sábado, 27 de janeiro de 2024

Leitura Ecumênica da Infância e Adolescência de Jesus

 A seguir estão 3 passagens sobre a infância e adolescência de Jesus, seguidas de breves comentários, uma vez que do ponto de vista ecumênico há pouco o que se ressaltar sobre tais textos.

Apresentação de Jesus no Templo (Lucas 2: 22-39) 

"Cumprindo-se os dias da purificação, segundo a lei de Moisés, o levaram a Jerusalém, para o apresentarem ao Senhor (Segundo o que está escrito na lei do Senhor: Todo o macho primogênito será consagrado ao Senhor); 

E para darem a oferta segundo o disposto na lei do Senhor: Um par de rolas ou dois pombinhos. Havia em Jerusalém um homem cujo nome era Simeão; Este homem era justo e temente a Deus, esperando a consolação de Israel; e o Espírito Santo estava sobre ele. 

E fora-lhe revelado, pelo Espírito Santo, que ele não morreria antes de ter visto o Cristo do Senhor. Pelo Espírito foi ao templo e, quando os pais trouxeram o menino Jesus, para com ele procederem segundo o uso da lei, 

Ele, então, o tomou em seus braços, e louvou a Deus, e disse: 

Agora, Senhor, despedes em paz o teu servo, Segundo a tua palavra; Pois já os meus olhos viram a tua salvação, A qual tu preparaste perante a face de todos os povos; Luz para iluminar as nações, E para glória de teu povo Israel. 

José, e sua mãe, se maravilharam das coisas que dele se diziam. E Simeão os abençoou, e disse a Maria, sua mãe: Eis que este é posto para queda e elevação de muitos em Israel, e para sinal que é contraditado (E uma espada transpassará também a tua própria alma); para que se manifestem os pensamentos de muitos corações. 

E estava ali a profetisa Ana, filha de Fanuel, da tribo de Aser. Esta era já avançada em idade, e tinha vivido com o marido sete anos, desde a sua virgindade; 

Era viúva, de quase oitenta e quatro anos, e não se afastava do templo, servindo a Deus em jejuns e orações, de noite e de dia. E sobrevindo na mesma hora, ela dava graças a Deus, e falava dele a todos os que esperavam a redenção em Jerusalém. 

Quando acabaram de cumprir tudo segundo a lei do Senhor, voltaram à Galiléia, para a sua cidade de Nazaré."

Aqui consideremos este texto como uma tentativa séria de descrever a infância de Jesus, embora exista a discussão se esta passagem contém alguma verdade ou e é um mito criado após o período dos primeiros apóstolos, entre os séculos 1 e 3. Neste caso as passagens do nascimento de Jesus até os seus doze anos de idade, devem ter sido passadas adiante por José e/ ou Maria (por via oral, afinal era uma época onde poucos sabiam escrever), até que fossem registradas pelos apóstolos. O mais importante é buscar seu significado ou mensagem, que esteja de acordo com a lei divina, que é a lei de amor ensinada por Jesus:

De modo similar a profecia de Isaías (49, 6) “... Não basta que sejas meu servo para restaurar as tribos de Jacó e reconduzir os fugitivos de Israel, vou fazer de ti a luz das nações para propagar minha salvação até os confins do mundo”, Simeão diz que os ensinamentos de Jesus são luz para todas as sociedades da Terra. Isto significa amar a todos e ao Criador. Vários são os passos a seguir para se viver esta verdade que Jesus ensina em suas pregações e parábolas. Se todos seguissem tais passos, os problemas da humanidade cessariam.

Fuga ao Egito/ Massacre dos inocentes (Mateus 2: 13-23) 

"E, tendo eles (os magos) se retirado, eis que o anjo do Senhor apareceu a José num sonho, dizendo: Levanta-te, e toma o menino e sua mãe, e foge para o Egito, e demora-te lá até que eu te diga; porque Herodes há de procurar o menino para o matar. 

E, levantando-se ele, tomou o menino e sua mãe, de noite, e foi para o Egito. 

E esteve lá, até à morte de Herodes (existiram mais governantes com nome de Herodes), para que se cumprisse o que foi dito da parte do Senhor pelo profeta, que diz: Do Egito chamei o meu Filho. 

Herodes, vendo que tinha sido iludido pelos magos, irritou-se muito, e mandou matar todos os meninos que havia em Belém, e em todos os seus contornos, de dois anos para baixo, segundo o tempo que diligentemente inquirira dos magos. Então se cumpriu o que foi dito pelo profeta Jeremias, que diz: 

Em Ramá se ouviu uma voz, Lamentação, choro e grande pranto: Raquel chorando os seus filhos, E não quer ser consolada, porque já não existem. 

Morto, porém, Herodes, eis que o anjo do Senhor apareceu num sonho a José no Egito, Dizendo: Levanta-te, e toma o menino e sua mãe, e vai para a terra de Israel; porque já estão mortos os que procuravam a morte do menino. 

Então ele se levantou, e tomou o menino e sua mãe, e foi para a terra de Israel. 

E, ouvindo que Arquelau reinava na Judéia em lugar de Herodes, seu pai, receou ir para lá; mas avisado num sonho, por divina revelação, foi para as partes da Galiléia.

E chegou, e habitou numa cidade chamada Nazaré, para que se cumprisse o que fora dito pelos profetas: Ele será chamado Nazareno."

Esta passagem é exclusivamente narrada por Mateus e, independentemente de sua verificabilidade, conta sobre a crueldade de Herodes. Pois este texto de Mateus mostra sobre a mentalidade dos poderosos como o rei cliente Herodes: Sua sede e fascinação por poder e status na Terra certamente poderia despertar uma desconfiança que desencadeasse em crises de paranoia e surtos de violência. Mateus, sendo o apóstolo mais empenhado em mostrar a ligação da vida de Jesus com as previsões feitas pelos profetas, também cita como estes eventos foram profetizados por Jeremias séculos antes de Cristo. 

Jesus aos doze anos (Lucas 2: 41-52) 


Arte do século 19

“E o menino crescia, e se fortalecia em espírito, cheio de sabedoria; e a graça de Deus estava sobre ele. Ora, todos os anos iam seus pais a Jerusalém à festa da páscoa; 

Tendo Jesus já doze anos, subiram a Jerusalém, segundo o costume do dia da festa. E, regressando eles, terminados aqueles dias, ficou o menino Jesus em Jerusalém, e não o soube José, nem sua mãe. Pensando, porém, eles que viria de companhia pelo caminho, andaram caminho de um dia, e procuravam-no entre os parentes e conhecidos; Como não o encontraram, voltaram a Jerusalém em busca dele. E aconteceu que, passados três dias, o acharam no templo, assentado no meio dos doutores, ouvindo-os, e interrogando-os. Todos os que o ouviam admiravam a sua inteligência e respostas. 

Quando o viram, maravilharam-se, e disse-lhe sua mãe: Filho, por que fizeste assim para conosco? Eis que teu pai e eu ansiosos te procurávamos. 

E ele lhes disse: Por que é que me procuráveis? Não sabeis que me convém tratar dos negócios de meu Pai? 

E eles não compreenderam as palavras que lhes dizia. 

Então Jesus desceu com eles, e foi para Nazaré, e era-lhes sujeito. E sua mãe guardava no seu coração todas estas coisas. E crescia Jesus em sabedoria, e em estatura, e em graça para com Deus e os homens.” 

Se existem crianças e adolescentes classificados como superdotados intelectualmente na civilização humana, não deveria ser surpresa alguma que Jesus ainda adolescente pudesse ensinar os adultos em um templo. Mesmo porque Jesus também era superior aos demais seres humanos em relação aos sentimentos e emoções boas, como receptividade, amor, esperança etc. Isto não faz dele necessariamente um ser completamente separado da raça humana - e sim mostra o potencial humano de desenvolver bons sentimentos e emoções para conviver uns com os outros em sociedade. 

O espiritismo e a Kriya Yoga aceitam que as crianças humanas podem ter e mostrar uma grande variância de desenvolvimento mental, seja no âmbito intelectual/ cognitivo, ou no sentimental, moral e ético. Isto se deve pelo fato das almas reencarnarem há tempos imemoráveis.

O platonismo não difere muito do espiritismo e do hinduísmo neste ponto: Na obra Menon, Platão indica que existem reminiscências na psiquê que permitem que algumas pessoas "aprendam" certos "conhecimentos" mais rapidamente do que outras - O conhecimento estaria somente adormecido na psiquê, "pronto" para ser desperto. Isto seria uma consequência da imortalidade (e transmigração) das almas.

sábado, 20 de janeiro de 2024

Leitura Ecumênica da "Adoração dos Magos"

 A passagem seguinte trata da visita dos magos ao menino Jesus... Embora conhecidos como "reis magos", o texto original não menciona tal título aristocrático.

Adoração dos “magos” (Mateus 2: 1-13) 

"E, tendo nascido Jesus em Belém de Judéia, no tempo do rei Herodes, eis que uns magos vieram do oriente a Jerusalém, dizendo: Onde está aquele que é nascido rei dos judeus? porque vimos a sua estrela no oriente, e viemos a adorá-lo. 

E o rei Herodes, ouvindo isto, perturbou-se, e toda Jerusalém com ele. Congregados todos os príncipes dos sacerdotes, e os escribas do povo, perguntou-lhes onde havia de nascer o Cristo. E eles lhe disseram: Em Belém de Judéia; porque assim está escrito pelo profeta: E tu, Belém, terra de Judá, De modo nenhum és a menor entre as capitais de Judá; porque de ti sairá o Guia que há de apascentar o meu povo Israel. 

Então Herodes, chamando secretamente os magos, inquiriu exatamente deles acerca do tempo em que a estrela lhes aparecera. E, enviando-os a Belém, disse: Ide, e perguntai diligentemente pelo menino e, quando o achardes, participai-mo, para que também eu vá e o adore. 

Tendo eles ouvido o rei, partiram; e eis que a estrela, que tinham visto no oriente, ia adiante deles, até que, chegando, se deteve sobre o lugar onde estava o menino. E, vendo eles a estrela, contentaram-se muito com grande alegria. 

Entrando na casa, acharam o menino com Maria sua mãe e, prostrando-se, o adoraram; e abrindo os seus tesouros, ofertaram-lhe dádivas: ouro, incenso e mirra. E, sendo por divina revelação avisados num sonho para que não voltassem para junto de Herodes, partiram para a sua terra por outro caminho." 

Os magos: Arte (romana) bizantina do século 6

 Embora os textos do apóstolo Mateus geralmente fazem uma ligação com as profecias realizadas por patriarcas do judaísmo, nesta passagem dos “três”* magos, ele também indica um elo do nascimento de Jesus com uma religião/ cultura estrangeira. 

(*estipula-se que sejam em três por causa que são ofertados 3 presentes.) 

Os magos citados pelo apóstolo Mateus não são feiticeiros de contos de fantasia típicos da Europa Medieval. O termo mago deve se referir à magi - Um sacerdote comum na cultura das civilizações medas (madai) e persas. Esta classe sacerdotal seguia a religião masdeísta de Zoroastro e comumente serviam como conselheiros dos reis persas. Portanto quando os persas governaram séculos antes do nascimento de Jesus de Nazaré, certamente existiram magis em posição social elevada. Possivelmente por causa desta proximidade histórica com os antigos governos da confederação meda e do Império Persa Aquemênida, eles passaram a ser chamados de “reis” magos por autores posteriores à Mateus.

As civilizações (medas e persas) onde o masdeísmo/ zoroastrismo propagou-se, tiveram seu apogeu entre os anos 678 a.C. e 331 a.C., ou seja, na época de Jesus, elas já tinham sido dominadas por outros povos. Porém a cultura persa e sua religião não desapareceu por completo, tanto que foi aceita durante o domínio Parta (247 a.C. - 224 d.C.) e durante o Império Persa posterior, restaurado no ano de 221 depois de Cristo até o ano de 651 d.C. Portanto, o zoroastrismo ainda sobreviveria por mais de 6 séculos depois de Cristo. 

Sendo assim os magis certamente podem ter vindo de uma variada gama de regiões as quais já tinham sofrido influência anterior da cultura persa e de sua religião masdeísta: Egito, Babilônia (Iraque), Ásia Menor (Turquia), Pérsia (Irã), Partia entre outras. 

Estes magis, sendo sacerdotes honestos e verdadeiros, podem ter entendido o sinal de Aura Mazda, o Deus superior e bom do zoroastrismo, para encontrar Jesus Cristo. Isto por que é possível entender Aura Mazda como um sinônimo de Deus, mesmo tendo um tipo de rival maligno chamado Angra Manyu. Afinal Deus não rejeita culturas diferentes daquelas onde Jesus nasceu: A sua palavra (sua lei de amor) é para as pessoas de todas as nações - de todo o mundo. 

Mesmo com uma história de passado glorioso (afinal os antepassados dos magis serviram imperadores), os (três?) indivíduos desta classe que visitam Jesus, mantém uma postura humilde o tempo todo, comemorando o encontro do local de nascimento de Jesus e presentando uma família simples e pobre, sem status nem título algum! Isto mostra como deve ser a verdadeira espiritualidade e fé independente de qual seja a religião e a cultura. 

A Kriya Yoga entende que o sinal visto pelos magis, estava relacionado às suas desenvolvidas espiritualidades. Tal espiritualidade desenvolvida é explicada pelos conceitos hindus como um tipo de harmonia do elo entre alma e corpo. De alguma forma este elo seriam os chakras. Esta espiritualidade desenvolvida fez com que os magis recebessem sinais do nascimento de Jesus que estava para ocorrer, possivelmente através do Ajna, o chakra conhecido o "olho espiritual". Tal recepção, ou percepção, de sinais é parecido com o conceito de mediunidade apresentado pelo espiritismo.

Interessante notar que pessoas mais céticas podem acusar esta e outras passagens sobre a infância e juventude de Jesus, escritas por Mateus e por Lucas, de serem meros embelezamentos inventados pelos autores ou de serem fatos pouco embasados e muito distorcidos. É compreensível pensar que algum autor cristão após a morte de Jesus pudesse fazer isso para embelezar, engrandecer ou enfatizar a origem divina de Jesus, porém é preciso refletir bem antes de fazer tais acusações: Comparemos duas das histórias de Mateus: A fuga da família de Jesus devido a matança de crianças primogênitas por Herodes é acusada de fantasiosa porque é muito similar à história de Moisés. Os acusadores poderiam dizer que Mateus forçou um vínculo de Jesus com o judaísmo. Mas e a visita dos magos? Porque Mateus escolheria magos? Tais magos são sacerdotes de outra cultura com pouca influência significativa na Judéia: então para quê tal mentira seria inventada? Como tal história poderia ser um embelezamento, se a maioria dos cristãos sequer faz ideia que os magos eram magis masdeístas? Talvez esta cultura dos sacerdotes zoroastristas tenha uma leve influência no judaísmo místico (a cabala, que já devia existir em tradição oral, desde meados do século 3 a.C.) que, em prática, é uma vertente restrita da religião voltada a pequenos grupos de pessoas na sociedade. Portanto, mesmo que haja tal influência, os personagens não sendo populares, embelezariam a história da vida de Jesus só para uma minoria de místicos judeus. Ao observar tais fatos, parece no mínimo precipitado considerar esta passagem citada por Mateus, um conto embelezador ou uma mentira.

quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

Sobre duas obras de Chico Xavier

Chico Xavier é um médium bastante admirado no meio espírita brasileiro em geral. Porém eu concordo com uma interpretação comum entre os espíritas progressistas: Que ele fez boas obras e más obras - Chico Xavier foi humano, ora acertando e ora errando. Particularmente comecei a entender suas obras deste modo após duas experiências que eu tive por volta do ano de 2020. Estas experiências consideradas como mediúnicas devem ter algum valor para os meios que as aceitam, como o espiritismo, a umbanda (etc)... Porém, além da experiência mediúnica eu busquei analisar o conteúdo das obras também.

Venerar este médium (Chico) como se ele fosse um santo que só trouxe belas verdades indiscutíveis é uma ingenuidade. O próprio Kardec, ao fundar o espiritismo, afirmava que era preciso uma análise crítica das mensagens recebidas através dos espíritos. Esta crítica de Kardec não era simples negação das mensagens e sim uma verificação para entender se o conteúdo de tais mensagens estavam de acordo com os precursores do espiritismo, como Jesus Cristo, Platão e Sócrates (embora estes 2 últimos raramente sejam mencionados pela maioria espírita no Brasil). 

Particularmente lembro-me de 2 textos psicografados por Chico. O 1º que eu esqueci o título, trazia severas críticas e acusações ao fundador da ordem dos jesuítas (Iñigo López de Oñaz y Loyola 1491-1556, traduzido como Inácio de Loyola) e veneração pelo fundador do protestantismo (Martin Luther 1483-1546, traduzido como Martinho Lutero). Uma interpretação exagerada da história por si só, pois não acho que algum destes 2 personagens tenha sido um santo perfeito - apenas foram humanos no centro de um momento decisivo (e talvez cheios de polêmicas) da história do ocidente: A reforma, ou divisão, da igreja católica que era poderosíssima até então (século 15). Porém, além deste fato, durante a leitura, uma nítida presença horrível (sentimentos ruins, entendo que seja de algum espírito) tentou a me induzir a continuar lendo. Diante o fato, interrompi a leitura e considerei uma obra ruim. Afirmo que esta presença foi nítida por se tratar de algo tão real ou mais real do que a realidade que me cerca. Sei que este tipo de relato, de descrever fenômenos "mais reais do que reais", existe em outras experiências pouco aceitas pela ciência tradicional, como por exemplo, em caso de uso de substâncias psicodélicas/ enteógenas. Não há outra forma de descrever o fenômeno que presenciei ao ler tal obra. 

Mesmo se eu ignorasse o fenômeno incomum, o próprio conteúdo do texto, indica que Chico Xavier cometeu um equívoco aqui: No histórico conflito entre protestantes e jesuítas não houve um lado angelical contra um lado demoníaco. Embora Lutero certamente teve mais relevância do que Loyola na história da alternância de poder no ocidente, ambos os lados deixaram entre seus seguidores, personagens bons e ruins. 

Martinho Lutero não foi o primeiro a enfrentar a igreja católica: Jan Hus (1375-1415) foi um personagem tão importante quanto Lutero em questionar os poderosos na Europa, enfrentando tanto a igreja católica como o imperador germânico. Além de Hus, alguns dos filósofos platônicos como Giovanni Pico (1463-1494), foram assassinados após questionar o poder da Igreja. Não estou afirmando que Lutero foi insignificante, longe disto. Mas pretender colocá-lo como um oposto à Loyola, alegando que o segundo agiu de acordo com "forças do mal", é um exagero, pois o processo histórico é gradual e cheio de desdobramentos. Lutero e os protestantes definitivamente diminuíram o poder absurdo predominante entre o alto clero católico na Europa abrindo caminhos para a religiosidade ocidental e possivelmente a criação da ordem dos jesuítas teve intenções de manipular e reganhar poder para a igreja católica. Porém qualquer um que estude a história da colonização da América, perceberá que alguns jesuítas defenderam a vida de comunidades ameríndias inteiras diante escravagistas como os encomederos espanhóis e os bandeirantes portugueses. Além disto há quem diga que Lutero teve alguma responsabilidade sobre a guerra dos camponeses e seu trágico desfecho que seguiu após a propagação de suas obras. Há indivíduos bons e ruins em ambos os lados e idolatrar ou demonizar qualquer um destes personagens é fomentar divisão e prolongar rixas que já deveriam ter acabado há séculos. 

O 2º texto do famoso autor espírita não me trouxe alegria e paz de espírito, mas me pareceu mais coerente e também me causou uma experiência mediúnica mais sutil: Uma sensibilidade seguida por uma emoção difícil de explicar - um tipo de tristeza, mas acompanhada de uma forte intuição de que há uma verdade na mensagem escrita pelo médium. Segue o texto: 

O enigma da obsessão 

"Comentávamos em círculo íntimo o inquietante enigma da obsessão na Terra, alinhando observações e apontamentos. Por que motivo se empenham criaturas encarnadas e desencarnadas em terríveis duelos no santuário mental? Que a vítima arrancada ao corpo, em delito recente, prossiga imantada ao criminoso, quando a treva da ignorância lhe situa o espírito a distância do perdão, é compreensível, mas como interpretar os processos de metodizada perseguição no tempo? Como entender o ódio de certas entidades, em torno de crianças e jovens, de enfermos e velhinhos? Por que a ofensiva persistente dos gênios perversos, através de reencarnações numerosas e incessantes? No mundo, os assalariados do mal comprometem-se ao redor de escuros objetivos... Há quem se renda às tentações do dinheiro, do poder político, das honras sociais e dos prazeres subalternos, mas em derredor de que razões lutam as almas desenfaixadas da carne se para elas semelhantes valores convencionais de posse não mais existem? 

Longa série de “porquês” empolgava-nos a imaginação, quando Menés, otimista ancião do nosso grupo, à maneira de carinhoso avô, falou bem humorado: – A propósito do assunto, contarei a vocês um apólogo que nos pode conferir alguma idéia acerca do nosso imenso atraso moral. E, tranqüila, narrou: – Em épocas recuadas, numa cidade que os séculos já consumiram, os bois sentiram que também eram criaturas feitas por nosso Pai Celestial, não obstante inferiores aos homens. Sentindo essa verdade, começaram a observar a crueldade com que eram tratados. O homem que, pela coroa de inteligência, devia protegê-los e educá-los, deles se valia para ingratos serviços de tração, sob golpes sucessivos de aguilhões e azorragues. Não se contentando com essa forma de exploração, escravizava-lhes as companheiras, furtando-lhes o leite dos próprios filhos, reservando-lhes à família e a eles próprios horrível destino no açougue, Se alguns deles hesitavam no trabalho comum, sofrendo com a tuberculose ou com a hepatite, eram, de pronto, encaminhados à morte e ninguém lhes respeitava o martírio final. Muitas pessoas compravam-lhes as vísceras cadavéricas ainda quentes, tostando-as ao fogo para churrascos alegres, enquanto outras lhes mergulhavam os pedaços sangrentos em panelas com água temperada, convertendo-os em saborosos quitutes para bocas famintas. Não conseguiam nem mesmo o direito à paz do túmulo, porque eram sepultados, aqui e ali, em estômagos malcheirosos e insaciáveis. Apesar de trabalharem exaustivamente para o homem, não conseguiam a mínima recompensa, de vez que, depois de abatidos, eram despojados dos próprios chifres e dos próprios ossos, para fortalecimento da indústria... Magoados e aflitos, começaram a reclamar; contudo, os homens, embora portadores de belas virtudes potenciais, receavam viver sem o cativeiro dos bois. Como enfrentarem, sozinhos, as duras tarefas do arado? Como sustentarem a casa sem o leite? Como garantirem a tranqüilidade do corpo sem a carne confortadora dos seres bovinos? O petitório era simpático, mas os bichos se mostravam tão nédios e tão tentadores que ninguém se arriscava à solução do problema. Depois de numerosas súplicas sem resposta, as vítimas da voracidade humana recorreram aos juízes; entretanto, os magistrados igualmente cultivavam a paixão do bife e do chouriço e não sabiam servir à Justiça, sem as utilidades do leite e do couro dos animais. Assim, o impasse permaneceu sem alteração e qualquer touro mais arrojado que se referisse ao assunto, a destacar-se da subserviência em que se mantinha o rebanho, era apedrejado, espancado e conduzido, irremediavelmente, ao matadouro... O venerável amigo fez longa pausa e acrescentou: – Essa é a luta multissecular entre encarnados e desencarnados que se devotam ao vampirismo. Sem qualquer habilitação para a vida normal, fora do vaso físico, temem a grandeza do Universo e recuam apavorados, ante a glória do Espaço Infinito, procurando a intimidade com os irmãos ainda envolvidos na carne, cujas energias lhes constituem precioso alimento à ilusão. E desse modo que as enfermidades do corpo e da alma se espalham nos mais diversos climas. Os homens, que se julgam distantes da harmonia orgânica sem o sacrifício dos animais, são defrontados por gênios invisíveis que se acreditam incapazes de viver sem o concurso deles. O enigma da obsessão, no fundo, é problema educativo. Quando o homem cumprir em si mesmo as leis superiores da bondade a que teoricamente se afeiçoa, deixará de ser um flagelo para a Natureza, convertendo-se num exemplo de sublimação para as entidades inferiores que o procuram... Então, a consciência particular inflamar-se-á na luz da consciência cósmica e os tristes espetáculos da obsessão recíproca desaparecerão da Terra... Até lá – concluiu, sorrindo –, reclamar contra a atuação dos Espíritos delinqüentes, conservando em si mesmo qualidades talvez piores que as deles, é arriscar-se, como os bois, à desilusão e ao espancamento. O ímã que atrai o ferro não atrai a luz. Quem devora os animais, incorporando-lhes as propriedades ao patrimônio orgânico, deve ser apetitosa presa dos seres que se animalizam. Os semelhantes procuram os semelhantes. Esta é a Lei. Afastou-se Menés, com a serenidade sorridente dos sábios, e a nossa assembléia, dantes excitada e falastrona, calou-se, de repente, a fim de pensar." 

O texto não afirma que a conversa tenha realmente ocorrido em nossa história no planeta Terra. Mas seu conteúdo praticamente converge um saber científico com um espiritual. Claro, tal convergência pode ser inaceitável tanto para cientistas que negam toda a realidade espiritual como para religiosos anti-científicos. Porém a indústria agropecuária é obviamente desalinhada com a natureza da Terra, pois ela é formada por pequenos grupos de seres humanos buscando acumular uma invenção humana chamada dinheiro, destruindo vários hectares de terra com seus respectivos biomas naturais para forçar a procriação de uma enorme quantidade de gado e poucas outras espécies de animais "domesticados". Estes animais forçados a procriar, são alimentados com produtos modificados geneticamente, com o objetivo exclusivo de se tornarem produtos para consumo humano. Tal consumo não é feito por causa da importância dos nutrientes da carne ou do leite de tais animais e sim porque os agropecuaristas querem enriquecer e os consumidores acham o produto saboroso, ambos ignorando o quanto isto devasta os biomas da Terra. Estes são os fatos científicos. 

 O saber religioso aqui escrito por Chico Xavier é o elemento espiritual do texto: Tudo é naturalmente gradual tanto nas leis espirituais como nas leis naturais, porque estas leis não estão totalmente separadas entre si; Na verdade elas se conectam pois são a mesma em níveis diferentes. Sócrates, Platão (no diálogo/ texto Górgias) e Kardec já afirmavam esta conexão entre lei natural e lei divina. Certamente os hindus têm algum entendimento disto também, já que consideram a "vaca como um animal sagrado". Sendo toda a lei gradual, a formação e a evolução dos espíritos também é. Forçar a reprodução de milhões de bovídeos tem seu impacto no fluxo espiritual: é uma consequência lógica. Os ateus e crentes de religiões que ignoram a vida animal podem viver sem entender isto, mas espíritas, umbandistas e hinduístas deveriam no ao menos considerar tal explicação espiritual.

 

sábado, 13 de janeiro de 2024

Leitura Ecumênica do Nascimento de Jesus

Aqui trago os textos de Mateus e Lucas juntos, praticamente mesclados, não que isso gere um texto exatamente coerente, mas serve como um resumo a ser comentado... 

Legendas do texto: Lucas em vermelho; Mateus em azul; Intersecção entre autores: em preto.

Nascimento de Jesus (Mateus 1: 18-25, Lucas 2: 1-21) 

"Ora, o nascimento de Jesus Cristo foi assim: Que estando Maria, sua mãe, desposada com José, antes de se ajuntarem, achou-se ter concebido do Espírito Santo. 

Então José, seu marido, como era justo, e a não queria infamar, intentou deixá-la secretamente. Projetando ele isto, eis que em sonho lhe apareceu um anjo do Senhor, dizendo: José, filho de Davi, não temas receber a Maria, tua mulher, porque o que nela está gerado é do Espírito Santo; 

E dará à luz um filho e chamarás o seu nome JESUS; porque ele salvará o seu povo dos seus pecados

Aconteceu naqueles dias que saiu um decreto da parte de César Augusto, para que todo o mundo se alistasse (Este primeiro alistamento foi feito sendo Quirino presidente da Síria). 

Todos iam alistar-se, cada um à sua própria cidade. E subiu também José da Galiléia, da cidade de Nazaré, à Judéia, à cidade de Davi, chamada Belém (porque era da casa e família de Davi), A fim de alistar-se com Maria, sua esposa, que estava grávida. 

Aconteceu que, estando eles ali, se cumpriram os dias em que ela havia de dar à luz

Tudo isto aconteceu para que se cumprisse o que foi dito da parte do Senhor, pelo profeta, que diz; Eis que a virgem conceberá, e dará à luz um filho, e chamá-lo-ão pelo nome de EMANUEL, que traduzido é: Deus conosco. 

José, despertando do sono, fez como o anjo do Senhor lhe ordenara, e recebeu a sua mulher; e não a conheceu até que deu à luz seu filho, o primogênito; e pôs-lhe por nome Jesus. 

E Maria deu à luz a seu filho primogênito, e envolveu-o em panos, e deitou-o numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na estalagem. 

Ora, havia naquela mesma comarca pastores que estavam no campo, e guardavam, durante as vigílias da noite, o seu rebanho. 

Eis que o anjo do Senhor veio sobre eles, e a glória do Senhor os cercou de resplendor, e tiveram grande temor. E o anjo lhes disse: Não temais, porque eis aqui vos trago novas de grande alegria, que será para todo o povo: Pois, na cidade de Davi, vos nasceu hoje o Salvador, que é Cristo, o Senhor. E isto vos será por sinal: Achareis o menino envolto em panos, e deitado numa manjedoura. 

E, no mesmo instante, apareceu com o anjo uma multidão dos exércitos celestiais, louvando a Deus, e dizendo: Glória a Deus nas alturas, Paz na terra, boa vontade para com os homens. 

E aconteceu que, ausentando-se deles os anjos para o céu, disseram os pastores uns aos outros: Vamos, pois, até Belém, e vejamos isso que aconteceu, e que o Senhor nos fez saber. 

E foram apressadamente, e acharam Maria, e José, e o menino deitado na manjedoura. 

Vendo-o, divulgaram a palavra que acerca do menino lhes fora dita; 

E todos os que a ouviram se maravilharam do que os pastores lhes diziam. 

Mas Maria guardava todas estas coisas, conferindo-as em seu coração. 

E voltaram os pastores, glorificando e louvando a Deus por tudo o que tinham ouvido e visto, como lhes havia sido dito. 

E, quando os oito dias foram cumpridos, para circuncidar o menino, foi-lhe dado o nome de Jesus, que pelo anjo lhe fora posto antes de ser concebido."

Há diferenças entre os textos de Mateus e Lucas, o que não é algo inesperado já que os 2 apóstolos viveram em épocas próximas, mas não iguais, e cada um deles tinha sua própria interpretação dos fatos e sua respectiva maneira de narrá-los: Mateus indica uma gravidez milagrosa, enquanto Lucas dá ênfase à aparição dos anjos. Mateus alega que magos visitaram Jesus (explicarei no próximo texto) enquanto Lucas menciona os pastores que viviam nos arredores de José e Maria (na mesma comarca).

Os anjos tratados como ficção ou alegorias pelo materialismo, são espíritos moralmente superiores em relação aos humanos, de acordo com o espiritismo. Eles podem aparecer de variadas maneiras para os seres humanos, mas de modo geral, surgem numa forma aceitável para quem os recebe. 

A Kriya yoga aceita a terminologia "anjo" em busca de um diálogo ecumênico (entre religiões), mas certamente usa outros nomes dentro da cultura hindu/ da Índia. 

O platonismo cita a existência de seres além da vida corpórea, mas não é claro para definir nomes ou categorias destes seres, certamente porque tinha o dever de fazer um diálogo transitório da religião politeísta/ mitologia da Grécia clássica e a filosofia que estava surgindo naquela época (século 4 a.C.). Na filosofia fundada por Sócrates e Platão, são mencionados seres psíquicos (mentais/ espirituais) capazes de entrar em contato com os seres humanos, como é o caso do "daemon" de Sócrates, uma espécie de gênio, espírito guia ou semi-divindade. Embora Sócrates e Platão não descrevam a aparência dos daemons, na arte grega alguns deles aparecem como seres humanos de asas emplumadas (Nike, a daemon da vitória é um exemplo). Outros seres "psíquicos" são as ninfas mencionadas no diálogo Phaedrus (Fedro). Possivelmente as denominações e classificações de anjos só foram trabalhadas através de sincretismos religiosos/ filosóficos durante os séculos 1, 2 e 3. 

Interpretações mais críticas destes textos sobre o nascimento do Jesus, tratam seu conteúdo como um mito, ou seja, uma invenção. Alguns destes críticos afirmam que estes textos foram inventados para embelezar a história de Jesus de Nazaré, enquanto outros acreditam que é uma "mitificação" de Jesus, que coloca-o como um ser divino distante das pessoas normais. Porém é importante lembrar que tratando-se de um personagem que veio trazer ensinamentos belos e importantes à humanidade, tanto sobre questões da vida terrestre como sobre a vida posterior (espiritual), é plausível, ao menos, deixar tais questões em aberto. 

Assim como encher Jesus de atributos e detalhes fantásticos poderia "distanciá-lo" das pessoas fazendo com que elas nem tentassem seguir seus ensinamentos, o contrário, retirar-lhe todos atributos divinos, também pode gerar afastamento entre Jesus e as pessoas, pois é negar uma série de histórias, crenças e esperanças, impondo uma visão de mundo de que não existe nada além do que possamos ver, ouvir ou tocar. 

Detalhar ou explicar mais todas argumentações à favor e contra o conteúdo destas passagens, não é falar da importância dos ensinamentos de Cristo nem de outro profeta ou sábio de religião alguma… A gravidez milagrosa e a vinda de anjos são assuntos que fazem com que cada pessoa defenda sua própria crença ou ponto de vista: Geralmente afastam as pessoas da postura de humildade, de receptividade e de tolerância, também afastando-as da importância da solidariedade, enfim, do bem. Sem estas posturas não há diálogo, nem ecumenismo... Pode-se até mesmo afastar as pessoas da espiritualidade! 

Ao longo de seus textos, Lucas parece priorizar a humildade através do desapego da posse de riquezas e do dinheiro, enquanto Mateus indica um caminho mais voltado ao desapego dos prazeres materiais. Isto não quer dizer que um deles ou ambos estejam errados e sim que cada indivíduo tem seu viés ao buscar viver e ensinar sobre a lei divina de amor propagada por Jesus Cristo. Mateus sendo um publicano (cobrador de impostos a serviço do Império Romano) devia tolerar mais as riquezas, dando menos importância aos ensinamentos que fomentam o afastamento de tais coisas. Já Lucas, como um médico, possivelmente tolerou mais os erros e vícios relativos ao corpo humano. 

Lucas menciona que os pastores que viviam nas proximidades foram avisados pelo(s) anjo(s) sobre o nascimento de Jesus. Interessante notar que além de pertencerem a uma classe humilde, eles pareciam esforçados devido ao fato de guardarem as ovelhas à noite e também foram receptivos à mensagem dos anjos.

Mateus cita os magos (sacerdotes zoroastristas) que vieram de longe e falaram com o governante da província romana da Judeia, Herodes. Certamente notando algo estranho com Herodes, os magos, chamados de "wise men" no idioma inglês (homens sábios), partem ao encontro com Jesus e não informam a localização deste ao governante.

Enfim, o texto que mais evidencia a origem humilde de Jesus de Nazaré possivelmente é do profeta judeu Isaías (53, 1-3): "Quem deu crédito à nossa pregação? E a quem se manifestou o braço do Senhor? Cresceu perante ele, e como raiz numa terra árida; não tinha beleza nem formosura e, olhando nós para ele, não havia boa aparência nele, para que o desejássemos. Era desprezado, e o mais marginalizado entre os homens, homem de dores, e experimentado nos trabalhos; e, como um de quem os homens escondiam o rosto, era desprezado, e não fizemos dele caso algum." Esta passagem está de acordo com a descrição de Mateus e de Lucas - Jesus nasceu entre os humildes e receptivos, pois não faria sentido algum ser de modo diferente: Jesus que veio ensinar sobre amor, humildade e esperança, sendo um dos seres mais elevados moralmente (eticamente) e espiritualmente, não precisaria passar pelo abandono de uma vida de riquezas como vários outros personagens de elevada espiritualidade passaram (por exemplo, Sidarta Gautama, Francisco de Assis entre outros).

sábado, 6 de janeiro de 2024

Leitura Ecumênica do Nascimento de João (O Batista)

Ao lado da passagem dos magos citada por Mateus, este texto de Lucas indica um possível e vago elo do judaísmo e do cristianismo com uma religião típica do oriente do Levante: O masdaísmo/ zoroastrismo. A profecia de Zacarias invoca mais uma vez a liberdade de se cultuar Deus (monoteísmo) ante opositores, além de citar uma "visita do oriente" possivelmente relacionada à passagem dos magos.

Nascimento de João Batista/ Cântico de Zacarias (Lucas 1: 57-80) 

"Completando-se para Isabel o tempo de dar à luz, teve um filho. 

Os seus vizinhos e parentes ouviram que tinha Deus usado para com ela de grande misericórdia, e alegraram-se com ela. 

Aconteceu que, ao oitavo dia, vieram circuncidar o menino, e lhe chamavam Zacarias, o nome de seu pai. E, respondendo sua mãe, disse: Não, ele será chamado João. 

E disseram-lhe: Ninguém há na tua parentela que se chame por este nome. Então perguntaram por acenos ao pai como queria que lhe chamassem. 

Pedindo ele uma tabuinha de escrever, escreveu: O seu nome é João, e todos se maravilharam. E logo a boca se lhe abriu, e a língua se lhe soltou; e falava, louvando a Deus. 

E veio o temor sobre todos os seus vizinhos, e em todas as montanhas da Judéia foram divulgadas todas estas coisas. 

Todos os que as ouviam as conservavam em seus corações, dizendo: Quem será, pois, este menino? E a mão do Senhor estava com ele. 

E Zacarias, seu pai, foi cheio do Espírito Santo, e profetizou, dizendo: 

Bendito o Senhor Deus de Israel, Porque visitou e resgatou o seu povo, e nos levantou uma salvação poderosa na casa de Davi, seu servo. 

Como falou pela boca dos seus santos profetas, desde o princípio do mundo; Para nos livrar dos nossos inimigos e da mão de todos os que nos odeiam; Para manifestar misericórdia a nossos pais, e lembrar-se da sua santa aliança, E do juramento que jurou a Abraão nosso pai, de conceder-nos que, libertados da mão de nossos inimigos, o serviríamos sem temor, em santidade e justiça perante ele, todos os dias da nossa vida. E tu, ó menino, serás chamado profeta do Altíssimo, Porque hás de ir ante a face do Senhor, a preparar os seus caminhos; Para dar ao seu povo conhecimento da salvação, Na remissão dos seus pecados; Pelas entranhas da misericórdia do nosso Deus, Com que o oriente do alto nos visitou; Para iluminar aos que estão assentados em trevas e na sombra da morte; A fim de dirigir os nossos pés pelo caminho da paz. 

E o menino crescia, e se robustecia em espírito. E esteve nos desertos até ao dia em que havia de mostrar-se a Israel."

"Nascimento de São João Batista" por Artemisia Gentileschi (1593-1656)

Na época do nascimento de Jesus, os judeus/ israelitas eram praticamente o último povo a praticar alguma forma de monoteísmo. Isto por que certamente até mesmo religião masdeísta ensinada por Zoroastro por volta do ano 1000 a.C., que não "possuindo vários deuses", podia ser considerada dualista ou monoteísta, estava em baixa (mas não totalmente desaparecida). Pois o império persa, seu principal propulsor, já havia ruído há cerca de 300 anos antes de Cristo, sendo substituído pelo Império Parta. 

Curiosamente a história do monoteísmo, apesar de centrada no judaísmo, não é exclusiva dos antigos povos hebraicos/ judeus. Por estar inserida no mundo, ela toca outras culturas, sendo afetada por estas. É aceito que várias vezes os descendentes dos povos libertos por Moisés, deixaram seu monoteísmo de lado e praticaram cultos politeístas típicos de seus vizinhos cananeus e mesopotâmicos. Este abandono do monoteísmo a favor do politeísmo pode ter acontecido com ou sem pressão exercida pelas nações vizinhas e na narrativa do Velho Testamento, tais posturas foram punidas por razões certamente relacionadas àquela época antiga (6 ou mais séculos antes do nascimento de Jesus Cristo). Frequentemente cercados por nações politeístas então, um dos poucos períodos em que os judeus tiveram a liberdade de cultuar seu monoteísmo (venerar O Deus e não "deuses" das religiões de nações  vizinhas) foi sob a expansão do Império Persa, este que tinha como principal religião o masdaísmo/ zoroastrismo. Isto deve ter acontecido não só nos conformes das explicações bíblicas, mas também pelo fato histórico do imperador persa permitir a liberdade de culto e pelo fato que o zoroastrismo pregava o culto ao deus bom, Aura Mazda e não ao "deus" mau, seu opositor. Sendo assim, os persas, quando expandiram seus territórios rumo ao ocidente encontraram a religião mais similar a de seu povo com os judeus: O masdaísmo/ zoroastrismo tinha mais pontos em comum com o judaísmo do que com as religiões politeístas de sua época.  

Além disto, Deus descrito por Zacarias, veio manifestar a misericórdia e tem o objetivo de guiar seus seguidores e seus fiéis, pela paz, sem temor. Deus não inspira temor, pois é misericordioso e pacífico - quem espalha pânico e quem faz guerra em nome de Deus, gera todo tipo de violência e temor, portanto é farsante.

Assim, faz sentido que o profeta (do cristianismo, a religião monoteísta que aperfeiçoa o judaísmo) João Batista nascesse na província da Judéia, ainda que dominada pelo Império Romano. Ele ficou incumbido de preparar o povo para receber as mensagens de Jesus, já que o judaísmo estava predominantemente tomado por seitas decadentes apegadas ao materialismo e ao formalismo. 

Conforme foi crescendo, João se afastou da sociedade judaica que estava liderada por corruptos e falsos profetas, preferindo viver no deserto. Isto pode ter sido uma forma de protesto numa visão típica da teologia da libertação ou uma forma de manter-se em isolamento, buscando viver em humildade e pureza nos conformes de uma interpretação hinduísta. De ambas as maneiras, João se afastaria das áreas urbanas dominadas pelos grupos interesseiros de sua região e época.

Leitura ecumênica de "as boas obras", "a oração" e "o amigo insistente"

Aqui continuo com os ensinamentos de Jesus, conforme os textos atribuídos a Mateus e a Lucas:  Fazer as boas obras discretamente (Mateus, Lu...