sábado, 30 de novembro de 2024

Leitura ecumênica de "1⁰ anúncio da paixão" e "Imagens";

Seguem 2 textos cristãos: O 1º é aceito nas religiões católicas e protestantes/ evangélicas, tendo autoria atribuída a Mateus, Marcos e Lucas. Posteriormente constatou-se que o mesmo texto com algumas diferenças também aparecem no evangelho atribuído a Tomé. 

O 2º corpo de textos faz parte das descobertas feitas no ano de 1945, em Nag Hammadi, e são atribuídos aos apóstolos Tomé e Filipe com ressalvas: Não há consenso sobre a autoria ou a data em que foram escritos. O que se sabe é que fazem parte do cristianismo primitivo. Os textos de Tomé podem ter sido escritos entre os anos de 40 e 140, enquanto os de Filipe, entre os anos de 180 e 350; Geralmente os estudiosos consideram este último como feito durante o século 3. 

As legendas são baseadas nas cores: Textos exclusivamente atribuídos a 1 único autor estão em colorido (Lucas em vermelho, Tomé em ciano e Filipe em magenta); o restante em preto refere-se às partes do escritas por vários autores (iguais entre Mateus, Marcos, Lucas, Tomé ou qualquer combinação destes).

Confissão de Pedro/ Primeiro Anúncio da Paixão (Tomé, Mateus, Marcos, Lucas

Chegando ao território de Cesaréia de Felipe, Aconteceu que, estando ele (Jesus) só, orando, foram ter com ele os discípulos; 

Então Jesus perguntou-lhes, dizendo: Quem diz a multidão que eu sou? 

E, respondendo eles, disseram: João o Batista; outros, Elias, e outros que um dos antigos profetas ressuscitou. 

Então Jesus disse aos seus discípulos: E vós, quem dizeis que eu sou? "Compare-me com alguém e diga-me com quem eu pareço."

Mateus disse a Ele: "Você é como um sábio filósofo".

Respondendo Pedro, disse: Um anjo justo. O Cristo de Deus. 

E Jesus, respondendo, disse-lhe: Bem-aventurado és tu, Simão Barjonas (filho de Jonas), porque tu não revelou a carne e o sangue, mas o meu Pai, que está nos céus. Pois também eu te digo que tu és Pedro (pedra, Kefa), e sobre esta pedra edificarei a minha igreja (*), e as portas do inferno não prevalecerão contra ela; E eu te darei as chaves do reino dos céus; e tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus. 

E, admoestando-os, mandou que a ninguém referissem isso, (que ele era Jesus, o Cristo) Dizendo: É necessário que o Filho do homem sofra muitas coisas, e seja rejeitado dos anciãos e dos escribas, e seja morto, e ressuscite ao terceiro dia. 

E Pedro, tomando-o de parte, começou a repreendê-lo, dizendo: Senhor, tem compaixão de ti; de modo nenhum te acontecerá isso. 

Ele, porém, voltando-se, disse a Pedro: Para trás de mim, Satanás, que me serves de escândalo; porque não compreendes as coisas que são de Deus, mas só as que são dos homens. 

Tomé disse a Ele: "Mestre, minha boca é totalmente incapaz de dizer com quem você se parece." 

Jesus disse: "Eu não sou seu mestre. Porque você bebeu, você ficou intoxicado pela fonte borbulhante que eu tenho medido." E Ele o tomou e retirou-se e disse-lhe três coisas. 

Quando Tomé voltou para seus companheiros, eles lhe perguntaram: "O que Jesus diz a você?" 

Tomé disse-lhes: "Se eu lhes disser uma das coisas que ele me disse, vocês vão pegar pedras e jogá-las em mim; um fogo sairá das pedras e vos queimarão". 

Certamente os judeus na época de Jesus estavam apegados às suas próprias leis e interpretações de sua religião abraâmica. Não somente isto: também faz sentido que muitos ainda estivessem apegados às figuras dos profetas, sejam eles os citados neste texto do evangelho ou outros patriarcas do judaísmo. Este era um dos possíveis motivos da dificuldade em aceitar Jesus como profeta e filho de Deus. Jesus então reforça sua identidade como filho de Deus e sua missão na Terra. 

Quando Shi’mon Bar Yonah (Simão, filho de Jonas) diz que Jesus é o "Cristo" (palavra grega que significa bom ou ungido) de Deus, ou, de acordo com o evangelho de Tomé, diz que Jesus é o anjo justo, este o responde que não revelou a carne e o sangue (possivelmente o corpo), mas sim Deus. Jesus, então o nomeou de Kefas (Pedro), que significa pedra

(*) É preciso ver a palavra dita no idioma que Jesus e/ ou os apóstolos falavam. Entende-se que a palavra igreja venha do grego "ekklesia", que significava assembleia. Com o passar do tempo certamente igreja foi sendo mais entendida como sinônimo de templo.  É possível que Jesus tenha dito que edificaria seu templo em Pedro, pois nós seres humanos, de certa forma, somos templos sagrados concedidos por Deus às nossas almas/ aos nossos espíritos. Afinal Jesus, continuando, diz que dará a chave dos céus à Pedro. Religiosos interpretam que Jesus ordenou a fundação da igreja nesta passagem, porém vale lembrar chamar Simão Bar Yonas de "pedra" pode significar chamá-lo de forte como a pedra, ou resistente como a pedra, para não ceder às fraquezas como o egoísmo e a ignorância. Assim, Jesus poderia estar ensinando este a não ceder à fúria (como no caso em que Pedro ataca um adversário com a espada) nem ceder ao medo, à covardia (quando nega Jesus três vezes seguidas). Jesus faz isso uma outra vez, quando diz que orou a Deus para que Pedro "envergasse mas não quebrasse" diante as dificuldades.

Também é notável que Jesus não proibiu seus seguidores de pregarem em templos, porém transmitiu a maior parte de seus ensinamentos em suas caminhadas, seja em ruas de cidades ou em campos e ermos, enquanto ajudava os mais pobres, os doentes e os desamparados. 

Por fim, quando Pedro contraria Jesus, dizendo que nenhum mal lhe acontecerá, ele certamente mal sabia o que estava dizendo. Jesus então, voltando-se a Pedro, ordena que satanás se afaste porque certamente as palavras ditas pelo apóstolo foram feitas na ignorância. A advertência que Pedro fez, ignorou o fato que Jesus não se importava com as "coisas dos homens" (lutar por sua própria vida ou encher-se de auto-piedade), e sim em pregar a lei de amor de Deus, enfrentando seus opositores, sejam eles os sacerdotes, ou os romanos como Pilatos, os soldados etc. Jesus, que já era odiado por muitos fariseus, saduceus e escribas, sabia que seus ensinamentos não seriam aceitos instantaneamente, e sim, que demorariam muitos anos para serem difundidos através das civilizações. 

A versão atribuída ao apóstolo Tomé fala sobre uma "fonte que deve intoxicar o coração dos humanos": poderia ser o materialismo, o ceticismo (típico de Tomé), os desejos, intenções e ambições ou os sentimentos negativos. Para lidar com um cético como Tomé, durante o século 1, certamente foi utilizada uma linguagem mística, embora talvez possa haver algum exagero no último parágrafo do evangelho "de Tomé"; O que Jesus disse em segredo a Tomé então deveria parecer algo difícil de entender, ou talvez bizarro para a maioria das pessoas daquela época e local onde os apóstolos viviam. Vale lembrar que mesmo religiosos judeus como Nicodemos, tinham dificuldade em entender Jesus: https://novotemplodauniao.blogspot.com/2024/04/leitura-ecumencia-de-jesus-conversa-com.html

Diferentemente de Platão (428 aC - 347 aC) que fomentava entre as elites gregas as virtudes, ou seja, as ideias dos valores universais (a justiça, a temperança, a coragem e o bem/ belo) através do diálogo e dos estudos da matemática, da geometria, da astronomia/ astrologia e da música, Jesus lidava com uma maioria empobrecida na Judéia tomada pelos romanos, por volta do ano 30 d.C. Sem acesso aos estudos e à filosofia, a maioria do povo da região onde Jesus vivia, precisavam aprender sobre o amor, o bem, a solidariedade, a piedade, a humildade (etc) através de ensinamentos simples, através de parábolas, ou, em último caso, através da linguagem mística que trata da relação do ser humano com a realidade espiritual e/ ou divina. 

Imagens (Tomé, Filipe

A verdade não veio ao mundo nua, mas veio em tipos e imagens. O mundo não receberá a verdade de nenhuma outra maneira. Há um renascimento e uma imagem de renascimento. Certamente é necessário nascer de novo através da imagem. Qual deles? Ressurreição. A imagem deve erguer-se novamente através da imagem. A câmara nupcial e a imagem devem entrar pela imagem na verdade: esta é a restauração. Não apenas aqueles que produzem o nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo devem fazê-lo, mas os produziram para você. Se alguém não os adquirir, o nome ("cristão") também será tirado dele. “Mas a pessoa recebe a unção do [...] … poder da cruz. Esse poder os apóstolos chamavam de "direita e esquerda". Pois essa pessoa não é mais um cristão, mas um Cristo.” 

Jesus disse: As imagens são manifestas ao homem, mas a luz nelas permanece oculta na imagem da luz do Pai. Ela se tornará manifesta, mas sua imagem permanecerá oculta por sua luz. Quando você vê a sua semelhança, você se alegra. Quando você vê suas imagens que surgiram antes de você, e que nem morrem nem se tornam manifestas, quanto tereis de suportar! 

Filipe e Tomé comparam o mundo (ou universo) material com imagens: A verdade é algo superior ao universo e só pode vir como tipos e imagens para cá. Assim, "o mundo" seria composto de meras imagens da verdade, a realidade espiritual, divina, de Deus.

Nossa mente com seus pensamentos e sentimentos, ou seja, nossa alma, é oculta “em nosso corpo”. O corpo dos seres humanos é uma dessas imagens que percebemos em vida, enquanto nossa alma é feita da luz de Deus. Assim, nascer de novo através da imagem, significa renascer (reencarnar, mas como essa palavra não era conhecida na Judéia e/ ou entre judeus, eles certamente usavam a palavra ressuscitar tanto para ressurreição como para reencarnação) no corpo.

Quando chegar a hora nossa alma será manifesta e a imagem (relacionada ao corpo, ou à reencarnação) deverá ficar oculta, como uma mera memória esquecida. Certamente Tomé quis dizer que quando vemos nossas imagens anteriores, sofremos por ver defeitos e pecados do passado ou de outras vidas. 

Filipe, neste seu texto, diz que a "ressurreição" é erguer a imagem pela imagem, então certamente não fala da alma manifestando-se em sua luz: fala de um renascimento, ou seja, de reencarnar.  

Pautando esses temas dos evangelhos de Tomé e de Filipe, considero importante notar também o seguinte: O que vi em estudos sobre o "evangelho de Filipe" parece indicar que estudiosos proeminentes (como Van den Broek) dão uma ênfase nas questões da sacralidade do casamento ou da "relação homem-mulher" desses textos do cristianismo "primitivo". Embora o tema da "relação homem-mulher" seja nítido em alguns trechos, em outros não é. O evangelho de Filipe está fragmentado, com partes faltantes, então vieses são inevitáveis. Aqui procuro observar mais as questões relativas à realidade espiritual e ao espírito, que aparecem nos textos tanto de Filipe, como de Tomé.

Os textos de Tomé e Filipe, apesar da linguagem frequentemente estranha ou complexa, tratava das questões espirituais com teor místico típicos da região e época (Judéia, Império Romano, durante o século 1 ou 2). Tais argumentos dialogam com o médio platonismo; o movimento dos séculos 1 e 2 d.C., baseado na filosofia fundada por Platão no século 3 a.C. O (médio) platonismo tentava restaurar a filosofia de Platão, distorcida por autores anteriores como os céticos, mas tinha abertura a um ecletismo, dialogando com outras ideias da época. Sua aceitação no Império Romano variou: alguns imperadores aceitaram esta e outras filosofias, como foi o caso de Marco Aurélio, porém, vários outros imperadores perseguiram os filósofos, principalmente por esses fazerem críticas ao governo imperial. 

O platonismo, seguindo a lógica de Platão, ensinava que a psiquê (alma) é imortal e transmigrava (de modo similar à reencarnação). A realidade cognoscível, das idéias (eidos, que também significava forma), é superior à realidade sensível (sensorial), pois é a realidade dos valores universais e imutáveis, como as virtudes da justiça, da temperança, da moderação e do bem/ belo (kalos). Estas eidos eram "unas", o que significa uma ideia de união e de universalidade, por isso deveriam ser aplicadas ao coletivo, como mostrado o diálogo "A República".

E, além disso, tais "ideias" relacionavam-se com a essência das coisas, o Ser (ontos), possivelmente fazendo a ponte com as insinuações de um Theos (Deus) supremo feitas pelo filósofo em vários trechos de suas obras. Apesar destas insinuações, não é claro se esse Theos com inicial maiúscula é o demiurgo apresentado pelo autor, o nous, a inteligência divina ou ambos, sendo todos sinônimos entre si. Mesmo com a possibilidade do Deus de Platão ser uno além de bom (justo etc), muitos estudiosos de Platão, consideram que o "Theos" do filósofo era Zeus ou Apolo...

Todos esses aspectos do platonismo indicam que teólogos, filósofos e outros espiritualistas ou estudiosos dos séculos 1 e 2 poderiam muito bem discutir e traçar as semelhanças entre a filosofia de Platão e a de Jesus de Nazaré. 

Arianos, "nestorianos", gnósticos/ valentinianos, cristãos platônicos entre outros movimentos dos 3 ou 4 primeiros séculos, certamente não eram seitas que se separaram de uma visão única ou dogmática do cristianismo primitivo; Eram interpretações comuns da época; uma época de um Império que alternava entre um politeísmo (romano) e um culto aos imperadores, dominando várias outras culturas: celtas, germânicas, judias, cartaginesas, alanas, dácias etc. Nas catacumbas dos cristãos primitivos por exemplo, podem ser encontrados alguns elementos que indicam um sincretismo (mistura) com a religião greco-romana politeísta: Próxima às imagens de Jesus, Maria e outros personagens cristãos, há a representação de um personagem com chapéu frígio possivelmente indicando Orfeu; outro enfrentando uma serpente onde não é claro se é Adão ou Hércules, entre outras possíveis artes.

Apesar de todos esses elementos indicando uma inter religiosidade ou sincretismos religiosos durante os 2 primeiros séculos d.C., os "concílios" da igreja que começaram a ser feitos por influência de imperadores romanos a partir do século 3, suprimiram muitas dessas visões ao longo da história. Inclusive teólogos e lexicógrafos como o alemão, Walter Bauer, indicam isto em seus estudos.

Enfim, os textos citados aqui parecem falar da transitoriedade da vida: Jesus escolheu propagar sobre a lei de amor até o fim de sua vida, ignorando o que os homens valorizam no mundo; Filipe fala como o mundo é composto de imagens da verdade. Tomé fala como o ser humano vive entre imagens que escondem a luz que relaciona-se com Deus (e sua luz). 

É possível concluir que a realidade onde vivemos (a Terra, o universo tridimensional etc) é composto por esse tipo de "imagem" que esconde a verdade relacionada a Deus e sua luz - uma realidade divina, como Platão cita em Fedro: o "hiper ouranos" onde as virtudes irradiam luz, diferentemente das "imagens" da vida terrestre. Assim, aquele que ama os valores universais que unem e são bons para todos/ para a coletividade, como a justiça, a temperança, a coragem e "kalos", o bem/ a verdadeira beleza, não quer se separar destes. A pessoa que ama sem priorizar benefícios para si mesma, tem este amor sem interesses particulares. Esse amor é o que Platão e possivelmente seu mestre Sócrates chamaram de "O Alado".



 

sábado, 23 de novembro de 2024

Leitura ecumênica da Ovelha Perdida e da Avareza

Parábola da Ovelha Perdida (Tomé, Mateus, Lucas) 

Aproximavam-se de Jesus os publicanos e pecadores para o ouvir. 

E os fariseus e os escribas murmuravam, dizendo: Este recebe pecadores (pessoas de má vida), e come com eles. 

E ele lhes propôs esta parábola, dizendo: 

Que homem dentre vós, tendo cem ovelhas, e perdendo uma delas, não deixa no deserto as noventa e nove, e vai após a perdida até que venha a achá-la? 

E achando-a, a põe sobre os seus ombros, jubiloso; 

E, chegando a casa, convoca os amigos e vizinhos, dizendo-lhes: Alegrai-vos comigo, porque já achei a minha ovelha perdida. 

Digo-vos que assim haverá alegria no céu por um pecador que se arrepende, mais do que por noventa e nove justos que não necessitam de arrependimento

Notando que os fariseus e os escribas julgavam os publicanos e os pecadores inferiores a si mesmos, Jesus explica sobre a verdadeira espiritualidade a eles em tom provocativo: O verdadeiro sacerdote é como um pastor que ama todas as suas ovelhas. Ele não tem o olhar insensível que vê as ovelhas como meros números nem tem a ideia mesquinha de abandonar aquela ovelha que deixou o bando, pelo fato de ainda ter muitas outras para si. A vontade de Deus é de salvar a todos, sem fazer distinção. Ele pacientemente mostra o caminho do bem e da verdade, mesmo para as pessoas que não o seguem, nem o procuravam. Isto não significa buscar e acolher aquele que recusa a lei divina de amor, pois Deus concedeu o livre arbítrio a todos. Estes que recusam deliberadamente os ensinamentos de Cristo, quando se arrependerem de suas atitudes egoístas poderão ter uma nova chance, e Deus todo piedoso, certamente os acolherá. 

Jesus não forçava ninguém a seguí-lo e nem por isso deixava de dialogar com quem tivesse alguma disposição para viver seus ensinamentos, mesmo que estes tivessem cometido algum erro (pecado) ou que levassem uma "má vida" naquele momento.

Há uma semelhança deste tipo de passagem de Jesus com a vida do filósofo Sócrates que andava entre os cidadãos e entre as elites da Grécia clássica dialogando e buscando fomentar a descoberta dos valores universais: do bem/ belo, da justiça, da temperança e da coragem. Sócrates disse encontrar mais valor entre os humildes e ignorantes do que entre supostos intelectuais e indivíduos proeminentes, mas mesmo assim foi até o fim de sua vida sem desistir de fomentar/ ensinar sobre o bem.

O homem rico/ a avareza (Tomé, Lucas

E disse-lhe um da multidão: Mestre, dize a meus irmãos que repartam comigo a herança. 

Mas ele lhe disse: "Ó homem, quem me fez um divisor?" Quem me pôs a mim por juiz ou repartidor entre vós? 

Voltou-se para os discípulos e disse-lhes: "Não sou um divisor, eu sou?" Acautelai-vos e guardai-vos da avareza; porque a vida de qualquer não consiste na abundância do que possui. 

E propôs-lhe uma parábola, dizendo: Havia um homem rico que tinha muito dinheiro e não lhe faltava nada. Ele disse: Eu colocarei meu dinheiro em uso para que eu possa semear, plantar, colher e encher meu armazém com a produção. Seus campos produziram com abundância; E pensava consigo, dizendo: Que farei? Não tenho onde recolher os meus frutos. 

E disse: Farei isto: Derrubarei os meus celeiros, e edificarei outros maiores, e ali recolherei todas as minhas novidades e os meus bens; E direi a minha alma: Alma, tens em depósito muitos bens para muitos anos; descansa, come, bebe e folga. Tais eram suas intenções, mas Deus lhe disse: Louco! esta noite te pedirão a tua alma; e o que tens preparado, para quem será? naquela mesma noite ele morreu. 

Assim é aquele que para si ajunta tesouros, e não é rico para com Deus. Se você tem dinheiro, não o empreste com juros, mas dê a alguém de quem você não o receberá de volta. 

Aqui Jesus indica o quanto dar importância ao acúmulo de bens é algo fútil e até mesmo nocivo. Embora possa parecer que clamar por herança seja algo justo, para a lei de amor, ou seja, de solidariedade e de esperança, este interesse é supérfluo. Afinal, a preocupação com a herança é a preocupação com bens que originalmente nem são da própria pessoa que está para recebê-los, além de ser a fonte de disputas, desentendimento, conflito e até de algumas violências. Esta preocupação pouco ou nada difere da mostrada pela parábola do homem rico contada por Jesus. Afinal a herança é algo que uma pessoa guardou sem uso e deixou para gerações futuras. Na parábola, Jesus mostra como tal ato é geralmente ganancioso, pois envolve guardar mais do que se realmente precisa. 

Tomé mostra que Jesus enfatiza o quanto é errado usar o dinheiro para adquirir excedentes de bens materiais.

Nas duas passagens Jesus mostra que não tem preferência alguma pelos poderosos (sacerdotes, fariseus etc) nem pelos ricos. Jesus mostrou esperança mesmo pelos de "má vida", não fazendo distinção no sentido de escolher uns e excluir outros: ele estava aberto a todas pessoas que quisessem ouvir seus ensinamentos e viver a lei de amor a todos.

sábado, 16 de novembro de 2024

Leitura ecumênica do "Milagre do surdo-mudo" e "Festa dos Tabernáculos"

Milagre do surdo-mudo (Mateus, Marcos) 

Jesus deixou de novo as fronteiras de Tiro e foi pela Sidônia ao mar da Galiléia, no meio do território da Decápole. Ora, apresentaram-lhe um surdo-mudo possuído do demônio, rogando-lhe que lhe impusesse a mão. 

Jesus tomou-o à parte dentre o povo, pôs-lhe os dedos nos ouvidos e tocou-lhe a língua com saliva. E levantou os olhos ao céu, deu um suspiro e disse-lhe: Éfeta (que quer dizer: abra-te). No mesmo instante o demônio foi expulso os ouvidos lhe abriram, a prisão da língua se lhe desfez e ele falava perfeitamente. 

Proibiu-lhes que o dissessem a alguém. Mas quanto mais proibia, tanto mais o publicavam. 

E tanto mais se admiravam, dizendo: E fez bem todas as coisas. Fez ouvir os surdos e falar os mudos! Jamais se viu algo semelhante em Israel! Os fariseus porém falavam: É pelo príncipe dos demônios que ele expulsa demônios

Como dito anteriormente os fariseus afirmavam que os doentes em geral, se encontravam em tais condições porque mereciam, pois "tinham algum pecado". Isto certamente poderia ser usado como uma forma de poder político e/ou social, determinando que as pessoas não ajudassem os indivíduos com qualquer tipo de doença, dificuldade ou limitação. Jesus não só ajudou as vítimas oprimidas por tal situação, como contrariou as classes dominantes que espalhavam tais ideias mentirosas. 

Este tipo de mentira persiste até mesmo nos dias de hoje. Entre evangélicos existem pastores enriquecidos que chamam pessoas com transtornos mentais de endemoniados e classificam socialistas e sociais-democratas como anti-cristo. No 1º caso fazem isso para vender curas falsas ou internar tais pessoas em "comunidades terapêuticas" exigindo pagamento dos parentes do interno. No 2º caso fazem tal acusação por interesses políticos e econômicos: Envolvidos em negócios, estes pastores defendem seus interesses particulares preferindo candidatos neoliberais que negam obras sociais para favorecer os lobistas. 

Entre espíritas (e em outras religiões reencarnacionistas), por exemplo, alguns alegam que as pessoas que nasceram pobres ou com problemas de saúde, estão assim por causa de pecados de vidas anteriores e assim têm que pagar pelos seus pecados, porém no Livro dos Espíritos está claro, que mesmo os que estão pagando por pecados devem receber ajuda, principalmente daqueles que se dizem cristãos e/ou espíritas. Mesmo nas doutrinas reencarnacionistas, vivemos uma vida de cada vez, não lembrando de erros de vidas passadas, por isso todos são dignos de ajuda e todos devem ajudar - o perdão e a solidariedade mútuos são manifestações da lei divina de amor!

Festa dos Tabernáculos (João) 

Depois disto Jesus andava pela Galiléia, e já não queria andar pela Judéia, pois os judeus procuravam matá-lo. E estava próxima a festa dos judeus, a dos tabernáculos. Disseram-lhe, pois, seus irmãos: Sai daqui, e vai para a Judéia, para que também os teus discípulos vejam as obras que fazes. Porque não há ninguém que procure ser conhecido que faça coisa alguma em oculto. Se fazes estas coisas, manifesta-te ao mundo. 

Pois nem mesmo seus irmãos criam nele. 

Disse-lhes, pois, Jesus: Ainda não é chegado o meu tempo, mas o vosso tempo sempre está pronto. O mundo não vos pode odiar, mas ele me odeia a mim, porquanto dele testifico que as suas obras são más. Subi vós a esta festa; eu não subo ainda a esta festa, porque ainda o meu tempo não está cumprido. E, havendo-lhes dito isto, ficou na Galiléia. Mas, quando seus irmãos já tinham subido à festa, então subiu ele também, não manifestamente, mas como em oculto. 

Ora, os judeus procuravam-no na festa, e diziam: Onde está ele? 

E havia grande murmuração entre a multidão a respeito dele. Diziam alguns: Ele é bom. E outros diziam: Não, antes engana o povo. Todavia ninguém falava dele abertamente, por medo dos judeus. 

Mas, no meio da festa subiu Jesus ao templo, e ensinava. E os judeus maravilhavam-se, dizendo: Como este sabe letras, não as tendo aprendido? 

Jesus lhes respondeu, e disse: A minha doutrina não é minha, mas daquele que me enviou. Se alguém quiser fazer a vontade dele, pela mesma doutrina conhecerá se ela é de Deus, ou se eu falo de mim mesmo. Quem fala de si mesmo busca a sua própria glória; mas o que busca a glória daquele que o enviou, esse é verdadeiro, e não há nele injustiça. 

Não vos deu Moisés a lei? e nenhum de vós observa a lei. Por que procurais matar-me? 

A multidão respondeu, e disse: Tens demônio; quem procura matar-te? 

Respondeu Jesus, e disse-lhes: Fiz uma só obra, e todos vos maravilhais. Pelo motivo de que Moisés vos deu a circuncisão (não que fosse de Moisés, mas dos pais), no sábado circuncidais um homem. Se o homem recebe a circuncisão no sábado, para que a lei de Moisés não seja quebrantada, indignais-vos contra mim, porque no sábado curei de todo um homem? 

Não julgueis segundo a aparência, mas julgai segundo a reta justiça

Jesus mostra que não se ensina verdadeiramente falando de si, pois a verdade vem só daqueles que buscam a glória do Criador. Isto indica que admitir Deus é também uma forma de ser humilde, ou seja, de assumir a própria ignorância para buscar a verdade. 

De acordo com Platão e Sócrates, esta presunção da ignorância é um requisito básico para iniciar qualquer investigação, buscando o conhecimento / a verdade. 

Esta postura de Jesus também está em acordo com o Bhakti Yoga, um caminho de devoção e adoração de Deus (no caso, Brahman, a realidade última que se alcança com o amor intenso) no hinduísmo. 

Quando diz "testifico que as suas obras são más", Jesus também mostra como os religiosos e os aristocratas manipuladores e desejosos por luxo e por poder estavam errados e realizavam maldades; Além disto, ele mostra como os judeus que se opunham a ele eram contraditórios: Realizavam o rito da circuncisão mesmo aos sábados (o suposto dia reservado ao descanso e oração total dos judeus) e criticavam Jesus quando ele curava alguém neste mesmo dia da semana. 

Por fim, Jesus orienta para que não julguem pela aparência e sim pela justiça. Não há justiça sem o bem e sem equidade, moderação, coragem e bondade universais. Isto está na filosofia ocidental desde 4 séculos antes de Cristo e adentrou grande parte das leis das nações na era moderna. Mesmo assim, ainda hoje infelizmente há pessoas que julgam os outros pelas aparências: seja por ser de pele negra, por ser mulher, por ser indígena, por estar em situação de rua, por ser de uma sexualidade diferente de homem e mulher ou por ter transtornos mentais perceptíveis no comportamento.

 

sábado, 9 de novembro de 2024

Leitura filosófica sobre "A cananéia" e "Maria e Marta"

A mulher pagã / a cananéia (Marcos, Mateus) 

"Partindo Jesus dali, foi para as partes de Tiro e de Sidom. 

E eis que uma mulher cananéia, que saíra daquelas cercanias, clamou, dizendo: Senhor, Filho de Davi, tem misericórdia de mim, que minha filha está miseravelmente endemoniada. 

Mas ele não lhe respondeu palavra. E os seus discípulos, chegando ao pé dele, rogaram-lhe, dizendo: Despede-a, que vem gritando atrás de nós. 

E ele, respondendo, disse: Eu não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel. 

Então chegou ela, e adorou-o, dizendo: Senhor, socorre-me! 

Ele, porém, respondendo, disse: Não é bom pegar o pão dos filhos e deitá-lo aos cachorrinhos. 

E ela disse: Sim, Senhor, mas também os cachorrinhos comem das migalhas que caem da mesa dos seus senhores. 

Então respondeu Jesus, e disse-lhe: Ó mulher, grande é a tua fé! Seja isso feito para contigo como tu desejas. E desde aquela hora a sua filha ficou sã."

Talvez esta passagem seja considerada estranha para os tempos atuais: Primeiramente por cananéia deve se entender uma pessoa descendente deste povo (da antiga Canaã); Na época de Jesus, o Império Romano já tinha tomado os territórios dos descendentes desses cananeus (Fenícia/ K'nan e Cartago). 

A partir daí entende-se que Jesus questionou a mulher para prová-la, como em uma linguagem popular de sua época, onde os povos judeus chamavam os pagãos de cachorros. Talvez porque os judeus em algum momento da história antiga entenderam que os pagãos, politeístas em sua maioria, estavam tomados pela ganância e pela rivalidade bélica sendo fascinados pelas coisas da Terra (fortunas, prazeres sensoriais etc). Por causa disto as civilizações dos impérios mesopotâmicos, fenícios, egípcios e hititas que cercaram os povos hebreus e judeus ao longo da antiguidade jamais se interessariam por Deus, afinal os hebreus da época de Abrãao e de Moisés, eram tribos humildes, que não construíam monumentos e mal formavam exércitos. 

Jesus certamente não tinha preconceito, mas quis saber como a mulher, de uma cultura politeísta que predominantemente ignorava Deus e a religião abraâmica, reagiria quando ele se mostrasse de um fé monoteísta, diferente dos descendentes dos cananeus. Assim, quando a mulher disse que os cachorrinhos também se alimentavam do resto dos outros, ela mostrou-se humildemente digna e acabou recebendo a ajuda de Jesus. 

Isto também mostra a importância das decisões que não devem ficar só no discurso/ nas aparências, mas também devem ser vividas internamente pelas pessoas, de coração: A cananéia apesar de pertencer a uma crença diferente de Jesus, não se ofendeu em momento algum e ainda alegou humildemente que ela, como qualquer outra pessoa de sua cultura ("os cachorrinhos") precisavam de ajuda - seja esta ajuda um auxílio vindo de Jesus, de sua fé, de seus discípulos ou de Deus.

Maria e Marta (Lucas) 

"Aconteceu que, indo eles de caminho, entrou Jesus numa aldeia; e certa mulher, por nome Marta, o recebeu em sua casa; E tinha esta uma irmã chamada Maria, a qual, assentando-se também aos pés de Jesus, ouvia a sua palavra. 

Marta, porém, andava distraída em muitos serviços; e, aproximando-se, disse: Senhor, não se te dá de que minha irmã me deixe servir só? Dize-lhe que me ajude. 

 Respondendo Jesus, disse-lhe: Marta, Marta, estás ansiosa e fadigada com muitas coisas, mas uma só é necessária; E Maria escolheu a boa parte, a qual não lhe será tirada."

É possível entender que Marta, enquanto trabalhava, não deveria perder tempo criticando Maria que ouvia os ensinamentos de Jesus, pois a passagem parece mostrar que ambas já haviam escolhido o que fazer naquele dia. Marta recebeu Jesus, mas escolheu continuar seus serviços permanecendo ansiosa, enquanto Maria juntou-se a Jesus para ouvir seus ensinamentos sobre o amor a Deus e ao próximo como a si mesmo - O amor verdadeiro, o amor a todas as coisas.

Jesus diz para Marta, que mais importante do que os afazeres domésticos e possíveis preparativos, é ouvir os ensinamentos da lei de amor e estar junto com quem vive estas palavras. Isto porque o ser humano pode e deve dedicar algum tempo aos serviços de seu sustento, mas ele não foi feito para ser escravo nem para ser uma máquina. Tal fato está de acordo com vários outros ensinamentos de Jesus para que vivamos um dia de cada vez, sem acumularmos bens para o futuro e sem "vãs preocupações". Não se trata de irresponsabilidade nem de negligência e sim de evitarmos a avareza, a ansiedade e a ganância. Certamente isto se tornou mais difícil na era moderna após a propagação do mercantilismo desde o final do século 15. Pois deste período até os dias de hoje, com o advento dos sistemas sócio econômicos liberais e neoliberais que têm a dominância de uma ideologia de acumular bens, sem se importar com o próximo, espalha-se o discurso falacioso de que é natural que pessoas empobrecidas morram de fome ou de doenças, enquanto uma minoria acumula grandes fortunas desnecessariamente; Esta ideologia por trás destas regras sociais e econômicas é o capitalismo, que objetifica e precifica a vida, contrariando os ensinamentos de Jesus de se viver um dia de cada vez, com amor ao próximo.

Praticar as palavras de Cristo então é ser misericordioso, não só ajudando os necessitados, mas também criticando e denunciando os que acumulam muito poder na Terra prejudicando os demais. Assim Jesus mostrou o amor de Deus a todos: apontou os erros e maldades dos líderes sacerdotes e dos enriquecidos que priorizaram seus bens materiais e suas posições de poder, como um pai que tenta corrigir seus filhos. Acolheu os miseráveis como uma mãe que tem esperança e sempre ama e recebe as suas crianças. Isto porque o amor é um sentimento bom, que deve ser expresso como as emoções - necessidades humanas. Para estar junto daqueles que se ama, Jesus viveu desta maneira, pois mostrou amor por toda a humanidade, buscando corrigir os egoístas que causavam grandes males às outras pessoas e acolhendo os humildes, os sofredores e os que se dispõem a viver a lei de amor.


 

sábado, 2 de novembro de 2024

Leitura ecumênica sobre Os "milagres dos pães e das águas"

Multiplicação dos Pães (Mateus, Marcos, Lucas, João

"Depois disto partiu Jesus para o outro lado do mar da Galiléia, para um lugar deserto, que é o de Tiberíades. 

Uma grande multidão o seguia, porque via os sinais que operava sobre os enfermos e ele (Jesus) os recebeu possuído de íntima compaixão, e falava-lhes do reino de Deus, e sarava os que necessitavam de cura. 

E Jesus subiu ao monte, e assentou-se ali com os seus discípulos. 

A páscoa, a festa dos judeus, estava próxima. E já o dia começava a declinar; então, chegando-se a ele os doze, disseram-lhe: Despede a multidão, para que, indo aos lugares e aldeias em redor, se agasalhem, e achem o que comer; porque aqui estamos em lugar deserto. 

Então Jesus, levantando os olhos, e vendo que uma grande multidão vinha ter com ele, disse a Filipe: Onde compraremos pão, para estes comerem? Mas dizia isto para o experimentar; porque ele bem sabia o que havia de fazer. 

Filipe respondeu-lhe: Duzentos denários (dinheiros) de pão não lhes bastarão, para que cada um deles tome um pouco. 

E um dos seus discípulos, André, irmão de Simão Pedro, disse-lhe: 

Está aqui um rapaz que tem cinco pães de cevada e dois peixinhos; mas que é isto para tantos? E disse Jesus: Mandai assentar os homens. E havia muita relva naquele lugar. Assentaram-se, pois, os homens em número de quase cinco mil, além das mulheres e crianças. 

Jesus tomou os pães e, havendo dado graças, repartiu-os pelos discípulos, e os discípulos pelos que estavam assentados; e igualmente também dos peixes, quanto eles queriam. 

E, quando estavam saciados, disse aos seus discípulos: Recolhei os pedaços que sobejaram, para que nada se perca. 

 Recolheram-nos, pois, e encheram doze alcofas (cestas) de pedaços dos cinco pães de cevada, que sobejaram aos que haviam comido. 

Vendo, pois, aqueles homens o milagre que Jesus tinha feito, diziam: Este é verdadeiramente o profeta que devia vir ao mundo. 

Sabendo, pois, Jesus que haviam de vir arrebatá-lo, para o fazerem rei, tornou a retirar-se, ele só, para o monte."

A partilha do pão é (mais) uma amostra de que é mais importante para os seres humanos, ajudar o próximo e conviver em paz, do que possuir qualquer tipo de propriedade. Jesus realizou o milagre da multiplicação tomado por compaixão diante a enorme multidão de famintos - nem o elevadíssimo número de pessoas necessitadas o desanimou de realizar tal feito justo e benigno. A compaixão de Cristo, que é uma forma de amor, se dá em seu presente: encarnado na Terra, Jesus cuidava dos vulneráveis, sem se importar com o passado das pessoas, nem com possíveis futuros problemas. Quem entendeu o amor de Jesus, solidariza-se com aqueles que têm necessidades ou que passam por dificuldades: não deixa populações carentes de necessidades básicas, não se conformando com pessoas passando fome.

Os momentos em que Jesus retira-se em solidão certamente foram para realizar orações a Deus e realizar alguma prática como a meditação/ o recolhimento para entrar em comunhão com Deus

Jesus anda sobre as Águas (Mateus, Marcos, João) 

"Logo (Jesus) obrigou os seus discípulos a subir para o barco, e passar adiante, para o outro lado, a Betsaida, enquanto ele despedia a multidão. E, tendo-os despedido, foi ao monte a orar na solidão. Sobrevindo a tarde, estava o barco no meio do mar e ele, sozinho, em terra. 

E vendo que se fatigavam a remar, porque o vento lhes era contrário, perto da quarta vigília da noite aproximou-se deles, andando sobre o mar, e queria passar-lhes adiante. 

Quando eles o viram andar sobre o mar, pensaram que era um fantasma, e gritaram Porque todos o viam, e assustaram-se; mas logo (Jesus) falou com eles, e disse-lhes: Tende bom ânimo; sou eu, não temais. 

Respondeu-lhe Pedro, e disse: Senhor, se és tu, manda-me ir ter contigo por cima das águas. E ele disse: Vem. Então Pedro, descendo do barco, andou sobre as águas para ir ter com Jesus. Mas, sentindo o vento forte, teve medo; e, começando a ir para o fundo, clamou, dizendo: Senhor, salva-me! 

E logo Jesus, estendendo a mão, segurou-o, e disse-lhe: Homem de pouca fé, por que duvidaste? 

E subiu para o barco, para estar com eles, e o vento se aquietou; e entre si ficaram muito assombrados e maravilhados; Pois não tinham compreendido o milagre dos pães; antes o seu coração estava endurecido. 

E, quando já estavam no outro lado, dirigiram-se à terra de Genesaré, e ali atracaram. 

Saindo eles do barco, logo o conheceram; E, correndo toda a terra em redor, começaram a trazer em leitos, aonde quer que sabiam que ele estava, os que se achavam enfermos. 

Onde quer que entrava, ou em cidade, ou aldeias, ou no campo, apresentavam os enfermos nas praças, e rogavam-lhe que os deixasse tocar ao menos na orla da sua roupa; e todos os que lhe tocavam saravam."

Assim como a multiplicação dos pães, esta é uma passagem do evangelho que muitos indivíduos, principalmente ateus, devem duvidar que tenha acontecido: Não basta Jesus ter andado sobre as águas, como Mateus conta que Pedro conseguiu dar alguns passos andando sobre as águas. 

Para se realizar um feito destes com a graça, ou com a mediunidade, deve-se considerar várias coisas: O quão pura e intensa deve ser a fé do indivíduo para realizar tal feito? O quão útil seria realizar tal feito? Jesus, como sempre, realiza seus “milagres” em um estado mental de grande humildade e misericórdia: Sendo Jesus o filho de Deus (o próprio para os católicos e os evangélicos, ou um espírito muito próximo de Deus para espíritas e credos semelhantes), ele conseguiria realizar tais feitos que seriam dificílimos ou "impossíveis" para a maioria das pessoas. Talvez Pedro fosse o apóstolo que em momentos de grande fé e fervor, conseguisse realizar coisas vagamente parecidas. Mas o espiritismo explica que o médium é intermediário entre a Terra e o mundo dos espíritos. Que espírito de acordo com esta filosofia, acharia útil ou importante Pedro andar sobre as águas? Não importa. Porém quem concede a graça (ou a “mediunidade”) à Jesus é O próprio Deus. 

Independente se Jesus é Deus ou o mais elevado espírito e mais próximo de Deus, este fato não deve ser desculpa para cristãos se afastarem ou desistirem de seus ensinamentos: O próprio Jesus fala para as pessoas: vós sois deuses, indicando que todos podem e devem ser como ele. E também ocasionalmente avisa seus discípulos para que estes tenham mais fé! De acordo com suas palavras, se tivessem mais fé, realizariam os "milagres" ou "feitos mediúnicos" sem dificuldades!

Discurso de Jesus sobre o pão da vida (João) 

"No dia seguinte, a multidão que estava do outro lado do mar, vendo que não havia ali mais do que um barquinho, a não ser aquele no qual os discípulos haviam entrado, e que Jesus não entrara com os seus discípulos naquele barquinho, mas que os seus discípulos tinham ido sozinhos (Contudo, outros barquinhos tinham chegado de Tiberíades, perto do lugar onde comeram o pão, havendo o Senhor dado graças). 

Vendo, pois, a multidão que Jesus não estava ali nem os seus discípulos, entraram eles também nos barcos, e foram a Cafarnaum, em busca de Jesus. E, achando-o no outro lado do mar, disseram-lhe: Rabi, quando chegaste aqui? 

Jesus respondeu-lhes e disse: Na verdade, na verdade vos digo que me buscais, não pelos sinais que vistes, mas porque comestes do pão e vos saciastes.  Trabalhai, não pela comida que perece, mas pela comida que permanece para a vida eterna, a qual o Filho do homem vos dará; porque a este o Pai, Deus, o selou. 

Disseram-lhe, pois: Que faremos para executarmos as obras de Deus? 

Jesus respondeu, e disse-lhes: A obra de Deus é esta: Que creiais naquele que ele enviou. 

Disseram-lhe, pois: Que sinal, pois, fazes tu, para que o vejamos, e creiamos em ti? Que operas tu? Nossos pais comeram o maná no deserto, como está escrito: Deu-lhes a comer o pão do céu. 

Disse-lhes, pois, Jesus: Na verdade, na verdade vos digo: Moisés não vos deu o pão do céu; mas meu Pai vos dá o verdadeiro pão do céu. Porque o pão de Deus é aquele que desce do céu e dá vida ao mundo. 

Disseram-lhe, pois: Senhor, dá-nos sempre desse pão. 

E Jesus lhes disse: Eu sou o pão da vida; aquele que vem a mim não terá fome, e quem crê em mim nunca terá sede. Mas já vos disse que também vós me vistes, e contudo não credes. Todo o que o Pai me dá virá a mim; e o que vem a mim de maneira nenhuma o lançarei fora. Porque eu desci do céu, não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou. E a vontade do Pai que me enviou é esta: Que nenhum de todos aqueles que me deu se perca, mas que o ressuscite no último dia. Porquanto a vontade daquele que me enviou é esta: Que todo aquele que vê o Filho, e crê nele, tenha a vida eterna; e eu o ressuscitarei no último dia. 

Murmuravam, pois, dele os judeus, porque dissera: Eu sou o pão que desceu do céu. E diziam: Não é este Jesus, o filho de José, cujo pai e mãe nós conhecemos? Como, pois, diz ele: Desci do céu? 

Respondeu, pois, Jesus, e disse-lhes: Não murmureis entre vós. Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou o não trouxer; e eu o ressuscitarei no último dia. Está escrito nos profetas: E serão todos ensinados por Deus. Portanto, todo aquele que do Pai ouviu e aprendeu vem a mim. Não que alguém visse ao Pai, a não ser aquele que é de Deus; este tem visto ao Pai. 

Na verdade, na verdade vos digo que aquele que crê em mim tem a vida eterna. Eu sou o pão da vida. Vossos pais comeram o maná no deserto, e morreram. Este é o pão que desce do céu, para que o que dele comer não morra. Eu sou o pão vivo que desceu do céu; se alguém comer deste pão, viverá para sempre; e o pão que eu der é a minha carne, que eu darei pela vida do mundo. 

Disputavam, pois, os judeus entre si, dizendo: Como nos pode dar este a sua carne a comer? 

Jesus, pois, lhes disse: Na verdade, na verdade vos digo que, se não comerdes a carne do Filho do homem, e não beberdes o seu sangue, não tereis vida em vós mesmos. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia. Porque a minha carne verdadeiramente é comida, e o meu sangue verdadeiramente é bebida. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele. Assim como o Pai, que vive, me enviou, e eu vivo pelo Pai, assim, quem de mim se alimenta, também viverá por mim. Este é o pão que desceu do céu; não é o caso de vossos pais, que comeram o maná e morreram; quem comer este pão viverá para sempre. 

Ele disse estas coisas na sinagoga, ensinando em Cafarnaum. Muitos, pois, dos seus discípulos, ouvindo isto, disseram: Duro é este discurso; quem o pode ouvir? Sabendo, pois, Jesus em si mesmo que os seus discípulos murmuravam disto, disse-lhes: Isto escandaliza-vos? Que seria, pois, se vísseis subir o Filho do homem para onde primeiro estava? O espírito é o que vivifica, a carne para nada aproveita; as palavras que eu vos digo são espírito e vida. Mas há alguns de vós que não crêem. 

Porque bem sabia Jesus, desde o princípio, quem eram os que não criam (acreditavam), e quem era o que o havia de entregar. E dizia: Por isso eu vos disse que ninguém pode vir a mim, se por meu Pai não lhe for concedido. Desde então muitos dos seus discípulos tornaram para trás, e já não andavam com ele. Então disse Jesus aos doze: Quereis vós também retirar-vos? 

Respondeu-lhe, pois, Simão Pedro: Senhor, para quem iremos nós? Tu tens as palavras da vida eterna. E nós temos crido e conhecido que tu és o Cristo, o Filho do Deus vivente. 

Respondeu-lhe Jesus: Não vos escolhi a vós os doze? e um de vós é um diabo. E isto dizia ele de Judas Iscariotes, filho de Simão; porque este o havia de entregar, sendo um dos doze."

Quando Jesus diz “Trabalhai, não pela comida que perece, mas pela comida que permanece para a vida eterna, a qual o Filho do homem vos dará; porque a este o Pai, Deus, o selou.” ele se quer dizer que trabalhar o bem (humildade, serenidade, sinceridade, paciência, força de vontade, misericórdia etc) de coração, para a alma/ o espírito e sua imortalidade é mais importante do que simplesmente trabalhar pela sobrevivência na Terra. Porém esse trabalho espiritual é feito valorizando o próximo na Terra e o próximo é todo e qualquer um que se encontre, seja conhecido ou desconhecido, por isso esse trabalho espiritual não deve deixar de valorizar a vida coletiva. Não se alcança o reino dos céus sem praticar os ensinamentos de Jesus: ser humilde como as crianças, vigiar a si mesmo para não cair no orgulho, na ganância e na ira e perdoar e ajudar os outros, principalmente os mais necessitados. Também é importante ressaltar que na frase “E a vontade do Pai que me enviou é esta: Que nenhum de todos aqueles que me deu se perca”, fica claro que Deus é piedoso e esperançoso, pois quer salvar a todos. Isto é reforçado também quando ele diz nesta passagem: E serão todos ensinados por Deus.

Se alimentar da carne e do sangue de Jesus, significa se alimentar de seus ensinamentos / praticá-los: Os ensinamentos mais objetivos (externos, sociais) que é perdoar o próximo em seus atos, ser solidário etc; e os mais subjetivos (internos, individual) que trata-se de não desejar o mal de outrem, esforçar-se para perdoar, autocontrolar seus pensamentos e sentimentos. Estes dois ensinamentos são recíprocos e interligados: ninguém é verdadeiramente humilde se trata determinadas pessoas com respeito e trata outras pessoas com desprezo, violência ou qualquer outra atitude contrária ao respeito. Ninguém é verdadeiramente solidário se ajuda somente alguns indivíduos ou grupos, enquanto odeia ou despreza outras pessoas e povos...

Jesus transmite o bem e a verdade, pois sua palavra é espírito! A lei divina é de amar ao próximo como a si mesmo e amar a Deus. Amar o próximo é conviver em paz, partilhando tudo com humildade, amizade e esperança coletiva. 

Quando Jesus diz: “Que seria, pois, se vísseis subir o Filho do homem para onde primeiro estava? O espírito é o que vivifica, a carne para nada aproveita; as palavras que eu vos digo são espírito e vida.” ele explica que a vida espiritual vai além (antes e depois) da material/ "encarnada"; Pois esta vida (material/ encarnada) é passageira e existe para se propagar o amor de Deus. Por isso Jesus ensinou que praticar o bem e obedecer a lei divina de amor são coisas mais importantes do que se preocupar com a própria vida encarnada. Assim, ao questionar a reação de seus apóstolos, Jesus indica que "onde primeiro estava" é uma realidade diferente da vida corporal/ material, certamente espiritual.

Discussão com fariseus (Tomé, Marcos, Mateus) 

"Então chegaram ao pé de Jesus uns escribas e fariseus de Jerusalém, dizendo: 

Por que transgridem os teus discípulos a tradição dos anciãos? pois não lavam as mãos quando comem pão. 

Ele, porém, respondendo, disse-lhes: Por que transgredis vós, também, o mandamento de Deus pela vossa tradição? 

Deus ordenou, dizendo: Honra a teu pai e a tua mãe; e: Quem maldisser ao pai ou à mãe, certamente morrerá. Mas vós dizeis: Qualquer que disser ao pai ou à mãe: É oferta ao Senhor o que poderias aproveitar de mim; esse não precisa honrar nem a seu pai nem a sua mãe, E assim invalidastes, pela vossa tradição, o mandamento de Deus. 

Hipócritas, bem profetizou Isaías a vosso respeito, dizendo: Este povo se aproxima de mim com a sua boca e me honra com os seus lábios, mas o seu coração está longe de mim. (Isaías 29 - 13) Mas, em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos dos homens. 

E, chamando a multidão para si, disse-lhes: Ouvi, e entendei: O que contamina o homem não é o que entra na boca, mas o que sai da boca, isso é o que contamina o homem. 

Então, acercando-se dele os seus discípulos, disseram-lhe: Sabes que os fariseus, ouvindo essas palavras, se escandalizaram? 

Ele, porém, respondendo, disse: Ai dos fariseus, porque eles são como um cão que dorme na manjedoura dos bois, pois ele não come nem deixa os bois comerem. Toda a planta, que meu Pai celestial não plantou, será arrancada. Deixai-os; são cegos condutores de cegos. Ora, se um cego guiar outro cego, ambos cairão na cova. 

E Pedro, tomando a palavra, disse-lhe: Explica-nos essa parábola. 

Jesus, porém, disse: Até vós mesmos estais ainda sem entender? Ainda não compreendeis que tudo o que entra pela boca desce para o ventre, e é lançado fora? Mas, o que sai da boca, procede do coração, e isso contamina o homem. 

Porque do coração procedem os maus pensamentos, mortes, adultérios, fornicação, furtos, falsos testemunhos e blasfêmias. São estas coisas que contaminam o homem; mas comer sem lavar as mãos, isso não contamina o homem."

Esta é a passagem onde Jesus confirma que nenhum ritual ou rito, seja "liturgia" ou "magística", é mais importante do que praticar o bem nos atos, nas palavras, nos pensamentos e nos sentimentos. As maldades não entram pela boca da pessoa - elas surgem e/ ou permanecem no interior (alma, mente) da pessoa tomada por sentimentos e/ ou pensamentos maldosos, egoístas e similares. Portanto praticar uma purificação física, como lavar as mãos, as louças, jarros e talheres, é insignificante se a pessoa não pratica o bem. As palavras mostram o que a pessoa pensa e guarda de sentimento: Se uma pessoa espalha mentiras sobre outras, ou se faz falsas acusações por exemplo, ela está praticando o mal, portanto, está contrariando os ensinamentos de Jesus. Toda fala e argumento usado para beneficiar a si mesmo prejudicando outros, é contrário aos ensinamentos de Jesus.

Esta questão do coração e dos pensamentos trazida por Jesus, é o tema da interiorização do bem, bastante abordado por Sócrates e Platão: Os filósofos explicavam que era importante tornar o desejo correto (orthos eros), unindo o elemento sentimental/ emocional ("thymous") que é o intermediário da alma (da psiquê) ao elemento superior, à razão capaz de buscar o bem, a justiça, a moderação e a coragem. Assim se busca o que é uno, ou seja, universal, imutável, o que não pode ser relativizado nem iludido. O bem (kalos) é o valor universal, que deve ser inferido nos sentimentos/ emoções, na razão e enfim, na alma, para servir a todos, para o bem do coletivo.

Leitura sobre Últimos encontros com Jesus

Ressurreição e aparição a Maria Madalena ( Mateus , Marcos , Lucas , João ) Eis que no primeiro dia da semana, houve um violento tremor de t...