sábado, 30 de dezembro de 2023

Leitura Ecumênica de "Maria visita Isabel"

Neste texto, Lucas trata das mulheres da história do cristianismo mais uma vez.

Maria visita Isabel / Cântico de Maria (Lucas 1: 39-56) 

"Naqueles dias, Maria se levantou, foi apressada às montanhas, a uma cidade de Judá, E entrou em casa de Zacarias, saudando a Isabel. 

Aconteceu que, ao ouvir Isabel a saudação de Maria, a criancinha saltou no seu ventre; e Isabel ficou cheia do Espírito Santo. E exclamou com grande voz, e disse: Bendita és tu entre as mulheres, e bendito o fruto do teu ventre. 

E de onde me provém isto a mim, que venha visitar-me a mãe do meu Senhor? 

Pois eis que, ao chegar aos meus ouvidos a voz da tua saudação, a criancinha saltou de alegria no meu ventre.Bem-aventurada a que creu, pois hão de cumprir-se as coisas que da parte do Senhor lhe foram ditas. 

Disse então Maria: A minha alma engrandece ao Senhor, E o meu espírito se alegra em Deus meu Salvador; Porque atentou na sua pobre serva (ou “pequenez de sua serva”); Pois eis que desde agora todas as gerações me chamarão bem-aventurada, porque me fez grandes coisas o Poderoso e santo é seu nome. 

E a sua misericórdia é de geração em geração sobre os que o temem. Com o seu braço agiu valorosamente; Dissipou os soberbos em seus corações. Depôs dos tronos os poderosos e elevou os humildes. Encheu (ou saciou) de bens os famintos, E despediu de mãos vazias os ricos. Auxiliou a Israel seu servo, recordando-se da sua misericórdia; Como falou a nossos pais, Para com Abraão e a sua posteridade, para sempre. 

E Maria ficou com ela quase três meses, e depois voltou para sua casa."

 Visitazione - Pintura pré renascentista de Giotto e bottega

Ao entrar na casa de Zacarias, Maria saudou sua esposa, Isabel, e não o homem. Interessante notar que, entre os cristãos, entende-se que Maria fez isto porque Zacarias não acreditou em Deus, mas na verdade, também é possível notar que para Deus, não há diferença entre homens e mulheres, como se pensava na antiga sociedade machista da época de Maria. Esta equidade entre os sexos ("gêneros") também aparece na obra de Platão. Em sua obra "Politeia" (conhecida como A República), o filósofo defende que a mulher tem tantas capacidades quanto o homem para realizar qualquer tarefa, e que não era certo escolher apenas homens para determinadas (várias) funções na sociedade. No diálogo "O Banquete", o autor mostra que Sócrates recebeu seus ensinamentos sobre o amor de uma mestra (apresentada com o nome de Diótima na obra).

Maria que carregava Jesus ainda em seu ventre, causa reações espantosas no bebê de Isabel. Esta cena milagrosa da tradição cristã parece mostrar o poder e a relação do espírito de Cristo com aqueles à sua volta. Certamente a oração Ave Maria deve ter uma origem ou relação com a exaltação feita por Isabel ao perceber que seu bêbe estava feliz com a aproximação de Maria e Jesus. Aqui, discutir a veracidade ou falsidade de cenas "milagrosas" seria mais uma futilidade, pois trata-se de um texto religioso e é mais producente debater a finalidade e serventia da passagem escrita por Lucas. 

Em sua oração, Maria cita como Deus é justo e misericordioso, pois justiça não é meramente punir: é trazer equidade, retirando os ambiciosos de suas posições e situações de vício (por poder econômico, político, militar etc), é dar oportunidade aos humildes e condições dignas aos necessitados.

Por fim, a oração de Maria ressalta a importância da humildade, não só em sua postura, mas também ao mostrar para que Deus se manifesta na Terra: Deus, em sua humilde bondade infinita, ama a todos e sua lei beneficia os mais humildes, pois naturalmente (e espiritualmente) este é o estado mais puro da existência. A humildade não se trata de perfeição, mas de uma postura para iniciar o bem (e as respectivas manifestações do bem, como paciência, perdão etc).

sábado, 23 de dezembro de 2023

Leitura Ecumênica de "Anunciações"

 Este é um dos poucos textos dos 4 evangelhos que traz Maria, mãe de Jesus, como tema central.

Anunciações (Lucas 1: 1-38) 

"Tendo, pois, muitos empreendido pôr em ordem a narração dos fatos que entre nós se cumpriram, Segundo nos transmitiram os mesmos que os presenciaram desde o princípio, e foram ministros da palavra, Pareceu-me também a mim conveniente descrevê-los a ti, ó excelente Teófilo, por sua ordem, havendo-me já informado minuciosamente de tudo desde o princípio; Para que conheças a certeza das coisas de que já estás informado.

Existiu, no tempo de Herodes, rei da Judéia, um sacerdote chamado Zacarias, da ordem de Abias, e cuja mulher era das filhas de Arão; e o seu nome era Isabel.

Eram ambos justos perante Deus, andando sem repreensão em todos os mandamentos e preceitos do Senhor. E não tinham filhos, porque Isabel era estéril, e ambos eram avançados em idade.

Aconteceu que, exercendo ele o sacerdócio diante de Deus, na ordem da sua turma, Segundo o costume sacerdotal, coube-lhe em sorte entrar no templo do Senhor para oferecer o incenso. Toda a multidão do povo estava fora, orando, à hora do incenso e um anjo do Senhor lhe apareceu, posto em pé, à direita do altar do incenso.

Zacarias, vendo-o, turbou-se, e caiu temor sobre ele. Mas o anjo lhe disse: Zacarias, não temas, porque a tua oração foi ouvida e Isabel, tua mulher, dará à luz um filho, ao qual lhe porás o nome de João. Terás prazer e alegria e muitos se alegrarão no seu nascimento, porque será grande diante do Senhor, e não beberá vinho, nem bebida forte, e será cheio do Espírito Santo, já desde o ventre de sua mãe.

Converterá muitos dos filhos de Israel ao Senhor seu Deus, e irá adiante dele no espírito e virtude de Elias, para converter os corações dos pais aos filhos, e os rebeldes à prudência dos justos, com o fim de preparar ao Senhor um povo bem disposto.

Disse então Zacarias ao anjo: Como saberei isto? pois eu já sou velho, e minha mulher avançada em idade. 

Respondendo o anjo, disse-lhe: Eu sou Gabriel, que assisto diante de Deus, e fui enviado a falar-te e dar-te estas alegres novas. E eis que ficarás mudo, e não poderás falar até ao dia em que estas coisas aconteçam; porquanto não creste nas minhas palavras, que a seu tempo se hão de cumprir.

O povo estava esperando a Zacarias, e maravilhava-se de que tanto se demorasse no templo.

Saindo ele, não lhes podia falar e entenderam que tinha tido uma visão no templo. Ficou mudo e falava por acenos. E sucedeu que, terminados os dias de seu ministério, voltou para sua casa.

E, depois daqueles dias, Isabel, sua mulher, concebeu, e por cinco meses se ocultou, dizendo: Assim me fez o Senhor, nos dias em que atentou em mim, para destruir o meu opróbrio (desonra, afronta) entre os homens.

E, no sexto mês, foi o anjo Gabriel enviado por Deus a uma cidade da Galiléia, chamada Nazaré, A uma virgem desposada com um homem, cujo nome era José, da casa de Davi; e o nome da virgem era Maria.

Entrando o anjo aonde ela estava, disse: Salve, agraciada; o Senhor é contigo; bendita és tu entre as mulheres. E, vendo-o, Maria turbou-se muito com aquelas palavras, e considerava que saudação seria esta. 

Disse-lhe, então, o anjo: Maria, não temas, porque achaste graça diante de Deus. E eis que em teu ventre conceberás e darás à luz um filho, e pôr-lhe-ás o nome de Jesus. Este será grande, e será chamado filho do Altíssimo; e o Senhor Deus lhe dará o trono de Davi, seu pai; E reinará eternamente na casa de Jacó, e o seu reino não terá fim.

Então disse Maria ao anjo: Como se fará isto, visto que não conheço homem algum? Respondendo o anjo, disse-lhe: Descerá sobre ti o Espírito Santo, e a virtude do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra; por isso também o Santo, que de ti há de nascer, será chamado Filho de Deus. E eis que também Isabel, tua prima, concebeu um filho em sua velhice; e é este o sexto mês para aquela que era chamada estéril; Porque para Deus nada é impossível.

Disse então Maria: Eis aqui a serva do Senhor; cumpra-se em mim segundo a tua palavra. E o anjo ausentou-se dela."

L' Annonciation de Philippe de Champaigne (1602-1674)

São notáveis nos textos de Lucas, as citações envolvendo as mulheres na época de Cristo - assunto que era tabu até então, pois tanto a cultura judaica como a romana eram patriarcais e, portanto, machistas. Considerando os costumes da época, certamente alguns cristãos temiam sofrer represálias caso citassem as proezas de mulheres como Maria e Madalena, enquanto outros possivelmente diminuíam as histórias das mulheres cristãs, classificando-as como inferiores aos homens.

Nesta passagem citada por Lucas, nota-se como Deus ama a humanidade e como os humildes aceitam seus desígnios, pois enquanto Zacarias questionou ceticamente a incomum mensagem do anjo, Maria estranhou mas aceitou. Esta humildade de Maria certamente está interligada à receptividade e/ ou à serenidade, uma disposição interior necessária para se acolher. Também está vinculada à pureza, no sentido de não sentir desejos particulares, aceitando o novo e respeitando o divino, O Criador. Quando se é humilde é mais natural apreciar o que é mais sutil e sublime, portanto o que é mais puro e belo. Nota-se a beleza da criação e sua grandiosidade, assim busca-se a conexão com o todo, mantendo-se humilde, ou, como Jesus diz: pequenino.

Não é mera coincidência que o filósofo grego, Sócrates, em sua busca pelo que é belo e verdadeiro, O Bem (“kalos”), manteve sua presunção da ignorância, ressaltada pela sua famosa fala “Só sei que nada sei”. Humildade e receptividade são o que nos aproxima da pureza e são pré-requisitos para aquisição de todos saberes - religioso, filosófico ou científico. 

No livro "Fédon'', Sócrates conta como se interessou sobre Nous, a mente cósmica que, de acordo com Anaxágoras e outros filósofos naturalistas, gerou/ organizou todos elementos (astros etc) no cosmo/ na natureza. Porém Sócrates considerou insuficiente a visão de Anaxágoras, pois os naturalistas não buscavam se aproximar deste Criador e organizador do universo. Certamente Sócrates percebeu que existe algo a mais do que inteligência e organização por trás da criação: Há beleza e portanto sentimentos bons, como o amor. 

Na história da Kriya Yoga, fica nítida a importância e o valor da humildade, por exemplo, quando Paramahansa Yogananda, em sua autobiografia, cita passagens da relação com seu mestre Sri Yukteswar Giri. Yukteswar que começou a divulgar o ecumenismo entre "hinduísmo" e cristianismo era conhecido por sua severidade como mestre espiritual. Apesar disto sua relação afetiva com seus alunos era nítida e suas falas muitas vezes apresentava características de humildade e pureza que soam até mesmo estranhas para a cultura ocidental. Mesmo severo, ele se portava exatamente como os ensinamentos de Cristo nos orientam: valorizava e demonstrava piedade e amor incondicional.

sábado, 16 de dezembro de 2023

Leitura Ecumênica... da "genealogia" de Jesus

 Aqui trato dos textos que citam uma linhagem para Jesus de Nazaré. 

Diferentemente da Bíblia que separa os evangelhos por autores, nestas leituras ecumênicas tentarei juntá-los em uma suposta ordem cronológica, para depois comentar sob o olhar de diferentes pontos de vista: 

Prólogo/ Genealogia (Mateus 1: 1-18, Lucas 3: 23-38) 

Livro da geração de Jesus Cristo, filho de Davi, filho de Abraão. Abraão gerou a Isaque; e Isaque gerou a Jacó; e Jacó gerou a Judá e a seus irmãos; Judá gerou, de Tamar, a Perez e a Zerá; e Perez gerou a Esrom; e Esrom gerou a Arão; Arão gerou a Aminadabe; e Aminadabe gerou a Naassom; e Naassom gerou a Salmom; Salmom gerou, de Raabe, a Boaz; e Boaz gerou de Rute a Obede; e Obede gerou a Jessé; Jessé gerou ao rei Davi; e o rei Davi gerou a Salomão da que foi mulher de Urias. Salomão gerou a Roboão; e Roboão gerou a Abias; e Abias gerou a Asa; Asa gerou a Josafá; e Josafá gerou a Jorão; e Jorão gerou a Uzias; Uzias gerou a Jotão; e Jotão gerou a Acaz; e Acaz gerou a Ezequias; Ezequias gerou a Manassés; e Manassés gerou a Amom; e Amom gerou a Josias; Josias gerou a Jeconias e a seus irmãos na deportação para babilônia. E, depois da deportação para a babilônia, Jeconias gerou a Salatiel; e Salatiel gerou a Zorobabel; Zorobabel gerou a Abiúde; e Abiúde gerou a Eliaquim; e Eliaquim gerou a Azor; Azor gerou a Sadoque; e Sadoque gerou a Aquim; e Aquim gerou a Eliúde; Eliúde gerou a Eleazar; e Eleazar gerou a Matã; e Matã gerou a Jacó; E Jacó gerou a José, marido de Maria, da qual nasceu JESUS, que se chama o Cristo. De sorte que todas as gerações, desde Abraão até Davi, são catorze gerações; e desde Davi até a deportação para a babilônia, catorze gerações; e desde a deportação para a babilônia até Cristo, catorze gerações. 

 Este é o texto de Mateus que tem algumas diferenças em relação ao de Lucas (não mencionado aqui por razões que explicarei adiante), mas ambos tentam traçar a linhagem de Jesus de Nazaré - talvez porque isto fosse uma preocupação da época. 

A relevância destas tentativas é mínima diante dos ensinamentos de Cristo que priorizam o amor: O amor se manifesta através de virtudes/ posturas como humildade, receptividade, zelo, paciência, devoção, força de vontade e piedade… Pouco tem a ver com buscar uma linhagem de sangue para Jesus Cristo. 

Buscar tal linhagem pode fomentar uma mentalidade nacionalista e/ ou materialista, que prioriza a matéria, a tradição de uma determinada cultura e os laços “sanguíneos” ao invés de priorizar os bons sentimentos, pensamentos e atitudes. Possivelmente o lado bom em se traçar a genealogia de Jesus de Nazaré, seja mostrar que Deus sempre deu preferência a um povo humilde ao longo da história da Terra, e não à classe dominante de gente gananciosa e belicosa de impérios, como o Egito, a Assíria, a Acádia, a Babilônia e a confederação Fenícia que existiam ao redor dos povos hebreus/ judaicos. 

Porém vale lembrar que Deus, como criador do universo, transcende o espaço e o tempo. É prepotente e contraditório (portanto ilógico) querer prender a natureza de Deus apenas à Terra. É absurdo afirmar que Deus depende de uma linhagem de uma espécie em um pequenino planeta na vastidão do infinito. Tal argumento pode dar margem para doutrinas eugenistas e racistas, pois incita religiosos a invocarem uma linhagem divina particular entre os seres humanos. Incita os religiosos a afirmarem que Deus é exclusivo de determinada religião e que o resto (outras religiões, espiritualidades etc) é profano, do demônio etc.

Deus é um, Uno, supremo, onipresente e ama toda a sua criação e portanto ama toda espécie humana, todas suas culturas e nações. Deus ama todo o planeta Terra e muito mais - seu amor perpassa o espaço e o tempo. 

O evangelho de Felipe aponta que Deus não dependeu de linhagem alguma para encarnar como Jesus de Nazaré na Terra e o espiritismo indica que existem espíritos próximos de Jesus fora da cultura judaico-cristã, sendo alguns deles Sócrates e Platão, por exemplo. 

Na Kriya Yoga entende-se a importância da união entre os povos, entre toda a humanidade e mostra-se os vínculos entre as religiões e espiritualidades orientais e ocidentais. Alguns gurus / swamis / yogis da Índia também fazem orações a Jesus Cristo, além de respeitar e admirar as pessoas devotas que vivem de acordo com os ensinamentos de Jesus. Muitos "hindus" até mesmo aceitam a “santificação” comum entre católicos (o termo sri é traduzido como santo). Assim como o espiritismo e a filosofia de Platão, os praticantes da Kriya afirmam que Deus é um só, e que originalmente todas religiões deveriam levar os seres humanos à Deus. Deus este que criou toda a vida, todos seres humanos, sejam umbandistas, hindus, taoístas, budistas, islâmicos, judeus, cristãos, celtas, gregos, romanos, tupis, guaranis, astecas, esquimós, japoneses, árabes, portugueses, finlandeses, quenianos etc. Deus não prefere uma ou outra cultura, nem uma ou outra religião. É quem segue a lei divina de amor que une-se com Deus, independentemente de onde nasceu.


sábado, 9 de dezembro de 2023

Leitura ecumênica de "O Verbo" (João)

Deste post em diante devo trazer visões ecumênicas (dentro dos limites das religiões e filosofias que conheço) sobre os evangelhos de João, Lucas, Marcos e Mateus. Talvez eu também traga um pouco dos textos atribuídos a Tomé e Felipe nos próximos meses.

O Verbo (João 1: 1-18) 

"No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. 

Ele estava no princípio com Deus. 

Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez. 

Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens. 

E a luz resplandece nas trevas, e as trevas não a compreenderam. 

Houve um homem enviado de Deus, cujo nome era João (o Batista). 

Este veio para testemunho, para que testificasse da luz, para que todos cressem por ele. 

Não era ele a luz, mas para que testificasse da luz. 

Ali estava a luz verdadeira, que ilumina a todo o homem que vem ao mundo. 

Estava no mundo, e o mundo foi feito por ele, e o mundo não o conheceu. 

 Veio para o que era seu, e os seus não o receberam. 

Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, aos que crêem no seu nome; 

Os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus. 

E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós, e vimos a sua glória, como a glória do unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade. 

João testificou dele, e clamou, dizendo: Este era aquele de quem eu dizia: O que vem após mim é antes de mim, porque foi primeiro do que eu. 

E todos nós recebemos também da sua plenitude, e graça por graça. 

Porque a lei foi dada por Moisés; a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo. 

Deus nunca foi visto por alguém. O Filho unigênito, que está no seio do Pai, esse o revelou."

Certamente, desde o século 1 até este início de século 21, textos como este são considerados místicos, ou com forte teor místico. Isto porque falar sobre a criação do universo (a origem de tudo) ou sobre o Criador é falar do transcendente, ou seja, é falar do que vai além do que a maioria das pessoas neste início do século 21 ainda entendem por tempo e espaço. O tema toca a questão da Trindade e outros assuntos, todos misteriosos e difíceis de decifrar, justamente pelo fato de tratar do que está além da vida corpórea / sensorial, ou seja, o transcendente. 

A Kriya Yoga relaciona este trecho de João com Apocalipse 3:14: “Estas coisas diz o Amém, a testemunha verdadeira, o princípio da criação de Deus”. O “Om” dos Vedas veio a ser a palavra sagrada Hum dos tibetanos, Amin dos muçulmanos e Amém dos egípcios, gregos, romanos, judeus e cristãos. Em hebraico, seu significado é seguro, fiel. 

João trata da origem de Cristo como espírito, não apenas do Jesus encarnado em Nazaré. Assim, entende-se que Cristo é o espírito mais elevado e uno com Deus, pois estava (existe) desde o momento da criação do mundo (Terra) e possivelmente desde a criação do universo também. 

Existem diferentes visões sobre Jesus: desde as religiões tradicionais que explicam que ele é Deus até leituras meramente históricas que o tratam como um ser humano normal. Independentemente de propagar certezas, é bom evitar extremos, pois são visões mais reducionistas que tendem a dar abertura a conflitos e discórdia. Além disto, as diferentes religiões e espiritualidades podem conjecturar diferentes níveis de seres entre a Terra e Deus, sejam eles espíritos, anjos, devas ou daemons.

Porém teorizar uma hierarquia espiritual que o ser humano em sua vida corpórea dificilmente teria acesso, pode ser feito entre pessoas da mesma crença sem grandes problemas, mas, sendo um dos temas que não trata diretamente dos ensinamentos de Cristo, ele pode facilmente gerar discórdia entre pessoas de diferentes religiões e culturas. Buscando pontos convergentes, ou seja, em comum, com outras religiões, é interessante notar que o apóstolo João cita o termo o Verbo: Isto traz uma vaga semelhança aos textos da gênese da religião do profeta Mani (maniqueísmo), onde o chamado de Deus torna-se uma deidade. Mani propunha uma religião judaico-cristã e sincrética (com o zoroastrismo e o budismo) durante o conturbado ressurgimento do Império Persa (sob a dinastia Sassânida) na Ásia, aproximadamente onde hoje estão o Irã e o Iraque. Entre seus textos ficaram conhecidas as explicações sobre a gênese, anjos caídos e Adão. João também diz que a luz resplandeceu nas trevas, mas esta última não compreendeu e Mani diz que a luz de Deus foi recuperada das trevas que a engolia ou a cercava. Por fim, João admite a Trindade (Pai, filho e Espírito Santo) enquanto Mani cita o Deus Criador, a Mãe da Vida (Espírito Vivo) e o Homem Original. 

Apesar das vagas semelhanças entre diferentes espiritualidades e religiões, não é muito produtivo discutir mais detalhes sobre a trindade, origem e/ ou forma de Deus, de seus anjos e/ ou espíritos, uma vez que os seres humanos, ao invés de olharem para as semelhanças, tendem a olhar para as diferenças e defender suas próprias opiniões, deixando de lado a piedade e alegando inexistências, impondo restrições e atacando uns aos outros devido às interpretações divergentes etc.

Leitura ecumênica de "as boas obras", "a oração" e "o amigo insistente"

Aqui continuo com os ensinamentos de Jesus, conforme os textos atribuídos a Mateus e a Lucas:  Fazer as boas obras discretamente (Mateus, Lu...