritas de discutirem política é uma distorção dos fatos que propaga ignorância; é desconsiderar que Kardec viveu numa época da França em que o governo era uma monarquia: Kardec e os demais espíritas franceses "não podiam" discutir política porque não haviam opções nem soluções neste campo. Em última instância, devemos considerar que Kardec baseou sua ética nos ensinamentos de Jesus e considerou Platão como precursor do espiritismo; O filósofo grego claramente teve uma posição política de criticar os amantes do dinheiro (filokerdes) e os amantes da disputa/ da vitória (filonikons). Platão centrou a filosofia em valores universais com a finalidade da melhoria não só dos indivíduos mas também da sociedade. Ainda que sua proposta de governo tivesse uma classe de governantes/ legisladores filósofos; ele indicou que tal classe deveria se apartar de toda atividade comercial e servir o coletivo/ o estado, controlando a classe mercadora para que essa não se tornasse muito influente nem tomasse o poder. Por fim, Platão criticou o uso exagerado da retórica (linguagem complexa ou empolada) e sua aplicação para fins lucrativos (em suma, foi contra o charlatanismo e, de certo modo, contra o capitalismo).
Hoje porém, milênios após Platão e Jesus, séculos após Kardec, temos um meio de comunicação chamado internet, este que está em grande parte sob domínio de multimilionários que não se importam com o conhecimento, a verdade e a ética.
Assim, o desafio de enfrentar os movimentos obscurantistas (conservadorismo e reacionarismo), os movimentos capitalistas que precificam e objetificam a vida (neoliberalismo) e os movimentos de extermínio (neo fascismo e nazismo), me parece que requer mais do que uso das redes na internet... eu não sei quais melhores formas de resistir ou enfrentar tais grupos, porém imagino que qualquer espiritualista "de esquerda" vai precisar não só de união e ações palpáveis/ mensuráveis, mas também de uma sincera prática espiritual: meditação para estabilizar a mente; oração para se conectar com Deus/ com seus bons espíritos em busca de desenvolver vários aspectos psíquicos tais como paciência, força de vontade, auto controle, misericórdia, entendimento, sabedoria, esperança etc. E falando de aspectos psíquicos, se for o caso, também pode ser bom fazer uma psicoterapia.
Enfim, uma coisa que as pessoas voluntariamente de direita não têm, é a conexão com Deus ou com bons espíritos... ao menos não enquanto defenderem a miséria, a violência, o medo e a ignorância...
Creio que nossa luta seja por mais equidade e menos desigualdade. Mais conscientização e menos boataria e sensacionalismo. Mais diálogo buscando a aplicação de valores universais e menos discursos de ódio; Mais inclusão e menos violência contra os vulneráveis.
Façamos nossa parte então, por nós, por quem está do nosso lado e até por quem está contra nós (não que eles entendam e não da forma que eles querem as coisas)... Façamos nossa parte por todos.
(*) não, liberalismo não é o oposto do conservadorismo, mas não vou explicar política, economia ou sociologia neste post.