segunda-feira, 17 de junho de 2024

Continuação de "A Nova Lei comparada à Antiga/ Sermão de Jesus"

Segue a continuação dos textos de Mateus e de Lucas, sobre os ensinamentos de Jesus:

"Ouvistes que foi dito aos antigos: Não cometerás adultério. 

Eu, porém, vos digo, que qualquer que atentar numa mulher para a cobiçar, já em seu coração cometeu adultério com ela. Portanto, se o teu olho direito te escandalizar, arranca-o e atira-o para longe de ti; pois te é melhor que se perca um dos teus membros do que seja todo o teu corpo lançado no inferno. E, se a tua mão direita te escandalizar, corta-a e atira-a para longe de ti, porque te é melhor que um dos teus membros se perca do que seja todo o teu corpo lançado no inferno. 

Também foi dito: Qualquer que deixar sua mulher, dê-lhe carta de divórcio. 

Eu, porém, vos digo que qualquer que repudiar sua mulher, a não ser por causa de fornicação, faz que ela cometa adultério, e qualquer que casar com a repudiada comete adultério."

A lei de evitar o adultério é aperfeiçoada da seguinte maneira: Não olhar desejando a mulher / o homem, pois isto é objetificar o ser humano e também é um tipo de cobiça. Objetificar é não respeitar o próximo e torná-lo possível alvo de violência. Além disto, todo crime e toda desigualdade começa da cobiça de algo, basta vermos o exemplo do dinheiro: Ao longo da história, a tecnologia e a capacidade de produção evoluiu muito, mas a iniquidade também aumentou: temos um número enorme de pessoas pobres, sem renda e sem moradia, enquanto alguns pouquíssimos têm fortunas gigantescas. Esta desigualdade é fruto de uma ganância insaciável dos indivíduos mais ricos e propaga miséria por toda civilização humana. Estas coisas acontecem porque a cobiça é um vício: Esta cobiça não é desejar algo que nós precisamos, é o desejar sempre mais. A pessoa que cobiça um homem ou uma mulher trata este(a) como objeto sexual e certamente irá querer mais e mais sexo. Bem como o ganancioso que enriquece e quer mais e mais dinheiro. O vício entorpece e limita a mente, além de causar mal às outras pessoas que dependem da pessoa “viciada” de maneira direta ou indireta. A seguir, Jesus fala sobre os juramentos e depois sobre como a vingança e a ira devem ser superadas:

"Outrossim, ouvistes que foi dito aos antigos: Não perjurarás, mas cumprirás os teus juramentos ao Senhor. 

Eu, porém, vos digo que de maneira nenhuma jureis; nem pelo céu, porque é o trono de Deus; Nem pela terra, porque é o escabelo de seus pés; nem por Jerusalém, porque é a cidade do grande Rei; Nem jurarás pela tua cabeça, porque não podes tornar um cabelo branco ou preto. Seja, porém, o vosso falar: Sim, sim; Não, não; porque o que passa disto é de procedência maligna."

Evitar juramentos é evitar a priorização de questões mundanas - é evitar priorizar os interesses terrenos. Embora alguns juramentos possam parecer belos, eles são em geral, exageros, excessos ou promessas desnecessárias sobre coisas que estão além do nosso controle. Como confiar em Deus e jurar algo para outro ser humano? Isto é contraditório por si só. Jesus pede simplesmente sinceridade e coerência: responder "sim ou não" sem querer dizer outra coisa, sem dissimulações ou mentiras.

"Ouvistes que foi dito: Olho por olho, e dente por dente. 

Eu, porém, vos digo que não resistais ao mau; mas, se qualquer te bater na face direita, oferece-lhe também a outra; E, ao que demandar em juízo contigo, e tirar-te a túnica, larga-lhe também a capa; E, se qualquer te obrigar a caminhar uma milha, vai com ele duas. Dá a quem te pedir, e não te desvies daquele que quiser que lhe emprestes; empreste sem esperar coisa alguma. 

Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo, e odiarás o teu inimigo. 

Eu, porém, vos digo: Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem; para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus; Porque faz que o seu sol se levante sobre maus e bons, e a chuva desça sobre justos e injustos. Pois, se amardes os que vos amam, que galardão tereis? Não fazem os publicanos (pecadores) também o mesmo? E, se saudardes unicamente os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem os publicanos também assim? 

Sede vós pois perfeitos, como é perfeito o vosso Pai que está nos céus."

A psiquê humana (seja alma ou mente) é capaz de evoluir racionalmente e de adquirir conhecimento. E também pode desenvolver sua sensibilidade/ empatia e força de vontade até, por fim, evoluir seu caráter moralmente e eticamente. 

Na história dos povos hebraicos/ judaicos pode se notar esta evolução com a superação do conceito de “ponto de honra”. A crença preconceituosa baseada na exaltação da personalidade e no orgulho, que gerou a frase “olho por olho, dente por dente”. Este pensamento simplista propagava a vingança, com a idéia rudimentar de retribuir uma ofensa ou injúria com outra ofensa / injúria. Até que então, Jesus vem e diz “se alguém vos bater na face direita, apresentai também a outra”. A pessoa orgulhosa rapidamente considera isto uma covardia ou uma tolice, já que ele não é capaz de imaginar nem sentir o futuro, portanto não entende que há mais coragem em suportar a ofensa / insulto, do que em revidá-la. 

É provável que mesmo no judaísmo místico que existiu na época do hermetismo, ou seja, pelo menos desde 300 antes de Cristo (tradicionalmente alega-se que existiu ao menos desde 2600 a.C.), o conceito de “olho por olho” (a vingança) já estivesse expresso como uma atitude errada. Esta confusão se dá em relação à Geburah, a zéfira (conceito) da força, do julgamento. Força aqui não é o aspecto físico, nem o ato de “julgar”. Refere-se sim à força de vontade para suportar uma ofensa. Refere-se ao julgamento de perceber os próprios deslizes e fraquezas mentais, corrigi-los e seguir firme no caminho do bem. No judaísmo místico, esta relação entre Geburah (a força, julgamento) e Chesed (a piedade, o amor) pode parecer difícil, mas é o que leva a uma evolução sentimental/ espiritual. Portanto Jesus veio corrigir não só os judeus na província romana da Judéia, como todos aqueles que viviam em orgulho nas seitas e religiões sincréticas pelo mundo todo. 

Dar a outra face ainda traz o significado de “mostrar o outro lado”, ou seja, ensinar que a violência do ser humano é um comportamento pior que animalesco/ selvagem, pois é movido por ódio ou rancor e pode gerar um ciclo vicioso de agressões e/ ou de conflitos. De fato, este pode ser um ensinamento difícil, uma vez que requer que a pessoa “pense adiante”, porém mesmo na natureza não há vida que destrua uma outra vida se não for por uma causa urgente, como por exemplo, sua sobrevivência. O espiritismo, bem como o platonismo, afirma que as psiquês desencarnadas (espíritos) retém seus sentimentos e caráter de quando eram “Vivos”/ encarnados. Por isso, Platão mostra que Sócrates em diálogo com os sofistas Górgias, Pólux e Cálicles, explicava que é melhor sofrer injustiça do que cometer injustiça. 

Ainda explicando sobre a importância de não irar-se, espiritualistas que "desenvolveram" ou receberam o dom da mediunidade, sabem ou deveriam saber que não se afasta um espírito cheio de ódio, demonstrando ódio. A pessoa obsidiada, por exemplo, deve fazer uma prece demonstrando humildade, paciência e firmeza. 

Leituras da Sanātana Dharma (hinduísmo), como a Kriya Yoga, explicam que evoluir espiritualmente não se trata de segurar a raiva ou reprimir o desejo: é eliminar a raiva, o desejo e o medo da própria mente. Embora possivelmente a maioria das pessoas considere tal feito muito difícil ou impossível, a verdade é que isso é praticável através da atenção em si mesmo, em seus próprios sentimentos e pensamentos. É claro que além da atenção é preciso esforço, devoção, determinação, piedade, paciência etc...

Por fim, deve-se sempre perdoar os oponentes e inimigos, sejam eles indivíduos ou grupos, próximos ou distantes. Não se trata de autodestruir-se e sim, de tentar ensinar o agressor a ser mais piedoso, ou simplesmente evitá-lo, jamais imitando as ofensas ou as violências deles. Isto não é utópico nem somente espiritual, é, antes de tudo, humanizador, pois colabora com uma convivência pacífica entre os seres humanos.

 

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